TELHAR OU TROLHAR?
Essa duplicidade de título como
condição aplicada principalmente na Maçonaria latina e na brasileira em
particular, tem sido constantemente abordada dentro da Ordem. Nesse sentido, rios
e rios de tinta já foram derramados, embora insistentemente ainda prevaleçam
desacordos quanto ao uso correto de um vocábulo, nesse caso, Telhar ou Trolhar.
Na intenção de trazer mais luzes ao
tema, e com embasamento na pesquisa séria e desinteressada em agradar esse ou
aquele leitor, é que aqui seguem mais algumas ponderações que visam abordar o
uso racional e propício para os títulos em questão.
Com a finalidade de conhecer a origem do
título que dá nome a prática maçônica de examinar, ou verificar a qualidade de
alguém, se faz imperioso retroceder aos tempos da Maçonaria Operativa nos séculos
XIV, XV, XVI e parte do século XVII, época que os “pedreiros livres” eram
literalmente construtores de igrejas, catedrais, abadias, castelos, obras
públicas, etc., que davam, principalmente pela influência da Igreja-Estado, um
cunho religioso ao trabalho. Paulatinamente, com o advento da aceitação
(Maçonaria Especulativa) ia se estabelecendo um sistema doutrinário simbólico velado
por símbolos e alegorias, cujo objetivo foi o de estabelecer o aparelhamento moral
e ético aplicado pela Ordem.
As Corporações de Ofício, ancestrais
da Moderna Maçonaria, reuniam-se naquele período nos próprios canteiros das
obras e nos adros das igrejas. Posteriormente viriam a se agrupar em lugar
reservado (coberto) nas tabernas onde discretamente eram realizados os
trabalhos.
Uma das características dessas
Confrarias que, por motivos iniciáticos perduram até hoje, e por nós bem conhecidos,
foi a de que apenas os regularmente aceitos na Maçonaria participassem dos
trabalhos, o que em primeira análise significa que não eram permitidos não
iniciados a participar de uma sessão Maçônica. É daí o costume de se mencionar
em Loja que “os nossos trabalhos estão
cobertos” como uma das condições para a abertura da Loja – o sigilo é
um dos Landmarks da Ordem.
Em síntese essa prática viria também
dar origem a um importante cargo na Moderna Maçonaria, o do Cobridor Interno ou
Externo, ou ainda o Telhador, dependendo da vertente maçônica (inglesa ou
francesa). Na verdade, além de ter o ofício de guardar a porta do Templo esse
oficial também examina a autenticidade e regularidade de um Maçom que pede
autorização para ingressar nos trabalhos.
Na intenção de esclarecer o porquê do
uso na Maçonaria dos termos “cobrir, cobertura, telhamento (que é um neologismo
maçônico), telhador e cobridor” vai o seguinte comentário: era costume naquela
época que quando se descobria alguém não iniciado (cowan) [1]
espionando os trabalhos maçônicos, ou mesmo tentando ingressar por meio ilícito
no recinto, o bisbilhoteiro sofria o castigo de ser amarrado e colocado debaixo
das calhas das águas pluviais para que ele tomasse um belo banho de água gelada
(destacando-se que a Maçonaria floresceu na Grã-Bretanha, onde geralmente a
temperatura média anual é bastante baixa). Esse corretivo era aplicado
inclusive aos maçons bisbilhoteiros que, por não possuírem ainda qualificação
para participar de um trabalho específico, tentavam burlar a vigilância para
ingressar na Loja e satisfazer a sua curiosidade.
Em se tratando ainda das Corporações
de Canteiros Medievais, faz-se necessário esclarecer que naquela época ainda
não existia o grau especulativo de Mestre, porém existia o Mestre da Obra que
era um Companheiro do Ofício (Fellow
Craft) experimentado e proprietário do canteiro.
Dentro do mote maçônico de que trata
as palavras cobrir, cobertura e cobridor vem a elas associado o termo “telhador”
(em inglês: tiler).
Em Maçonaria, Tiler (do substantivo tile –
telha em inglês) é o oficial que executa o trabalho de verificar a
autenticidade e regularidade daquele(s) que se apresenta(m) aos trabalhos de
uma Loja, não permitindo que “chova” ou tenha “goteira” no
ambiente. Alude também aos cowans que
tentavam espiar ou participar dos trabalhos maçônicos e que, quando descobertos,
eram castigados recebendo um banho nas águas geladas das calhas – é das calhas
e dos telhados que resultam as goteiras.
Historicamente esse costume maçônico
chegou até os dias de hoje com a preservação dos usos e costumes, obviamente que
não amarando espiões debaixo das calhas, mas cobrindo o Templo contra
profanos (não iniciados) e Irmãos que eventualmente não possuam grau suficiente
para participar dos trabalhos.
Por assim ser é que existe nos ritos
da Moderna Maçonaria o ofício de verificar a cobertura, cujo cargo destina-se
ao Cobridor, ao Guarda-Externo e às vezes aos Expertos. Pela sua associação com
a cobertura do recinto o ofício também é conhecido como Telhador,
derivando-se daí o termo telhar. Não há que se estranhar o uso desses
vocábulos tratando-se de Maçonaria, até porque o ideário maçônico relaciona-se simbolicamente
com a arte de construir, cuja alegoria da cobertura nos ensina que o
edifício se cobre com telhas - daí o termo e o ato de telhar.
O ofício de telhar em Maçonaria
significa examinar alguém por toques, sinais e palavras com objetivo de verificar
a sua qualidade maçônica, portanto é figuradamente a cobertura que cobre o Templo afastando profanos
ou mesmo maçons que não alcançaram ainda qualificação para participar de uma
determinada sessão – cobrir significa não permitir goteiras no recinto.
É oportuno lembrar que existem
determinadas situações pelas quais o Templo deve ser coberto a algum Irmão pelo
tempo que se fizer necessário, mesmo àqueles que estejam participando dos
trabalhos na Loja. Se esse fato acontecer, determina-se que o Templo seja
coberto a alguém, nunca que esse alguém cubra o Templo, pois quem cobre o
edifício é o Cobridor e quem se retira do recinto é aquele que tem para si o
Templo coberto. Assim, por exemplo, como acontece em algumas situações que a
Loja precisa mudar o grau de trabalho, não são os Aprendizes em retirada que
cobrem o Templo, porém é o Templo que para eles ficará coberto (à saída deles o
Cobridor fecha a porta).
Não obstante a lógica dos fatos que
associa a cobertura contra goteiras ao telhamento (neologismo maçônico), ainda
alguns insistem no equívoco em associá-lo ao substantivo feminino trolha
como se o ato de trolhamento fosse à prática da cobertura maçônica, isso porque
alguns autores despercebidos do passado simplesmente confundiram “telhamento”
com “trolhamento”.
A trolha (do latim: trullia), longe de ser um objeto que
sirva para cobrir alguma coisa, é uma espécie de pá em que o pedreiro põe a
argamassa da qual vai se servindo durante a construção. Ela serve também para
alisar o reboco de argamassa que vai sobre a parede. No Brasil designa-se igualmente
como a desempoladeira ou a desempenadeira. Em Maçonaria, como substantivo
masculino, designa o pedreiro ordinário; o servente de pedreiro. Figuradamente
menciona o homem sem préstimo ou sem importância; o pobretão.
Segundo Allec Mellor a trolha era
utilizada pelos maçons operativos para amassar a argamassa destinada a cimentar
as pedras do edifício durante a construção. Simbolicamente, na Maçonaria, a
trolha nos ensina a cimentar os laços de afeição e de benevolência que une
todos os membros da família maçônica. É o símbolo da tolerância e indulgência,
pois alisando, ela apara todas as arestas e imperfeições que porventura possam
existir nas paredes do templo interno de cada um dos maçons.
Esses conceitos compõem a Maçonaria
porque ela é uma Construtora Social e como tal absorveu inúmeros símbolos relacionados
às ferramentas da arte da construção, das quais a trolha possui um importante
significado simbólico. Muitos pesquisadores sérios e compromissados com a
autenticidade defendem a tese de que a trolha seria a colher do pedreiro,
talvez graças à etimologia da palavra.
Citando José Castellani: seja ela a colher do pedreiro ou a desempenadeira
– conforme definição registrada por bons dicionaristas do idioma vernáculo – o
seu significado é o mesmo, pois uma de suas funções é a de alisar a argamassa
aparando as suas rugosidades, sendo simbolicamente usada como meio de apaziguar
obreiros em litígio, aparando assim as arestas existentes, sendo este
apaziguamento determinado por outro neologismo[2]
maçônico - o trolhamento, já que trolhar (outro neologismo) significa
passar a trolha.
Procurei aqui condensar alguns apontamentos
que achei oportunos, levando-se em conta o significado das palavras, cujo
objetivo é o de tirar uma conclusão de como nominar o ato de cobertura do
Templo – telhar ou trolhar?
Infelizmente no Brasil alguns
pesquisadores e estudantes da Arte Real ainda não tomam o devido cuidado com a
bibliografia consultada incluindo-se ai pesquisa em certos rituais do passado
que propagam equívocos e influenciam até agora rituais do presente. Essas
atitudes só proliferam a Ordem com concepções anacrônicas. Assim é que ainda
aparecem expressões como a do trolhamento para definir do ato de se verificar a
autenticidade e a regularidade de um Maçom. Lamentavelmente até bons
dicionários de Maçonaria, que merecem uma revisão, ainda tratam nas suas
páginas com analogia o ato de telhar e trolhar. Ora, por mais ginástica mental
que seja possível fazer, os termos possuem significados completamente
distintos. Se existe algo de comum entre eles é apenas o fato de que ambos são
usados pela Maçonaria.
Na razão dos fatos, a telha cobre e a
trolha alisa.
O Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa,
por exemplo, menciona: estar debaixo da
telha é estar a coberto.
Dado ao exposto, pergunta-se: Cobre-se
o Templo com telhas ou com trolhas?
Se mesmo assim ainda alguém possa imaginar
um Templo coberto com trolhas, melhor seria então que fosse mudado também o
nome de Cobridor para Trolhador.
Como última ponderação, deixo aqui o
seguinte apontamento: o Cobridor ao examinar alguém pelos Sinais, Toques e
Palavras estará cumprindo o ofício de cobrir o Templo contra eventuais fraudes.
Ele estará assim fazendo o telhamento, pois a telha cobre. Agora
a trolha... Alisa.
PEDRO
JUK
NOV/1999
REVISÃO
– MARÇO/2017
BIBLIOGRAFIA
E ROTEIRO PARA PESQUISA.
FIGUEIREDO, Joaquim Gervásio,
Dicionário de Maçonaria.
PALOU, Jean – A
Francomaçonaria Simbólica e Iniciática.
CARVALHO, Francisco
de Assis – Maçonaria, Usos e Costumes.
CASTELLANI, José – Dicionário
Etimológico Maçônico.
VAROLLI, Theobaldo
Filho – Curso de Maçonaria Simbólica.
CASTELLANI, José –
Dicionário de Termos Maçônicos.
MELLOR, Alec –
Dicionário da Franco Maçonaria e dos Franco Maçons.
BURNS, Robert –
The Freemasons.
SMYTH, Frederick
– A Reference Book for Freemasons.
HAMILL, John – The
History of English Freemasonry.
KENNEDY, Willian – Freemasonry:
A Possible Origin.
LONGMAN,
English Dictionary.
[1] Cowan – palavra oriunda de um dialeto
da Escócia Medieval e significa: aquele
que constrói paredes sem argamassa. Em simples análise o termo significa o
picareta, o sem qualificação. No que diz respeito à Maçonaria é o não iniciado
ou aquele que não possui qualificação para exercer o ofício ou participar dos
trabalhos.
[2] Neologismo - Palavra ou expressão nova
numa língua.
Consultando o Dicionário Priberiam da Língua Portuguesa (dicionário do chamado “português europeu”, visto que o REAA praticado no Brasil tem suas raízes na França e em Portugal, com muitos maçons brasileiros do século XIX tendo iniciado na Maçonaria quando dos estudos em Lisboa), encontramos, entre alguns poucos, o seguinte significado para a palavra “trolha” masculino: “operário que assenta e conserta telhados”. Sendo assim, no bom e velho português, “trolhamento” é assentar e consertar telhados. Já o termo “telhador” significa no mesmo dicionário “aquele que telha”, e o verbo “telhar” significa “cobrir com telha”.
ResponderExcluirSim, é exatamente isso que você pensou: se você mora em Lisboa e está com uma goteira em casa, você chama “o trolha” pra consertar seu telhado. Ele faz um “trolhamento”, ou seja, um exame para verificar onde está o problema, e então realiza o conserto.
Dessa forma, pode-se entender que “telhamento” é fazer um telhado, enquanto que “trolhamento” é consertar um telhado. Ora, o templo já está concluído. O examinador apenas verificará se não há uma “telha” fora do lugar ou defeituosa, de forma a evitar uma “goteira”. Então, qual é o termo que melhor se encaixa à ação do examinador? Trolhamento. O examinador está sendo um “trolha”, assentando, ou seja, avaliando se os visitantes têm o nível (grau) necessário para participarem dos trabalhos, e impedindo assim a entrada de “uma goteira” em nosso lar maçônico.
De fato como aspecto regional até faz sentido aí em Portugal, mas não de modo universal, pois ninguém cobre uma casa (faz a telhadura) com trolhas, porém com telhas. Assim. quem cobre é o Cobridor que faz o "telhamento", que é um neologismo maçônico, já que academicamente o termo é conhecido (no idioma vernáculo) como telhadura. Respeito sua tese, mas ela não muda a minha opinião. Fraterno abraço e obrigado pela visita.
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