Em 21/07/2018 o Respeitável Irmão
Ricardo Guedes, Loja Filhos de Abraão, 322, REAA, GLMMG, Oriente de Carmo da
Mata, Estado de Minas Gerais, apresenta a seguinte questão:
OS DIÁCONOS E A TRANSMISSÃO DA PALAVRA SAGRADA
Gostaria de receber material sobre a transmissão da palavra sagrada,
tendo em vista que vou compor a comissão de Liturgia e como responsável pela
parte ritualística de minha Oficina.
Quando falo em material seria a explicação histórica do papel dos
diáconos, e não só a parte ritualística,
pois essa todos somos sabedores;
CONSIDERAÇÕES:
Caro Irmão, eu não
forneço material. Nas pesquisas sobre Maçonaria a grande maioria dos temas é
elemento disperso e carece de muito tempo para catalogação. Eu não tenho tempo
disponível para digitalizar documentação, fragmentos e escritos de rodapés de
antigas obrigações dos construtores medievais e remeter para os meus leitores. Para
tanto, existem obras e autores autênticos para serem consultados. Dentre
outros, por aqui eu poderia citar José Castellani, Francisco de Assis Carvalho,
Theobaldo Varolli Filho, Frederico Guilherme da Costa, Ambrósio Peters, etc. No
exterior eu citaria Jasper Ridley, Joseph Fort Newton, Harry Carr, Alec Mellor,
Bernard E. Jones, Alex Horne, etc., além de uma viagem pelas Atas da Quatuor
Coronati Lodge 2076 de Londres.
Vou então comentar
alguns aspectos para norteá-lo nessa pesquisa. A propósito, no campo da
história, opiniões laudatórias dependem de muito estudo e comparação por método
acadêmico. Nada existe de pronto quando se coloca na pauta da pesquisa, assuntos
que envolvem tradições, usos e costumes da Maçonaria. Isso se deve
principalmente à amplitude e a abrangência que envolve a história da nossa Sublime
Ordem.
No tocante ao
assunto em epígrafe, na Moderna Maçonaria (a dos Aceitos por excelência), os
Diáconos são simbolicamente oficiais mensageiros.
Especialmente no
REAA\ eles são personagens que compõem a
ritualística na alegoria da transmissão da Palavra Sagrada, o que ocorre entre
as Luzes da Loja para a abertura e encerramento dos trabalhos.
Assim meu Irmão, a
questão, não é bem a de que “todos somos
sabedores”, porém a de compreender o porquê desse exercício que envolve os
Diáconos e as Luzes da Loja. É sempre de boa geometria por primeiro se
compreender as características que permeiam a originalidade de um ato
ritualístico.
No tocante à
originalidade, embora existam rituais no Brasil que mencionem o contrário,
genuinamente no REAA\ os Diáconos não
usam bastão e, por consequência, não existe o cruzar de bastões e muito menos
com eles a formação de pálio. A propósito, isso é prática de outro(s) rito(s),
mas que desafortunadamente tem sido enxertada indevidamente no escocesismo.
Aqui não se está discutindo se esse ou aquele ritual está certo, ou mesmo se um
é melhor do que o outro, mas sim a autenticidade de um ato litúrgico. Ademais,
ritual em vigência, mesmo que equivocado, deve ser respeitado.
Sob a óptica da
autenticidade, o cargo de Diácono é originário da ainda Maçonaria de Ofício
(operativa). Nela eles eram denominados como os antigos “oficiais de chão” e
serviam o Mestre da Obra e os Zeladores (wardens)
- esses últimos os ancestrais dos atuais Vigilantes da Loja. O título “Diácono”
apareceria mais tarde e por influência da igreja.
A propósito, eu já
escrevi bastante sobre isso, e existem respostas sobre esse assunto publicadas no
meu Blog em http://pedro-juk.blogspot.com.br
Segue então um pequeno
comentário sobre os antigos “oficiais de chão”, antepassados dos atuais Diáconos
e oficiais mensageiros na Maçonaria Especulativa.
Na época das associações
dos construtores medievais (antepassados da Maçonaria), quando das construções
das catedrais góticas no século XI, os imensos canteiros de obras acolhiam nos
seus quadros de operários várias centenas de trabalhadores. Dentre esses,
haviam os operários especializados que eram privilegiados por conhecerem amiúde
o segredo técnico da construção. Assim, quando uma obra, ou uma etapa da mesma
iria ser iniciada, o Mestre da Obra (atual Venerável Mestre) enviava, por
intermédio dos seus “oficiais de chão”, ordens aos seus Vigilantes para que
eles nivelassem e aprumassem os cantos da construção para que os trabalhos fossem
iniciados com força e vigor. Em linhas gerais, os oficiais de chão (atuais
Diáconos), como mensageiros, levavam a ordem aos Vigilantes que então
executavam a missão. Isto é: aprumavam e nivelavam os cantos, comunicando em
seguida ao Mestre pelos mesmos oficiais mensageiros que tudo estava “justo e
perfeito”. Certificado disso, o Mestre da Obra então ordenava à sua plêiade de
operários que iniciassem os trabalhos – os cantos nivelados e aprumados eram as
balizas para a colocação do cordel seguido na elevação da obra. Destaque-se a vastidão
de um canteiro de obras medieval onde a comunicação entre os operários
comumente era feita se servindo de mensageiros que se locomoviam pelos meandros
e vielas do espaço.
Concluída a etapa
contratada da construção, o Mestre da Obra ordenava novamente aos seus oficiais
de chão (mensageiros) que comunicassem os Vigilantes, pois era chegada a hora
de conferir o resultado dos trabalhos até então executados. Recebida a ordem,
os Vigilantes, cada qual cumprindo o seu ofício, conferiam o nivelamento e a aprumada
daquilo que havia sido até então construído. Estando tudo de acordo com os
planos da obra, os Vigilantes informavam através dos mesmos mensageiros que
tudo estava “justo e perfeito”. Em assim sendo, o Mestre mandava o seu Primeiro
Vigilante encerrar os trabalhos e em seguida pagar os obreiros despedindo-os
contentes e satisfeitos, mas não sem antes recomendá-los a retornar após o
inverno para o início de uma nova etapa da construção.
Esse é então um resumo
do que ocorria nos Ofícios-Francos, o que dá um panorama da razão pela qual a Moderna
Maçonaria adota no REAA\ uma alegoria que
revive essa antiga prática, substituindo os nivelamentos e aprumadas pela
transmissão de uma palavra que, se transmitida corretamente (justa e perfeita)
denota a qualidade para abrir e fechar os trabalhos de uma Loja maçônica. Essa
qualidade representa o aperfeiçoamento moral e ético que o maçom procura no
canteiro especulativo da Maçonaria.
Estabelecendo uma
relação entre o operativo e o especulativo, os Diáconos são os antigos oficiais
de chão enquanto que o Mestre da Obra é atualmente o Venerável Mestre. Já os
“zeladores” de outrora são os atuais Vigilantes.
Como a Moderna
Maçonaria é atualmente especulativa, o maçom, no lugar da pedra, passou a ser o
elemento primário (matéria prima). Assim, o nivelamento e a aprumada são apenas
práticas simbólicas o que se traduz pela transmissão de uma palavra, tanto no
início como no encerramento dos trabalhos. Estando ela transmitida nos
conformes, justa e perfeita, figuradamente o ato significa a boa geometria de
uma construção perfeita e durável. É essa a razão pela qual acontece a
transmissão da Palavra Sagrada entre as Luzes da Loja com a utilização dos
Diáconos que são os mensageiros que a transportam pelo recinto.
Ainda, no intuito
de esclarecer, foi pela razão das aprumadas e nivelamentos de antigamente que
os Vigilantes trazem consigo joias distintivas - o Nível e o Prumo. É também
por essa razão que é o Primeiro Vigilante quem declara a Loja fechada (vide o
ritual).
Por fim, no REAA os
Diáconos servem o canteiro especulativo (a Loja) como mensageiros durante a
transmissão da Palavra Sagrada para a abertura e o encerramento dos trabalhos.
Eles relembram os antigos oficiais de chão que no passado serviam diretamente o
Mestre da Loja e os Vigilantes como seus mensageiros e auxiliares. Nos ritos
onde não existe a alegoria da transmissão da Palavra Sagrada, geralmente os
Diáconos relembram o ofício de auxiliares de ordens das Luzes da Loja.
P.S. – Como elemento para sua
pesquisa eu sugiro consultar no Blog do Pedro Juk em Peças de Arquitetura o
título: “Bastões, Varas, Hastes – Instrumentos de Trabalho na Liturgia
Maçônica” que foi publicada em 29/01/2018. Esse escrito por certo lhe dará
uma ideia a respeito da amplitude que envolve o trato da pesquisa maçônica.
T.F.A.
PEDRO JUK
OUT/2018
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