Em 08.04.2020 o Respeitável Irmão Daniel Carlos Ferreira, Loja Portal da Mantiqueira, sem mencionar o nome do Rito, GLMMG (CMSB), Oriente de Barbacena, Estado de Minas Gerais, através do Respeitável Irmão Cláudio Rodrigues, pede esclarecimentos para o que segue:
CADEIA DE UNIÃO
Quem me passou seu e-mail foi um irmão, integrante do MMAALLAA por conta de
um questionamento que fiz no grupo e ele disse que o Irmão, por ser professor da Escola Maçônica, poderia me ajudar na questão.
Estou fazendo um estudo sobre a Cadeia de União e quando participei da
Escola Maçônica em Barbacena o posicionamento claro da Escola é que ela só é
usada para a transmissão da palavra semestral.
Durante as discussões sobre as condutas e liturgias dos rituais muito
tem-se discutido sobre isso e alguns irmãos se mostram não concordantes com
essa postura, dizendo que outra era feita e, principalmente onde está previsto
que é só para a transmissão da palavra semestral.
Um irmão que é estudioso constante me apontou que o fundamento é o
previsto na página 47 do Manual de Etiqueta & Protocolo Maçônico, porém
entendo que não é taxativo, pois aponta que é PARA A TRANSMISSÃO DA PALAVRA,
mas não fala que é só para ela.
Em sentido contrário, o autor Rizzardo da Camino, na edição do Rito
Escocês Antigo e Aceito 1º ao 33º, aponta a Cadeia de União como sendo ainda o
local para tais condutas para meditação, oblações, súplicas e agradecimentos e
descreve uma linda liturgia para a formação, condução e término, além de
apontar uma coerente e profunda finalidade dessas condutas.
Sou novo na Ordem, agora MM, tenho realizados estudos e atualmente estou
na Cadeia de União. Já entrei em contato com a Loja Maçônica, alguns irmãos
componentes dela e queria, agora, a opinião, ajuda, ensinamento de todos
aqueles que puderem fazê-lo para desenvolver uma real dimensão sobre o assunto
e, principalmente, saber da origem e implicações das atuações modificações.
Dessa forma, gostaria de contar com tua ajuda, se puderes, é claro.
CONSIDERAÇÕES:
Antes um breve resumo histórico sobre a origem da Palavra Semestral.
De pronto é preciso compreender que a utilização dessa prática não é
universal em se tratando de Ritos e Obediências, pois esse costume é aplicado
principalmente na vertente oriunda da Maçonaria Francesa (latina).
Segue então o resumo que envolve a Maçonaria Francesa.
Em face aos desacertos causados pela morte do Duque D’Antain em 1743, primeiro
Grão-Mestre da Maçonaria francesa, e a ascensão do Conde de Clermont ao Grão-Mestrado
da Ordem na França - esse pouco interessado com as práticas maçônicas – o que fez
com que ele colocasse prepostos no seu lugar e cujos quais acabaram exercendo ilimitadamente
o seu poder, causando, com isso, uma desastrosa fragmentação da Obediência que
resultou em graves consequências.
Esses choques de comandos internos trouxeram muitos tumultos que tiveram
como consequência a expulsão de vários membros da Sublime Ordem. Um exemplo
dessa situação pode ser constatado no ocorrido em 27 de dezembro do ano de 1766,
ocasião em que se realizavam as comemorações pertinentes a João, o Evangelista.
Naquela oportunidade, membros excluídos devido às intrigas internas, invadiram
o local onde se celebravam os trabalhos comemorativos, havendo, inclusive, necessidade
de intervenção policial para o restabelecimento da ordem. Graças a isso é que as
atividades maçônicas na França acabaram suspensas por tempo indeterminado,
durando essa interrupção até o ano de 1771.
Nesse contexto, os acontecimentos que se seguem à morte do Conde de
Clermont levam o Duque de Chartres, que era primo do rei, a ser efetivado
Grão-Mestre, contudo esse deixa a parte administrativa da Ordem por conta do
Duque de Luxemburgo (na verdade essa foi uma situação arquitetada para
readmissão de alguns membros expulsos pelas escaramuças internas). Assim,
muitos maçons excluídos acabaram por ser reintegrados aos quadros da Maçonaria.
Esses maçons reintegrados, juntamente com o Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente, Conselho esse que fora criado por Pirlet em 1758, formam uma comissão para estudar uma ampla e profunda reforma administrativa na Maçonaria francesa. Disso resultou que em 24 de dezembro de 1771 a Grande Loja da França é declarad
a extinta. Destaque-se que essa Grande Loja francesa ainda mantinha estreitas relações com a Primeira Grande Loja da Inglaterra, o que consignava uma forte influência dos Modernos ingleses de 1717.
Em 09 de março de 1772, essa mesma assembleia, pensando em se afastar
das influências da Grande Loja londrina, declarava então a criação de uma nova Obediência
que atendia pelo nome de Grande Loja Nacional da França. Em 22 de outubro desse
mesmo ano, a Obediência francesa reúne-se novamente em assembleia e declara que
seu título distintivo passaria doravante a ser denominado por Grande Oriente da
França, sendo assim criado o primeiro Grande Oriente do mundo. Nessa ocasião
fora então empossado como Sereníssimo Grão-Mestre do Grande Oriente da França,
Felipe de Orleans, o Duque de Chartres.
É então dentro desse quadro de acontecimentos que surge a Palavra Semestral.
Sua história remonta à instalação de Felipe de Orleans como Grão-Mestre do
Grande Oriente da França. O motivo da sua criação se deu pela necessidade de
impedir a presença de maçons ainda remanescentes das contendas e não filiados
ao Grande Oriente. Assim, essa criação da Palavra Semestral passava a limitar o
livre direito de trânsito entre as Lojas até então adotado.
Desse modo, em 03 julho de 1777, por Decreto do Grão-Mestre era então criada
pelo Grande Oriente da França a Palavra Semestral que seria então utilizada na
corrente latina da Maçonaria.
Ainda sobre a criação da Palavra Semestral, é oportuno mencionar a
súplica do Conselho da Ordem feita ao Grão-Mestre, o qual se deu, em tradução
livre, nos seguintes termos:
“Convencidos por uma longa experiência que os meios
empregados são insuficientes até hoje para afastar falsos maçons, acreditamos não
haver melhor forma do que pedir ao Grão-Mestre, que dê, de seis em seis meses,
uma palavra que não será comunicada, senão aos maçons regulares e mediante na
qual eles se farão reconhecer nas Lojas que visitarem”.
É essa a certidão de nascimento da Palavra Semestral.
Sob esse feitio é que até hoje a “palavra” tem sido renovada nas datas
solsticiais pelo Grão-Mestre e serve para comprovar a regularidade do maçom
quando em visita a outras Lojas. De modo prático, com a sua aplicação, o maçom
que desconhecer a palavra em vigência, ou pelo menos a vigorante no período
imediatamente anterior, revela a sua não frequência em Loja há pelo menos seis
meses, o que faz dele um membro irregular.
Sobre a Cadeia de União e a Palavra Semestral, conforme revela Jules
Boucher in A Simbólica Maçônica - Dervy-Livres, Paris, 1948, 1979 - primitivamente
a Palavra Semestral era composta por duas palavras. Para a sua transmissão formava-se
uma Cadeia de União, de modo que ambas as palavras, que começavam com a mesma
letra e eram sussurradas nos ouvidos, circulasse, uma pela esquerda e outra
pela direita até que elas voltassem àquele que as comunicou (o Venerável
Mestre) de modo justo e perfeito. Caso fosse constatado algum erro na sua volta,
o Venerável a fazia circular novamente.
É bastante provável que as “duas” palavras eram utilizadas como senha e contrassenha
respectivamente, ou seja, o visitante transmitia uma palavra ao Cobridor e dele
recebia a outra palavra, ficando evidenciada a regularidade de ambos – tanto do
visitante quanto da Loja visitada.
Com o passar dos anos, o costume de se utilizar duas palavras
acabaria por se transformar na utilização de apenas uma palavra, cuja
qual percorre, na forma de costume, respectivamente, pela direita e pela
esquerda da Cadeia.
Assim, por esse formato de comunicação entre o Venerável e os membros
regulares da sua Loja é que a Cadeia de União se faz presente nesse ato, não devendo,
portanto, sob o ponto de vista da originalidade, ser utilizada para nenhum outro
fim.
Nesse sentido, o verdadeiro REAA, rito de origem francesa, segue
rigorosamente essa tradição, formando a Cadeia de União somente após o encerramento
dos trabalhos e apenas para a transmissão da Palavra Semestral.
Se faz oportuno explicar que a Cadeia é constituída após o encerramento
dos trabalhos para que eventuais visitantes não mais estejam presentes
(evitando constrangimentos), destacando que a Palavra Semestral somente é
transmitida pelo Venerável aos obreiros da sua Loja (obviamente que cada
Venerável assim procede).
A despeito de que a Cadeia de União é artifício litúrgico utilizado
apenas para a transmissão da Palavra Semestral, vale a pena mencionar que existem
ritos que a ocupam para outras finalidades, contudo, reitero, esse não é o caso
do REAA.
A despeito do que menciona o seu Manual de Etiqueta & Protocolo Maçônico
mencionado na questão, me parece que ele é laudatório, pois enfatiza que “é
para a transmissão da Palavra Sagrada”. Ora, se para ele houvesse outra
finalidade, certamente que o texto seria assim direcionado, contudo isso não
acontece, pois ele simplesmente menciona que a Cadeia é para a
transmissão da Palavra Semestral. Creio que não precisa ser mais taxativo do
que isso. Me perdoe, mas buscar outro sentido nesse contexto é o mesmo que
procurar pelo em casca de ovo.
No tocante a “certos” autores e as suas “lindas liturgias” (sic), apenas
entendo que esses enveredaram para o caminho da imaginação, portanto, sem base
histórica. Nesse caso eu prefiro não comentar, até porque tenho aversão a
invencionices que surgiram, sobretudo, nas épocas em que aqui no Brasil a
cultura maçônica, ainda capenga e debilitada, habitava uma terra de ninguém.
Valendo-se disso alguns autores escreviam aquilo que lhes vinha à imaginação (em terra de cego quem tem um olho é rei) .
Atualmente os tempos são outros. Certas ideias mirabolantes não cabem mais no
contexto cultural e acadêmico da Maçonaria autêntica.
Por fim, observo que eu quis lhe dar alguns subsídios inerentes à
questão, lembrando que ritual em vigência não deve ser desrespeitado, mas, na
presença de elementos contraditórios, ele é também merecedor de uma ampla
discussão, no sentido de que possam os canais competentes da sua Obediência
corrigir as eventuais distorções e imperfeições.
T.F.A.
PEDRO JUK
http://pedro-juk.blogsot.com.br
SET/2020
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