domingo, 2 de julho de 2023

PRECE NA INICIAÇÃO E A RELIGIOSIDADE NA MAÇONARIA

Em 21.03.2023 o Irmão Giovani Nocchi, Loja Confraternidade Macabuense, 920, REAA, GOB-RJ, Oriente de Conceição de Macabu, Estado do Rio de Janeiro, faz a pergunta seguinte:

 

ORAÇÃO NA INICIAÇÃO

 

A minha dúvida é com relação a oração contida na página 111 do Ritual de Iniciação de Aprendiz. Aquilo já existia ali? Foi enxertado?

Se puder tecer alguns comentários a respeito fico grato, eu havia estranhado, porque a maçonaria respeita a questão da crença, mantendo de foro íntimo e também não realiza orações, inclusive, de forma categórica, o irmão já falou sobre “orações no átrio”, por isso minha estranheza, em ver uma oração estampada no ritual, achei curioso, pois o REAA era para ser um rito deísta e ficou a meio caminho. Procede?

 

CONSIDERAÇÕES.

 

                    Inicialmente devo salientar que isso na Maçonaria não se trata especificamente de uma pregação religiosa, até porque existem aspectos históricos relativos à Igreja e os construtores de catedrais da Idade Média, época em que o clero detinha o monopólio da arte de construir.

Com isso, Igreja Católica da época, resguardando seus próprios interesses em busca da sua expansão, era também a protetora das confrarias de artesãos que para ela trabalhavam nas construções de igrejas, abadias, mosteiros e catedrais.

À vista disso, nada a estranhar que as guildas de construtores medievais viessem então sofrer influência religiosa por parte da Igreja, sua “protetora”.

Não resta dúvida que essa ancestral influência chegaria mais tarte à Moderna Maçonaria que, mesmo não sendo uma religião, passaria a exteriorizar, através dos seus ritos especulativos, perspectivas teístas, deístas e até mesmo agnósticas.

Debaixo desse raciocínio, vale a pena esclarecer que teísmo menciona a doutrina que admite a existência de um deus pessoal, causa do mundo e em intercâmbio com a criatura humana; deísmo é um sistema que, rejeitando qualquer espécie de revelação divina, e autoridade de qualquer Igreja, aceita, todavia, a existência de um Deus, destituído de atributos morais e intelectuais e que pode ter atuado na criação do mundo por uma inteligência superior através da razão e do livre pensamento, sem um intercâmbio com a criatura humana; agnosticismo se refere ao crédito de que a capacidade humana é incapaz de investigar a existência ou não de divindades, já que esse entendimento está muito além da compreensão humana por transcenderem à realidade e a lógica. Entenda-se que agnosticismo não é o mesmo que ateísmo.

Assim, de modo genérico, sob essa conjuntura existem duas vertentes principais de Maçonaria, a anglo-saxônica e a latina.

Nesse contexto, a vertente anglo-saxônica é de viés teísta, enquanto que a latina (francesa) de viés deísta, ainda que um dos seus principais ritos, o REAA, seja um misto de teísmo e deísmo, sem esquecer também do Rito Francês, ou Moderno que é um rito agnóstico, ou seja, que se declara incapaz perscrutar a divindade.

A Moderna Maçonaria, com seus ritos construídos a partir do século XVIII elegeu, de modo conciliatório, a crença em um Ente Supremo que ela trata por Grande Arquiteto do Universo.

Sob essa óptica, a Maçonaria respeita todas as religiões, portanto as preces que aparecem nos seus rituais e ritos possuem o desiderato de respeitar a crença de cada um, desse modo, isso não se caracteriza como um dogma ou pregação individual, mas algo que de modo amplo respeite a crença de cada maçom - no contexto religioso da Ordem Maçônica isso basta.

Assim, essa religiosidade é natural e ela se limita a enaltecer a fé de cada um, sem eleger uma determinada religião. É sob esse ponto de vista que o maçom deve entender essas mensagens e não usar a Maçonaria para praticar atos religiosos pertinentes à sua religião.

Graças a essas circunstâncias que eu tenho combatido os proselitismos religiosos hauridos de crenças individuais. Ora, como dito, de modo conciliatório os rituais são precisos em não individualizar conceitos religiosos, senão a crença em um Princípio Criador.

Mais especificamente sobre a prece ao candidato na Iniciação, esse costume é oriundo do período operativo, ou do ofício, quando o candidato era feito maçom. Não existiam templos maçônicos e nem ambientes decorados. Simplesmente o candidato era recebido no canteiro do ofício pelo 2º Warden que lhe passava as primeiras instruções e depois o conduzia até o 1º Warden para que este fizesse em favor do candidato uma prece (influência religiosa). Concluída a oração, o candidato era logo encaminhado ao Mestre da Loja (um Companheiro experimentado) para que, diante do Evangelho de São João, o recipiendário prestasse a sua obrigação, oportunidade em que recebia o avental e luvas profissionais. Ato seguido o neófito era levado novamente até o 2º Warden,  que concluía os primeiros ensinamentos levando depois o novo Aprendiz Admitido, munido das ferramentas, ao exercício dos primeiros trabalhos na pedra calcária. Um clérigo enviado pela Igreja registrava por escrito todos os acontecimentos. Naquela época não existiam graus especulativos, mas duas classes de trabalhadores, a dos Aprendizes Admitidos e a dos Companheiros do Ofício. O Mestre da Obra, ou da Loja, era um Companheiro experimentado. Os Wardens, mais tarde ficariam conhecidos como os Vigilantes da Loja, enquanto que o clérigo, apontador, se tornaria o Secretário da Loja. Por sua vez, o Mestre da Obra viraria o Venerável Mestre. As preces e orações eram influências da Igreja, então protetora dos pedreiros medievais.

De modo genérico era assim que ocorria a admissão de um novo membro nas Guildas Medievais de Construtores.

 

 

T.F.A.

 

PEDRO JUK

http://pedro-juk.blogspot.com.br

jukirm@hotmail.com

 

JUL/2023

 

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