terça-feira, 17 de setembro de 2024

RECEBIAM OS SALÁRIOS NA CÂMARA DO MEIO

Em 28/12/2023 o Respeitável Irmão Carlos Santos Jr., Loja Luz, Verdade e Justiça, 23, GLEB (CMSB), Oriente de Xique-Xique, Estado da Bahia, apresenta a questão seguinte:

 

SALÁRIO NA CÂMARA DO MEIO

 

Tenho uma dúvida quanto ao recebimento do Salário do Companheiro na Câm do M, no ritual do REAA 2017 da GLEB, em sua Primeira Instrução diz, "Os Aprendizes recebiam, semanalmente, uma ração de trigo, vinho e azeite, os Companheiros eram pagos em dinheiro, que recebiam na Câm do M do Templo. Para aí entravam através de um pórtico, do lado Sul. Ao passarem por esse pórtico, sua atenção era particularmente despertada por duas grandes colunas: a da esquerda denominada B significava "Força" e a da direita, chamava J, exprime "Apoio" ...

Se esse entrava através de um pórtico, do lado Sul, e sua atenção era despertada por duas
grandes colunas, B e J, como essas colunas estão no Sul se elas estão situadas na entrada do Templo no Ocidente?

Pois logo à frente da instrução o Venerável pergunta ao 1º Vig onde foram colocadas essas Colunas, e o 1º Vig responde que foram colocadas na entrada do Templo como recordação aos filhos de Israel?

 

CONSIDERAÇÕES.

 

Antes de mais nada, vale ressaltar que esta instrução, oriunda do CRAFT (Maçonaria Anglo-saxônica) não se coaduna, em toda a sua totalidade, com a essência doutrinária do REAA, que é um rito nascido na França, portanto, latino.

Neste particular, é bom que se diga que embora o objetivo de construção social da Moderna Maçonaria seja o mesmo, independente dos ritos maçônicos praticados, as suas estruturas ritualísticas e sistemas doutrinários se diferenciam uns dos outros em muitos aspectos. Há ritos teístas, deístas, deístas/teístas e agnósticos; há ritos operativos e há ritos solares. No caso do REAA, por circunstâncias históricas, ele é um rito solar, deísta, mas com atuação teísta em muitos pontos da sua liturgia, ou seja, é um rito de origem francesa com influências anglo-saxônicas.

                  Assim, para que se possa compreender as estruturas e alegorias ritualísticas dos ritos maçônicos é imperativo que o maçom compreenda que nem tudo é universalmente igual na liturgia e ritualística maçônica. As construções doutrinárias dos ritos estão relacionadas, muitas vezes, à aspectos regionais, culturais, político-sociais e até mesmo religiosos.

O problema de tudo isso é que com o decorrer dos tempos, muitos ritualistas desatentos, e mesmo desconhecedores da história, acabariam construindo alguns rituais
juntando, aleatoriamente, práticas de outros ritos e trabalhos.

Obviamente que muitas praticas ritualísticas às vezes sejam comuns entre ritos, todavia, para que isso aconteça é preciso existir coerência entre elas, fato pelo qual muitas vezes são necessários ajustes e adaptações. É o caso, por exemplo, da instrução mencionada na sua questão, que é uma passagem do Rito de York, mas serve para o REAA, desde que seja ajustada à sua realidade doutrinária. Portanto, para que ela possa servir também ao escocesismo são necessários ajustes para aquilo que seja oriundo de um rito operativo incluído em um rito solar. A não observação deste detalhe faz com que apareçam contradições, dúvidas e incompreensões.

No caso desta instrução – que envolve a alegoria do Templo e o teatro alegórico da lenda hirâmica – sob a óptica da Maçonaria Anglo-saxônica havia também uma porta na banda Sul do Templo por onde se subia, através de uma Esc Sin, à Câm do M.

Como essas práticas têm relação muito próxima com a lenda do 3º Grau, vale lembrar que o grau especulativo de Mestre Maçom é bastante recente na história da Moderna Maçonaria, sendo oficializado apenas na segunda constituição Inglesa, a de 1738. Isto quer dizer que a lenda não é uma afirmativa histórica, porém é um artifício velado de explicar a ascensão do Iniciado à Câm do M.

Assim, vale lembrar que na Maçonaria primitiva somente existiam duas classes, a de Aprendiz Admitido e a do Companheiro do Ofício. Foi este último que forneceu boa parte da sua liturgia para a construção do Grau de Mestre Maçom. Em síntese, a maior parte da estrutura doutrinaria do 3º Grau foi retirada do 2º Grau.

Isto pode explicar na narrativa o porquê de que antigamente eram apenas os
Companheiros que subiam pela Esc
Sin até a C do M para receberem os seus salários. Obviamente que eram eles porque ainda não existia o 3º Grau, e o Mestre era apenas um título dado ao dirigente da Loja, ou da Obra - um Companheiro Maçom experiente escolhido entre os demais operários.

Com o advento do grau de Mestre Maçom especulativo (iniciático), a Câmara do Meio passou a ser simbolicamente o lugar onde os Mestres recebem os seus salários e a Esc Sin que dá acesso à Câmara do Meio é uma Escada em Caracol constituída por três, cinco e sete degraus. Esta alteração na liturgia iniciática fez com que o Companheiro não mais passasse pelo Pórtico e nem mais ingressasse na Câm do M.

Graças a esses detalhes é que ainda são encontradas em muitas instruções e salas de Lojas que abrigam os trabalhos ingleses (workings), as duas Colunas (B e J) próximas do 2º Vigilante ao Sul para servirem de passagem à Câm do M que ficava no pavimento superior do Templo. Observe-se que isto não ocorre, sob nenhuma hipótese, nos rituais puros do REAA, onde impreterivelmente as duas Colunas são vestibulares, solsticiais e ficam no átrio ladeando externamente a porta do Templo.

A título de ilustração, este é um bom exemplo de aspectos litúrgicos que podem ser iguais ou diferentes entre os ritos maçônicos. Iguais, porque no caso das Colunas Gêmeas todos os ritos as possuem na decoração das suas Lojas; diferentes, porque conforme o rito elas conjuntamente podem se localizar em lugares diferentes na Loja.

Envolvendo a Esc em Carac, o Pórtico e as CCol Gêmeas, no contexto lendário atual inglês (York, por exemplo) o Companheiro sobe a Esc em Carac no intuito de ingressar na Câm do M, porém no Pórtico ele é obstado pelo 2º Vigilante que só o permite passar mediante a Pal de Pas. Isto significa que o iniciado no 2º Grau deve ter sido devidamente instruído para dar Pal na forma exigida (vide em Juízes, Jefté e a guerra contra os amonitas e moabitas). Significa que para ingressar na Câm do M se faz necessário que o Iniciado tenha antes percorrido o caminho dificultoso representado pela sinuosidade da Esc que se eleva por tr, MinC e set ddegr. E assim segue esta extraordinária alegoria iniciática que habilita o detentor do 2º Grau “passar” pelo exame do Vigilante para conhecer a Árvore da Vida (A A M É C).

Esta é a explicação para essa alegoria no contexto inglês (anglo-saxônico). Já no contexto do REAA, não menos bela, a alegoria é mesclada pelo deísmo francês e se desenvolve de outra forma.

Embora equivalente no seu objetivo, na vertente latina de Maçonaria, para alcançar a exaltação e ser conduzido à Câm do M para conhecer a Árvore da Vida, o Iniciado é antes levado à representar a morte de H A, o que se dá depois dele ter percorrido todo um caminho iniciático haurido dos cultos solares da antiguidade, nos quais são representadas a vida e a morte da Natureza – A Terra fica viúva do Sol uma vez por ano, no inverno. Neste teatro iniciático em que há uma constante renovação da Natureza, H A é a mistificação do Sol

No Templo do REAA esse caminho por onde percorre o iniciado é visível e palpável pela distribuição das doze Colunas Zodiacais, as quais correspondem, em grupos de três em três, as quatro estações do ano a partir na primavera no hemisfério Norte. Assim, os ciclos da Natureza representam as etapas da vida do iniciado – infância, juventude, maturidade e morte. Deste modo, purificado pelos elementos, o iniciado renasce na Luz tal como ocorre com a Natureza.

Sob esta óptica o iniciado só ingressa no Oriente (o lugar da Luz) depois de ter percorrido o seu caminho iniciático. Cabe observar que na concepção anglo-saxônica de Maçonaria o Iniciado sobre a Esc Sin por três, cinco e sete degraus. Com o mesmo objetivo, mas de concepção diferenciada, na forma latina de Maçonaria o Iniciado percorre uma jornada dividida em ciclos tal qual concebe a Natureza e as estações do ano.

Finalizando, seja qual for a vertente maçônica, anglo-saxônica ou latina, o objetivo a ser alcançado será sempre o mesmo, não obstante as estruturas diferenciadas que podem acontecer. Isto talvez explique o porquê de existirem alguns paradoxos, geralmente pela desatenção de não se observar as particularidades dos ritos e sistemas maçônicos. O objetivo é o mesmo, mas os métodos de ensino não. As duas grandes CCol podem aparecer na Maçonaria Anglo-saxônica (CRAFT), conforme o working, junto à porta de entrada, ou ao Sul próximo do Segundo Vigilante, ou até mesmo no centro, junto ao tapete quadriculado. Já na vertente latina (francesa) elas sempre estarão localizadas ladeando a porta de entrada. Conforme o rito, podem aparecer pelo lado de fora (no átrio) ou interior, no extremo do Ocidente.

 

T.F.A.

 

PEDRO JUK

jukirm@hotmail.com

http://pedro-juk.blogspot.com.br

 

 

SET/2024

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