sexta-feira, 3 de julho de 2020

DO NÍVEL À PERPENDICULAR - OS INSTRUTORES DOS APRENDIZES E COMPANHEIROS - REAA


Em 20.02.2019 o Respeitável Irmão Francisco Kennedy C. de Souza, Loja Estrela da Fronteira, 2.024, REAA, GOB-MS, Oriente de Mundo Novo, Estado do Mato Grosso do Sul, apresente a seguinte questão.

DO NÍVEL À PERPENDICULAR


Estimado Ir Pedro Juk, novamente recorro aos teus conhecimentos para esclarecer uma dúvida. No início pág. 93 do ritual do REAA, grau de Comp lê-se que o Aprendiz ao ser elevado, vai do Nível à Perpendicular (prumo), assim sendo não consigo compreender essa parte, pois se o 2º Vigilante porta a joia do prumo (perpendicular) e o Companheiro passou a esse instrumento, não seria o 2ºVig que deveria ser o responsável pelas suas instruções?
Por favor, me diga se o equívoco está no texto, naquele que é o indicado para ser o responsável pelo Comp ou se é minha interpretação?

CONSIDERAÇÕES.

Uma coisa nada tem a ver com a outra. Já expliquei bastante isso. Na questão dos Instrutores dos Aprendizes e dos Companheiros no REAA leva-se em conta a hierarquia das Luzes e o seu contexto histórico.
Segue assim um breve resumo sobre esse fato: como somos herdeiros espirituais dos canteiros (cortadores da pedra calcária) medievais, época em que somente existia a Maçonaria Operativa, ou de Ofício, era o 2º Warden (diretor, zelador) o responsável por receber um Aprendiz do Ofício e instruí-lo nas regras do trabalho. Nos canteiros de obras medievais os Vigilantes ocupavam pequenas vivendas (abrigos). O 1º se colocava no Ocidente e o 2º ao Meio-Dia, ou Sul da imensa oficina de trabalho que era, nada mais do que o canteiro de obras de uma grande edificação (catedral, igreja, abadia, etc.).
Cabe então entender que no período operativo da Maçonaria não existiam Lojas especulativas, porém guildas de construtores protegidos pela Igreja-Estado, cujas corporações de artesãos (pedreiros) atuavam na profissão dentro do canteiro. Destaque-se que as atuais Lojas especulativas são simbolicamente modelos estilizados de um canteiro de obras onde operavam aquelas corporações de ofício. É daí que atualmente também se conhecem as nossas Lojas Simbólicas como Oficinas.
Com a queda do Ofício e a chegada da Maçonaria dos aceitos, ou especulativos, os ritos então criados, principalmente a partir do século XVIII, respeitando muitas tradições extraídas das old charges e dos puros landmarks, construíram as suas liturgias.
Uma dessas práticas foi a de posicionar a classe dos Aprendizes ao Norte e a dos Companheiros ao Sul – isso para os ritos natos no hemisfério Norte.
Alguns ritos, como é o caso do REAA, especulativamente instituíram o caminho iniciático (escalada) pelo topo das Colunas do Norte e do Sul (paredes norte e sul do Templo onde se colocam as Colunas Zodiacais). Com isso os Aprendizes passaram a ocupar a banda setentrional (boreal) da Coluna do Norte e os Companheiros a meridional (austral) da Coluna do Sul.
Buscando preservar a herança cultural adquirida dos maçons operativos, mesmo estando os Aprendizes posicionados ao Norte, quem os instrui é o 2º Vigilante. Desse mesmo modo, mas de maneira inversa, isso acontece também com os Companheiros que, posicionados ao Sul, são instruídos pelo 1º Vigilante. Entenda-se então que instrução nada tem a ver com o lugar onde sentam os Aprendizes, os Companheiros e os Vigilantes, e nem mesmo com o lugar em que se localizam as pedras, Bruta e Cúbica. A questão aqui é apenas de hierarquia. O instrutor não carece ser nativo da mesma Coluna que os instruídos.
Na verdade, pelas entrelinhas o ritual segue essas tradições, lembrando ainda que os Vigilantes, que eram os antigos Wardens, são auxiliares do Mestre da Obra (atual Venerável Mestre) e não os "donos" das Colunas. Eles, os Vigilantes, as dirigem em auxílio ao Venerável, porém seguem as regras que o Rito dita através do seu ritual.
Cabe ainda salientar que na Moderna Maçonaria, além dos Vigilantes, outros Mestres, independente do lugar que ocupem em Loja, também podem agregar mais ensinamentos ministrando instruções. Obviamente, desde que devidamente autorizados ou mesmo escalados para essa missão. Em linhas gerais, instruções em Loja não são exclusividade dos Vigilantes
Uma prova que não é uma questão de lugar na Loja, veja, por exemplo, as práticas dos trabalhos ingleses do Craft, por aqui muito conhecidas como Rito de York. Nele a Pedra Bruta fica com o Segundo Vigilante ao Sul enquanto que os Aprendizes ficam ao Norte (mais propriamente à nordeste). Assim, nota-se que nesse caso não é preciso existir coincidência de lados, regiões, bandas e lugares na sala da Loja.
Cabe mencionar que não há nenhuma regra obrigando que o Vigilante, como instrutor, ocupe a mesma Coluna (ou região da Loja) do instruído. Isso é ideia ultrapassada e não condiz com a pureza das tradições, usos e costumes.
No que diz respeito à questão de o Companheiro passar "para" a perpendicular ao Nível é de viés iniciático, pois o Aprendiz, agora elevado, terá a missão de simbolicamente erguer as paredes à Prumo.
Quanto às respectivas joias dos Vigilantes, essas também se relacionam com as antigas características operativas, pois eram eles que, como principais homens de confiança do Mestre da Obra, nivelavam (1º Vigilante) e aprumavam (2º Vigilante) os "cantos" da construção para que os trabalhos se realizassem "justos e perfeitos". Da mesma maneira, ao final da jornada de trabalho, quando do encerramento, conferissem a aprumada e o nivelamento daquilo que fora executado. Se "justos e perfeitos" os operários eram então pagos e despedidos contentes e satisfeitos. Observe que o andamento ritualístico de abertura e de encerramento previsto no ritual seguem essas regras. Na Moderna Maçonaria as velhas aprumadas e nivelamentos especulativamente foram substituídas por um a palavra que, para estar "justa e perfeita", deve antes ser transmitida de acordo com as exigências do ofício.
Concluído, concernente à sua questão, nesse caso não há nenhum equívoco no ritual. O mote é o de compreender aquilo que é preservado por tradição e aquilo que possui significado iniciático. Ambas se fundem como produto da Arte Real.


P. S. – O Ritual de Aprendiz do REAA e o Sistema de Orientação Ritualística do GOB RITUALÍSTICA também trazem mais colocações sobre quem são os instrutores oficiais dos Aprendizes e dos Companheiros do REAA.


T.F.A.

PEDRO JUK


JULHO/2020

3 comentários:

  1. Respeitável irmão Pedro Juk, talvez ofuscado pela falta de informação, me permita por favor o risco de uma réplica.
    Em todos os rituais do século XIX a que tive acesso, notadamente do GOB, ao final da iniciação o VM ordena ao MCCer que conduza o neófito ao topo da coluna do SUL. E no ritual de elevação, no qual consta a frase "um aprendiz que deseja passar da perpendicular ao nível", o VM questiona o segundo vigilante a respeito da condição do candidato, perguntando "Ir. 2 Vig., que regeis a coluna dos aprendizes, dizei-me se o Ir. que deseja passar da perpendicular ao nível, preencheu seu tempo..."
    Posto isso, e considerando que a joia do 2 Vig. sempre foi o nível (perpendicular) e do 1 Vig. sempre foi o nível. Me parece bastante claro que passar da perpendicular ao nivel refere-se exatamente ao ato em si, ou seja a elevação ao grau de companheiro.
    A frase "passar da perpendicular ao nível" perde o sentido e passa a gerar confusão porque na atualidade as lojas do REAA posicionam aprendizes e companheiros nas colunas invertidas.
    Faz algum sentido minha ponderarão?

    TFA

    Pierre Rodrigues (Phoenix 55 - GOSC)

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    1. O problema está nesse ritual anacrônico. Não se pode dar mais valor ao molho do que à carne. Me baseio sempre na originalidade do rito que, no caso nasceu no hemisfério norte onde, no respectivo topo (parede norte) sentam os Aprendizes, enquanto que no Sul, em seu respectivo topo (parede Sul) sentam os Companheiros. Então, é inadmissível iniciáticamente que os Companheiros ocupem o Norte e os Aprendizes o Sul. O correto, no REAA, é exatamente ao contrário. Vale mencionar que o GOB no passado indevidamente invertia os Aprendizes e os Companheiros porque no Rito Moderno as Colunas Solsticiais são invertidas em relação ao REAA. No Rito Moderno e Adonhiramita, primeiros ritos praticados no Brasil, as Colunas são invertidas, contudo, os Aprendizes sentam no Norte e os Companheiros no Sul. O rituais equivocados do GOB copiavam as Colunas invertidas e ainda por cima invertiam os Aprendizes e os Companheiros. Não dá para se basear nesses rituais anacrônicos. REAA teve seu primeiro ritual na França, em 1804 e ele é baseado nos antigos de 1751 cujos Aprendizes e Companheiros ocupam o Norte e o Sul respectivamente. Também o 1º Vigilante no extremo do Ocidente e o Segundo ao Meio Dia. No REAA a joia do 1º Vigilante sempre foi o Nível e do Segundo a perpendicular, ou o Prumo (este pende perpendicularmente ao Nível). Por isso é que o Aprendiz passa para a perpendicular, ou seja, passa para o prumo que é perpendicular ao nível. Sugiro que não faça desses rituais antigos do GOB uma fonte de pesquisa fidedigna, pois há outros aspectos a ser considerados e não simplesmente porque trazem algo errado escrito. Não façamos do equívoco uma referência. No Brasil, originariamente o único rito que inverte os Aprendizes e os Companheiros é o Rito Brasileiro, simplesmente porque esse rito nasceu no Hemisfério Sul. T.F.A.

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    2. Meu irmão, agradeço muito sua atenção.
      Tenho a mesma linha de entendmento e pesquisa. Reconheço que o berço dos primeiros 3 graus do rito situa-se na França de 1804, hemisfério norte, e que tem raizes nos "antigos" de 1751, do qual se tem a exposure TDK. Reconheço também que do ponto de vista iniciático e/ou esotérico, considerando o caminho de evolução rumo à iluminação, posicionar os aprendizes ao sul é um contrasenso. Mas percebo e tomo o primeiro ritual impresso pelo GOB em 1834 como uma tradução literal do primeiro ritual francês de 1804. Não recoheço no ritual de 1834 nenhuma adaptação ou mudança em relação ao francês de 1804. Nos trechos que antes citei, o ritual francês contém, na iniciação, "Prenez place à la tête de la colonne du sud; elle est celle que vous occuperez dans ce grade." e na elevação "Frère second surv. qui commandez la col. des app., celui qui demande à passer de la perpendiculaire au niveau a-t-il fait son temps, et les frères de sa col. sont-il contens de lui?". Resta claro que neste ritual inaugural do grau de aprendiz no REAA, o lugar de assento dos aprendizes era a coluna do sul. Infelizmente, o TDK não nos traz detalhes suficientes para agregar luz ao tema.
      Enfim, as informações que dispopnho me fazem crer que, mesmo sendo um contracenso em relação ao que se aceita como lógica do caminho iniciático, os primeiros rituais do REAA, tanto em França quanto aqui no Brasil, posicionavam os aprendizes no sul. O ritual inaugural da Grande Loja (1928), notadamente influenciado pelos escritos de Albert Pike (vide The Poch and the Middle Chamber - 1872) trouxe a mudança de posicionamento de aprendizes e companheiros (e muitas outras...).
      Mais uma vez agradeço a preciosa contribuição do irmão.

      TFA

      Pierre

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