quarta-feira, 20 de setembro de 2017

CABALÁ E A ÁRVORE DA VIDA NA MAÇONARIA

Em 02/07/2017 o Respeitável Irmão Tristão Antônio Borborema, atual Primeiro Vigilante da Loja Obreiros de Abatiá, REAA, Grande Oriente do Paraná, COMAB, Oriente de Abatiá, Estado do Paraná, solicita considerações:

CABALÁ E ÁRVORE DA VIDA NA MAÇONARIA.


Valendo de sua sapiência, indago ao irmão: qual a relação entre cabala, árvore de vida e maçonaria, notadamente acerca da posição topográfica dos cargos no Templo Maçônico e, sobretudo, influência nas instruções e filosofia?

CONSIDERAÇÕES:

Cabalá significa em hebraico “tradição”. Ela é a mística numeral hebraica, sobre a qual existe imensa literatura a ela consagrada desde a Idade Média.
No que diz respeito à Cabalá e a Moderna Maçonaria, muitos se inspiraram nela interpretando-a e coligando-a, em tese, como símbolos maçônicos compostos por “números sagrados cabalísticos”. Especulativamente deram a eles propriedades intrínsecas de entidades abstratas.
Obviamente essas são teses de ocultistas, a exemplo de Osvald Wirth que consagrou muitos dos seus escritos à gnose numeral e a relacionou indiscriminadamente à Maçonaria. Não é preciso dizer que essa concepção particular, além do que está previsto no judaísmo, jamais foi apresentada pela Maçonaria autêntica. Na verdade a numerologia é modelo de teóricos que tentam integrá-la ao simbolismo maçônico em nome das ideias individualistas.
Embora sejam inegáveis influências do pensamento humano sobre a Moderna Maçonaria, a exemplo do misticismo religioso hebraico, isso não nos autoriza imaginar que esses costumes sejam propriedade da Ordem Maçônica e muito menos imaginá-las como ícones de ancestralidade maçônica.
Na realidade uma visão assim distorcida serviria apenas para subverter a ordem dos elementos que constroem a história autêntica.
Dentre tantas manifestações e culturas que influenciaram a construção da doutrina maçônica, tal como o hermetismo, o pitagorismo, os mistérios órficos, o rosacrucianismo, a alquimia, etc., a influência místico-religiosa da cultura hebraica se constitui talvez no elemento mais importante na formação das alegorias e simbologia de muitos ritos que constituem a Maçonaria, a exemplo do Tabernáculo e posteriormente do Templo de Jerusalém.
Uma explicação sintética sobre a Cabalá:
Essência do misticismo hebraico é uma das interpretações esotéricas da Torá (cinco primeiros livros bíblicos), ou o Pentateuco. Embora tenha sofrido inúmeras influências de outras culturas na Idade Média, a Cabala hebraica, ainda assim conservou a sua primitiva originalidade e profundidade espiritual como característica do judaísmo.
Composta por temas específicos, suas fontes de pensamento se compreendem pelo Apocalipse – juízo final e o fim dos tempos; pela Visão da Merkabá – o trono de Deus, conforme Ezequiel, cap. 1; pela Halaká – alicerce dos princípios religiosos e comentários legislativos sobre as partes jurídicas da Torá e pela a Hagadá, cujo significado é “lenda” e alimentou extensamente a fonte mística cabalística.
Os dois principais textos cabalísticos do judaísmo são: o Sepher Yetsira (Livro da Criação) e o Sepher há Zóar (Livro do Esplendor).
O Livro da Criação revela, sob o ponto de vista místico, uma compreensão filosófica da formação do universo considerando que os elementos formadores do mundo são subordinados aos dez números fundamentais (sephirot = número em hebraico) e às vinte e duas letras do alfabeto hebraico, cujas quais envolvem forças cósmicas inatingíveis em combinações que podem variar pela influência da criação.
O Livro do Esplendor, tido como obra canônica máxima do judaísmo, possui função objetiva de fazer a descrição da vida interior de Deus, além de traçar o caminho do ser humano que o leva à união com a divindade. Conforme o Zóar a alma humana se compõe em alma vegetativa (néfeque), alma intelectual (rouá) e sopro, ou alma espiritual (nechamá), cujas quais correspondem aos três graus da alma em suas relações com o mundo superior e inferior.
Relação da Cabala com a Moderna Maçonaria:
Sob o ponto de vista especulativo, onde muitos graus maçônicos são influenciados pelo misticismo da Cabalá, inquestionavelmente deles o mais cabalístico é o de Companheiro onde interessa a dualidade do Ser e do Não-Ser encontrado no Yetsira (Livro da Criação) e a tríplice composição da alma humana conforme expressa o Zóar (Livro do Esplendor) – vide as obras dirigidas à Maçonaria como Shemá Israel e Herança Hebraica na Maçonaria de autoria de José Castellani.
Na relação do misticismo cabalístico está a metafísica do Tabernáculo que na realidade é o precursor do Templo de Jerusalém erigido pelo Rei Salomão, cujo qual seria adotado pela Maçonaria como uma das suas maiores alegorias, dando-lhe sustentáculo à toda disciplina moral, ética e sociológica condensada na Lenda Hirâmica.
O Tabernáculo, base elementar para o estudo da Cabalá (tradição), era um templo portátil que ia armado no deserto nos tempos em que os hebreus se deslocavam do Egito para a Palestina (Êxodo – segundo livro da Torá).
Em uma praça de 100 por 50 côvados cercados por sessenta postes, nos quais se prendia uma grande cortina com abertura na parte oriental, no seu lado oposto ia montado o Tabernáculo, ou tenda (suká em hebraico), tendo ele na sua entrada uma bacia de bronze com água para as abluções, enquanto que no meio do recinto ficava a mesa dos holocaustos.
O Tabernáculo em si era composto por quatro tendas sobrepostas e tinha duas divisões internas: a primeira, denominado Santo (Kodesh, em hebraico) continha a mesa dos perfumes, a mesa dos pães da proposição e o candelabro de sete braços (Menorá, em hebraico); a segunda, o Santo dos Santos (Kodesh há Kodashin) contendo a Arca da Aliança que guardava as Tábuas da Lei, a Urna do Maná e a Vara florida de Aarão.
Na metafísica do Tabernáculo aplicada ao Cosmos, às três divisões (Santo e Santo dos Santos) representam as três divisões do Universo: céu, terra e mar. Os quatro tecidos usados na confecção das quatro tendas sobrepostas, simbolizam cada uma os quatro Elementos da Antiguidade: ar, água, terra e fogo. O candelabro de sete braços representa os sete planetas da Antiguidade e a luz dos astros oriundas do Sul; a mesa dos pães da proposição simboliza as benesses dos ventos setentrionais que trazem as chuvas vivificando as plantações.
Ainda somam-se a esse ponto de vista metafísico, as vestes do sumo sacerdote (Cohen gadol = sumo sacerdote em hebraico) na qual sua sobrepeliz era de matiz azul e dourado, guarnecido com flores, romãs e campainhas de ouro; havia também doze pedras preciosas; nos ombros iam duas esmeraldas; uma mitra, na qual iam gravadas as quatro letras Iôd, Hé, Vav, Hé, o nome inefável de Deus.
A cor azul da sobrepeliz representa o ar; as romãs, a água; as flores, a terra; as campainhas, a harmonização entre a terra e a água (onde vivifica a Natureza); as doze pedras representam os doze signos zodiacais e as doze tribos de Israel; as duas esmeraldas denotam as duas grandes luminárias – o Sol e a Lua, o dia e a noite e os dois hemisférios da Terra; a mitra representa Deus, o macrocosmo, sem o qual o microcosmo, representado por todos os seres vivos, não poderia existir.
Assim, o Tabernáculo, ancestral do Templo de Jerusalém, traduziu a interpretação cabalística associando o Templo à construção do mundo e, por extensão do homem.
A Cabalá, embora bastante antiga e de uma época em que os essênios e os filisteus a transmitiam oralmente, somente se consolidaria já da Idade média, mais precisamente na época talmúdica nos séculos IV e V, período da concretização do Talmude. A sua doutrina mística busca analisar o homem, objeto da criação, em sua relação suprema com Deus, estudando o Cosmos sob dois aspectos principais: na História da Criação e na História do Carro, ou Trono de Deus.
Foi por esse entendimento que alguns ritos maçônicos formataram o misticismo do Templo Interior do Homem admitindo-o à correlata construção e dedicação do Templo de Jerusalém a Deus, o que em primeira análise, exprime a ideia de o homem servir como morada do divino.
De todo o contexto cabalístico o que mais se associa à doutrina maçônica, sem dúvida é o Livro do Esplendor (Sepher ha Zóar) cujo texto teria surgido na Espanha em 1275.
Na realidade essa obra tem o caráter de descrever a vida interior de Deus, ao mesmo tempo em que traça o caminho do ser humano em direção à união mística com a divindade. Em síntese o Sepher ha Zóar apresenta o incognoscível do Criador (En Soph) nas relações com o universo e com o homem e, para tal, utiliza-se das dez sephirot (números), cujas quais se integram aos dez atributos fundamentais da vida divina segundo a Cabalá.
Essa doutrina divulga sistematicamente a existência de dois mundos relacionados à divindade: um deles relacionado com o En Soph que é totalmente inacessível à mente humana, enquanto que o outro - visto sob a óptica dos dez atributos - se encontra abaixo do primeiro e é assim acessível à mente humana permitindo o conhecimento de Deus.
Na realidade esses dois mundos se agregam num só e dão ao mundo inferior, mesmo que de modo periférico, a percepção da existência de atividade no incognoscível.
Essa celeridade permitida do En Soph que é percebida pela mente humana se manifesta através das sephirot, cujo método potencial permitiu aos cabalistas, segundo essa doutrina, a fazer uso do antropomorfismo para esclarecer muitos dos símbolos da Torá. Em tese as sephirot se transportam para a efígie antropomórfica.
Segundo a Torá, no Livro de Gênesis, o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, o que lhe permite possuir o sopro da divindade como um traço do Criador na criatura. Mesmo que o homem terrestre seja possuidor de muita materialidade e careça de um aperfeiçoamento futuro.
Assim, esse homem que no futuro estará aperfeiçoado, será o Messias, o Ungido, ou o correspondente ao Adam Kadmon que é reflexo da alta espiritualidade. É a marca da alma no Zóar (esplendor).
Por esse ponto de vista, o microcosmo, que é o organismo humano, sendo cópia do macrocosmo (de Deus), pode ter uma precisa representação se construída pela organização das dez sephirot. Embora Deus não possa ser representado sob nenhuma forma, Ele é, entretanto simbolizado pelo Adam Kadmon.
Assim, no Zóar essa construção antropomórfica incorpora vários nomes às sephirot contextualizando uma figura humana que representa a alta espiritualidade (Adam Kadmon).
Conforme essa organização contextual as sephirot assim se organizam: Kéter (coroa), Hokmá (sabedoria), Biná (inteligência), Hessed (graça), Tiferet (beleza), Din (justiça), Netsa (vitória), Iesod (fundamento), Had (majestade), Malkut (reino).
Nessa ordem sequencial as nove primeiras sephirot formam três tríades, sendo a primeira àquela que forma o Mundo da Inteligência (Olan ha Muscal); a segunda, o Mundo do Sentimento (Olan ha Murgake); a terceira o Mundo da Natureza (Olan ha Mutba’a).
A décima sephirá (singular de sephirot) que é o Reino encerra as qualidades das demais sephirot e as transmite à criatura humana.
É por intermédio da alta espiritualidade do Adam Kadmon que, segundo a Cabalá, em uma união mística ocorre à absoluta correspondência entre Deus e o homem.
Sob o aspecto cabalístico o mundo surge na Cabalá como uma verdadeira cosmogonia onde a essência do homem reside na alma que aparece nessa tríplice forma, ou alma vegetativa, alma intelectual e alma espiritual (Néfeque, Rouá e Nechamá).
A Cabalá é uma doutrina especialmente de difícil compreensão e relegada a poucos sábios pertencentes ao judaísmo que verdadeiramente a compreendem. Não há como confundi-la com ilações exaradas por charlatães que a evocam como ciência de adivinhação e construção de destinos apropriados àqueles que se alimentam de superstições.
Na Maçonaria ela ingressou na Europa do século XVIII quando da profusão dos ritos onde diversas manifestações do pensamento humano passaram a integrar o corolário especulativo da Ordem.
O REAA\ por exemplo, longe de crendices e adivinhações, segue de perto a Cabalá em muitos dos seus conceitos doutrinários, mas metodologicamente na busca incessante da Verdade e da Sabedoria e sem o desiderato de transformar a Loja em palco para pregações particulares.
 Note-se entre a metafísica cabalística e a Maçonaria a relação com o conceito da tríplice conotação da alma humana e o Infinito, mas não admitindo a acessibilidade à interminável sabedoria divina (o uso do chapéu é um dos símbolos dessa submissão).
Outro exemplo de alegoria cabalística na Maçonaria está na abertura do Compasso sobre o Livro da Lei como símbolo exotérico do Conhecimento e esotérico do espírito. Ensina-se no simbolismo que o Compasso, aberto geralmente em 45º, vai no máximo à abertura de 90º, o que concebe a limitação do conhecimento humano perante a onisciência divina que é representada pelos 360º da circunferência.
É fácil de perceber que por essa exposição uma boa parte do misticismo maçônico tem o pé assentado na mística hebraica, sobretudo nessa relação entre o macrocosmo (universo) e o microcosmo (o homem como ser vivo), cuja alegoria maior é o Templo representativo da obra perfeita dedicada a Deus.
Na concepção antropomórfica do Adam Kadmon os atributos divinos se organizam no espaço por ele representado, surgindo inclusive, às vezes à interpretação pouco convincente por parte de alguns autores alegando que as distribuições dos cargos da Loja coincidem com as sephirot como a árvore da vida, o que parece ser mais especulação do que verdade, já que pela variação de distribuição dos lugares e a decoração das Lojas correspondentes aos diversos ritos maçônicos praticados, nesse sentido não existir homogeneidade.
Embora a Cabalá influencie e dê suporte a muitos aspectos doutrinários maçônicos, como já mencionados, nos parece estarem longe de comparar elementos decorativos, cargos, lugares e outros mobiliários da Loja com as dez sephirot.
O Templo espiritual em si é a morada do divino, do sagrado, mas nunca ao ponto de detalhá-lo como árvore da vida. O Templo, sob o ponto de vista esotérico, é um ícone do conjunto cabalístico para a Maçonaria, porém nunca a laudatória representação dele ser o Adam Kadmon.
Na verdade a autenticidade cabalística não pode ser confundida com modelos numerológicos de teóricos que querem afoitamente integrá-la ao simbolismo maçônico em nome das ideias individualistas.
Concluindo, pelo que foi aqui exposto, a influência do misticismo religioso hebraico, em particular a Cabalá, é importante elemento existencial que dá suporte à doutrina Maçônica, entretanto não deve existir licenciosidade de entendê-los como elementos cabalísticos e entidades que influenciam o desenvolvimento da ritualística maçônica. Em síntese, o arquétipo ritualístico maçônico não é mero elemento cabalístico, embora ele possa até mesmo constituir parte desse organismo.


T.F.A.

PEDRO JUK


SET/2017

5 comentários:

  1. Boa noite querido ir.'. ! GOSTARIA de saber como posso adquirir o livro ?

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    1. Mano, eu não entendi que livro o Irmão se refere. Se é sobre a Calabalá sugiro que faças uma pesquisa no mercado liveiro. Se forem obras do Castellani que abordam esse tema, contacte a Editora Maçônica A
      Trolha - www.atrolha.com.br

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  2. Irmão pedro, e com muita satisfação que venho por este meio espressa minha gratidão por estar elevando meu conhecimento com a cabala. Gostaria de receber resposta do irmão . Jonasjoias0000@gmail.com

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  3. Caro Irmão...li uma matéria sua sobre as "velas" no Altar dos Juramentos...consulto a possibilidades de rever essa matéria...que ñ mais encontrei..obrigado Roberto MM.:€

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