Em 12/09/2020 o Respeitável Irmão Werner Victor Arendt, Loja José Abelardo Lunardelli, 107, sem mencionar o Rito, GOSC (COMAB), Oriente de São José, Estado da Santa Catarina, apresenta a questão abaixo:
LOJA DE SÃO JOÃO
A Origem da expressão
"Loja de São João". Foi porque São João era o Gnóstico e seu patrono e
Maçonaria o adotou, ou por que a Igreja trocou o nome de Jano por João e para
homenagear a Igreja, a Maçonaria os fez através do Batista e Evangelista?
Tem
artigo do Ir que contempla grande parte de minhas colocações.
O
que para mim ainda é um mistério, é a citação que os antigos Maçons eram
Gnósticos e São João era dito Chefe do Gnosticismo e por correlação patrono dos
construtores medievais. Por isto foi adotado pela nossa Ordem. Esta colocação
foi feita por Jorge Adum no livro Grau de Aprendiz e Seus Mistérios, página 26.
Não
achei mais nada sobre esta colocação.
CONSIDERAÇÕES.
As
acomodações feitas pela Igreja católica no ano de 313 d. C. quando o Imperador
Constantino autorizou os cultos cristãos marcariam a expansão do Cristianismo
em Roma fazendo com que ele se tornasse a religião oficial do Império Romano,
sacramentado por ato instituído por Teodósio em 390 d. C.
Esses
arranjos entre santos cristãos e divindades pagãs, por exemplo, foi a forma de
transformar o modus vivendi religioso numa só unidade de crença.
Naturalmente que muitos desses conceitos divinos e religiosos sempre tiveram afinidade com os cultos solares da antiguidade, manifestações religiosas onde o Sol atua como um elemento divino, criador e transformador da Natureza.
Graças
a essa concepção religiosa é que o Sol foi tido por muitas civilizações como um
“Ente-Criador” ou “Obra de Deus”.
Divindades
relacionadas ao cristianismo, assim como muitas outras pagãs, sempre tiveram íntima
relação com a alegoria do movimento aparente do Sol na sua eclíptica e a
produção dos ciclos da Natureza reportados aos bens produzidos pelas estações.
Todas
esses empregos filosófico-religiosos parecem ter íntima relação com a mecânica
celeste. Conforme o período e os alinhamentos dos astros visíveis pela viagem
que a Terra faz em torno do Sol, surgem as estações do ano, opostas em cada um
dos hemisférios terrestres. Graças a esses períodos, produzidos entre
solstícios e equinócios, é que a vida se desenvolve na Terra. É como o relógio
e o seu Relojoeiro. A obra e o Criador.
Diante
desse teatro de astronomia é que muitas doutrinas religiosas e seus personagens
foram construídos. É o caso, por exemplo, dos personagens cristãos identificados
por João, o Batista e João, o Evangelista.
A bem
da verdade esses ícones do cristianismo foram instituídos pela igreja que associou
os seus nascimentos aos momentos solsticiais do setentrião do planeta Terra. No
setentrião porque foi nestas latitudes que o cristianismo nasceu.
Instituído
pela igreja católica romana, João, o Batista, é o personagem religioso que
anunciou a vinda da Luz. Sob essa óptica a data comemorativa ao seu nascimento
se fixaria a 24 de junho, isto é, no auge do verão, ou o ápice da Luz na
meia-esfera Norte (acima da linha do Equador).
Vale
mencionar que a 21 de junho, o Sol atinge sua máxima declinação boreal ao
projetar os seus raios perpendicularmente ao trópico de Câncer, o que resulta
no solstício de verão ao Norte. Essa revolução solar mostra uma flagrante
relação entre a estação mais iluminada e a fixação religiosa da data comemorativa
e relativa àquele que veio para anunciar a Luz.
O
mesmo ocorre com o outro personagem, João, o Evangelista, contudo a 27 de
dezembro, muito próximo ao solstício de inverno no hemisfério norte que ocorre
no dia 21 de dezembro. A data de 27 de dezembro fixada para o “pregador” da Luz,
ou “aquele que difundiu a Luz”, indisfarçavelmente tem relação com o período em
que as sombras prevalecem no Norte, o que produz dias mais curtos e noites
longas.
Não
é à toa que o nascimento de Jesus, tomado pelo Cristianismo como a “Luz
do Mundo”, seria assim fixado pela Igreja em 25 de dezembro, data próxima ao
ápice solsticial de inverno que ocorre em 21 de dezembro no setentrião, oportunidade
em que o Sol atinge o ponto máximo da sua declinação austral projetando os seus
raios perpendicularmente ao trópico de Capricórnio.
Sob
o ponto de vista da região norte, nesse momento o Sol parece ter se afastado o
máximo em direção ao Sul deixando o setentrião precário da Luz. Ao atingir o
seu ponto solsticial ele aparentemente inicia o seu retorno do Sul para o
Norte. No misticismo das antigas civilizações os solstícios eram também
conhecidos por “portas solsticiais”. Era comum em muitas civilizações que nessas
oportunidades de inverno (na noite mais longa do ano) os homens saudassem a
volta do Sol acendendo fogueiras ou, como os árabes, agitando ramos floridos de
acácia. Esse é o fundamento da aclamação Huzzé proferida no REAA num determinado
momento ritualístico.
É
interessante notar que a relação Luz e Sol se estabelece como o ponto capital
para que a Igreja viesse definir o nascimento de Jesus a 25 de dezembro.
Seria natural que pela ausência de luz no inverno, Jesus, a Luz do Mundo, emblematicamente
viesse ao mundo para trazer a Luz.
O
nascimento de Jesus e a volta da Luz está associada à alegoria da volta do Sol.
Ocorre no período solsticial de inverno quando aparentemente o Sol inicia o seu
paulatino retorno para o Norte.
Com
base nessas alegorias solares é que a Igreja acabou fixando as datas
solsticiais de 24 de junho e 27 de dezembro, respectivamente verão e inverno no
Norte, para as comemorações relativas a João, o Batista e João, o Evangelista.
Toda
essa alegoria religiosa solar foi embasada na revolução anual do Sol, de tal
modo que o “anunciador da Luz” veio ao mundo em pleno verão, enquanto que o “pregador
da Luz” veio ao mundo em pleno inverno, momento em que as sombras prevaleciam. Nesse
contexto, a “Luz do Mundo” (Jesus) nasce para trazer a Luz e
renovar toda a Natureza. Se bem observado esse particular, nota-se aí uma
flagrante relação com mitraísmo persa quando afirma que o fogo renova toda a
Natureza – Igne Natura Renovatur Integra.
Do mesmo modo acontece em relação ao mitraísmo romano e o nascimento do Sol vitorioso
- Natalis Invicti Solis. Em resumo, é mais uma associação com os cultos
solares da antiguidade, base mística para muitas religiões que conhecemos na
atualidade.
No
que diz respeito a relação desse teatro e a Maçonaria, ela tem origem no seu
período primitivo, notadamente quando era exclusivamente operativa, ou de ofício.
Com
seus aproximados 800 anos de história, a Maçonaria teve como seus ancestrais os
canteiros medievais das associações de construtores profissionais que edificavam
catedrais, igrejas, abadias, castelos, obras públicas, etc., principalmente
para a Igreja a partir do século XI.
Em
especial a expansão da Igreja Estado iria se acentuar desde o ano 1.000, sobretudo
porque, segundo a crença religiosa cristã, o mundo não havia acabado. Dado a
isso a Igreja então expandia ainda mais os seus domínios, o que a fazia
necessitar cada vez mais de profissionais construtores de catedrais.
Em
linhas gerais, as associações de construtores da Idade Média eram organizadas
pelo clero, o que fez com que o ofício adquirisse forte influência religiosa haurida
da sua protetora, a Igreja.
A
partir do século XII essas guildas de construtores seriam organizadas em Lojas
Operativas que não raramente tinham um clérigo auxiliando no gerenciamento,
principalmente nas finanças. Destaque-se que era uma época em que a imensa maioria
dos “rudes pedreiros” não sabia ler e nem escrever. Geralmente o secretário de
uma loja operativa era um clérigo.
Ressalte-se
que nos tempos primitivos da Maçonaria não existiam ainda maçons especulativos
(aceitos), templos maçônicos e nem graus iniciáticos como conhecemos atualmente
na Moderna Maçonaria.
Naqueles
tempos o corpo da Loja era composto essencialmente por artesãos que trabalhavam
na pedra calcária, cujos quais se dividiam em dois grupos profissionais – o dos
Aprendizes Admitidos e o dos Companheiros do Ofício.
Geralmente
o dirigente do canteiro, assessorado por dois wardens (vigias,
zeladores, diretores), era conhecido como Mestre da Obra e era escolhido entre os
Companheiros do ofício mais experientes. O Mestre era uma categoria
profissional e não um grau iniciácio.
Vale
registrar que nesse período as lojas operativas eram verdadeiros canteiros de
obras e o serviço era rude e pesado, não progredindo quando se encontrava diante
das agruras do tempo, sobretudo no inverno que ocorre nas latitudes
setentrionais (norte da Europa e Grã-Bretanha).
Geralmente
no inverno não havia serviço e os pedreiros eram pagos e dispensados para só retomarem
ao trabalho na próxima primavera. De modo prático isso pode ser entendido
levando-se em conta os empecilhos de uma estação hibernal no norte da Europa e em
plena Idade Média.
Com
essas particularidades do ofício, os períodos (datas) solsticiais atinentes às
estações de inverno e de verão, notoriamente ficariam marcados nas corporações
de ofício da Idade Média (ancestrais da Maçonaria).
O forte
alcance religioso sobre as corporações, haurido dos seus protetores clericais
(Igreja), logo se revelaria nas datas solsticiais mencionadas no começo desse
arrazoado. Assim não é de se estranhar que os santos Joões, relativos ao inverno
e ao verão pela influência religiosa da Igreja, e também com os períodos próprios
e impróprios para o trabalho, logo viessem a fazer parte da cultura mística e
histórica da Maçonaria.
Graças
a influência da Igreja e a adoção dos padroeiros da Luz é que as lojas das
corporações de ofício logo ficariam conhecidas como as Lojas de São João.
É bem verdade que além desses patronos, cada corporação individualmente ainda podia,
se assim desejasse, eleger mais algum santo, ou santa, como seu protetor. João,
o Batista, e João, o Evangelista acabariam se tornando de modo genérico e amplo
uma espécie de patronato da Maçonaria, titulando as suas oficinas como “Lojas
de São João”.
Sob
o aspecto iniciático e os santos padroeiros, a Maçonaria também herdou essa
relação solsticial dos períodos operativos. Nos tempos do ofício, quando havia
admissão de novos membros, o que oportunamente ocorria nas datas solsticiais, provavelmente
para aproveitar as comemorações relacionadas a essas datas (vide história das
guildas), os compromissos dos iniciados eram tomados sobre o Evangelho
de São João.
Entenda-se
que nessa época não existiam ritos, templos e nem um cerimonial primorosamente
elaborado e impresso. Geralmente os recintos eram simples e contíguos ao
canteiro de obras (depósitos de material e ferramentas) e a cerimônia de
admissão era muito simples e se resumida numa oração, numa instrução do ofício,
na tomada de obrigação e a entrega do avental de trabalho operativo. Na ocasião
em que era tomada de obrigação o recém-admitido pousava sua mão sobre uma folha
rústica de papel tendo nela escrita apenas o título de “Evangelho de São João”,
ou apenas “São João”.
Isso
se dava porque nos velhos tempos antes da invenção da imprensa por Gutemberg, além
da Bíblia ser propriedade exclusiva da Igreja, ainda não haviam exemplares facilmente
disponíveis. De modo operacional isso se explica porque naquela época uma Bíblia
era manuscrita em pergaminhos de alta gramatura, o que lhe dava uma
característica altamente volumosa, pesada, cara e difícil de ser transportada.
Desse modo, quando das tomadas de obrigação o candidato à admissão prestava o
seu compromisso sobre uma folha de pergaminho que simboliza o Livro das
Sagradas Escrituras, enquanto que no pergaminho ia o título relativo ao Evangelho
de São João, ou apenas São João. Era um modo de fazer referência à data
solsticial e ao santo padroeiro correspondente.
Chamo
atenção para que o relato pertinente ao período operativo remonta aos séculos XII
até o XVI, destacando-se que a imprensa foi criada por Gutemberg somente entre
1439 e 1430. Assim, é preciso se despir da ideia de que nas Guildas de construtores da Idade Média era comum a presença física de ajgum volume da Bíblia
Sagrada.
A
partir do século XVIII e o aparecimento dos ritos maçônicos, principalmente, o
costume da presença da Bíblia se afirmaria quase que como presença obrigatória
nas Lojas especulativas. Alguns ritos, inclusive, fazem leitura de trechos do
seu conteúdo, destacando aqueles que o fazem no Evangelho de São João.
Nos
tempos especulativos, já com volumes impressos, a Bíblia Sagrada, em alguns costumes,
era tomada às mãos pelo candidato na hora de prestar o seu compromisso. Essa
prática deu origem ao “devido de guarda” (due guard), gesto que faz
parte do sinal de ordem em alguns trabalhos.
Além
do referencial da Bíblia, existem ainda ritos que trazem na decoração dos seus
templos símbolos decalcados nos cultos solares da antiguidade, cite-se, por exemplo,
o puro REAA que tem o seu espaço de trabalho orientado dessa forma. Vide nele,
por exemplo, o equador do templo, as Colunas Solsticiais, as Colunas Zodiacais,
a abóbada decorada, etc.
A
propósito, no tocante a alegoria solar e as colunas solsticiais B e J, estas marcam
no templo do REAA, que representa um segmento da superfície do globo terrestre
sobre o equador, a passagem por ele dos trópicos de Câncer (B) e Capricórnio
(J). Entre elas se situa o equador que divide o espaço em Colunas do Norte e do
Sul, em cujos seus topos (paredes norte e sul) se apresentam as Colunas Zodiacais
que têm o fito de projetar na base da abóbada as constelações do Zodíaco. Essas
12 colunas indicam simbolicamente o trajeto que o iniciado deve percorrer para
alcançar a Grande Iniciação, ou o final da sua jornada de aperfeiçoamento. Todo
esse teatro se relaciona diretamente com as datas solsticiais, por extensão aos
personagens patronais de São João.
De
qualquer maneira, o termo “Lojas de São João” acabou se consagrando da
Maçonaria em geral (independente do rito praticado), sobretudo porque a Moderna
Maçonaria tem muito da sua estrutura especulativa derivada dos usos e costumes
dos nossos ancestrais construtores de catedrais da Idade Média.
Vale
comentar a presença na Maçonaria de um antigo conjunto simbólico formado por um
círculo entre duas paralelas verticais. A exegese desse emblema é a de que nele
se encerra toda a característica solsticial pertencente ao ideário iniciático da
Ordem. O círculo e a representação do Sol, enquanto que as paralelas verticais aludem
aos trópicos de Câncer e Capricórnio respectivamente. Os pontos marcados pela
tangência das linhas no círculo correspondem aos solstícios de inverno e de
verão. A máxima desse ideograma é a de que o Sol não ultrapassa os trópicos.
Nele as duas linhas paralelas simbolizam os patronos consagrados em Câncer e em
Capricórnio, ou seja, João, o Batista no verão e João, o Evangelista no inverno.
É bom que se diga que a interpretação desse ideograma é relacionada ao hemisfério
norte da Terra.
Destaco
que qualquer relação astronômica com a Maçonaria Simbólica será sempre relativa
ao hemisfério Norte do nosso Planeta. A razão é porque a Maçonaria nasceu nas latitudes
situadas acima do equador. Em síntese, o seu simbolismo foi construído sob o
ponto de vista do hemisfério Norte.
Essas
são, dentro da racionalidade da história da Ordem, as colocações plausíveis
para o simbolismo dirigido aos personagens bíblicos João, o Batista e João, o
Evangelista na Maçonaria, em que pese ainda tentem alguns tratadistas distorcer
a verdade com as suas meras especulações.
No
que diz respeito aos antigos maçons serem gnósticos e São João ser o chefe do
gnosticismo (sic), eu prefiro não comentar essas colocações que beiram,
para a mim, as raias do absurdo, principalmente quando mencionadas pelo autor citado
na sua questão.
Essa
combinação de misticismo e especulação filosófica de caráter sincrético e
religioso à margem do cristianismo, conhecida por gnosticismo, ao que me
consta, nunca teve nada a ver com os construtores medievais que foram nossos ancestrais
e nem com a Moderna Maçonaria que, nascida nos século das luzes, prima pelo
esclarecimento dos homens lutando incansavelmente contra crendices e superstições.
T.F.A.
PEDRO JUK
http://pedro-juk.blogspot.com.br
JUN/2021
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