SÍMBOLOS MAÇÔNICOS
A RÉGUA DE 24
POLEGADAS OU RÉGUA GRADUADA
E A RÉGUA LISA
I.
INTRODUÇÃO
Tenho
recebido muitas questões relativas à Régua como instrumento de trabalho
simbólico na Maçonaria. Para alguns ela se apresenta já no grau de Aprendiz,
para outros no de Companheiro.
A
questão é de rito ou ritual e a sua grade de instrução, portanto não há como
confundir a sua aplicação pura e simplesmente.
Particularmente
no Brasil existe uma miscelânea de procedimentos ritualísticos, cujos quais são
inseridos às vezes aleatoriamente na liturgia sem uma análise mais acurada,
sobretudo em se observando se a história doutrinária de um costume se adequa à
mensagem propiciada pelo objeto simbólico.
Como
no Brasil o rito majoritário adotado pelas nossas três Obediências regulares é
o Rito Escocês Antigo e Aceito, criou-se a falsa cultura de que as suas
práticas são universais na Maçonaria, independentes dos ritos praticados - o
que não é verdade. É ilusória a ideia de se imaginar que a liturgia maçônica
seja exatamente igual por toda a parte do nosso Planeta. Embora de objetivo
único, entre os ritos maçônicos existem diferenças.
Nesse
contexto, as questões que envolvem práticas litúrgicas distintas são inúmeras, como
é o caso, por exemplo, da aplicação da Régua na ritualística maçônica.
Ainda
nesse interim, lembra-se que no Brasil, particularmente, os nossos rituais
estão repletos de enxertos e invencionices, sobretudo com a inserção de
práticas ritualísticas de um em outro rito, o que tem gerado contradições e
explicações desprovidas de nenhum fundamento.
Na
intenção de trazer um pouco de esclarecimento para o caso, segue texto abaixo,
cujo qual foi adaptado de uma resposta minha dada há tempos atrás abordando a
utilização da Régua no simbolismo dos dois primeiros graus do REAA\
assim como a sua aplicação em outros ritos.
II.
A RÉGUA – DO APRENDIZ
OU DO COMPANHEIRO?
No
Rito Escocês Antigo e Aceito, rito de origem francesa, a Régua de 24 Polegadas
é um dos instrumentos de trabalho inerente ao Grau de Companheiro. Já no Craft (Ofício)
inglês, no Brasil comumente conhecido como Rito de York da Inglaterra, a régua é
um dos objetos pertences ao Grau de Aprendiz. Do mesmo modo no Rito Schröder,
rito de origem alemã, mais depurado da Maçonaria inglesa, a Régua Graduada também
é um dos instrumentos de trabalho do Primeiro Grau, o que pode ser comprovado
no catecismo de Aprendiz do rito.
No
Brasil, devida à equivocada mistura de procedimentos de uns em outros ritos, a
régua aparece em alguns rituais do REAA\ também no Grau de
Aprendiz, o que é um erro crasso, tanto pelo aspecto doutrinário como pelo
histórico.
Aqui
no Brasil o pormenor que envolve a régua se dá porque alguns rituais do
escocesismo estão enxertados com práticas do Craft. Essa indevida inserção se deu
quando as Grandes Lojas Estaduais brasileiras fundadas em 1927 pelo Irmão Mário
Marinho Béhring buscaram o reconhecimento das Grandes Lojas Norte-americanas. Para
o caso, é sabido que as Lojas Azuis (simbolismo) das Grandes Lojas dos Estados
Unidos da América do Norte tiveram a sua ritualística fundamentada no Craft
inglês que é oriundo da Grande Loja dos Antigos de 1751. Assim, em se tratando
do Craft e da Régua como instrumento de trabalho, a mesma nele pertence ao grau
de Aprendiz.
Com
o reconhecimento adquirido, as Grandes Lojas brasileiras, provavelmente para
angariar simpatia dos seus reconhecedores, acabaram enxertando nos rituais
escoceses no Brasil inúmeras práticas oriundas das Lojas Azuis do Craft
norte-americano, dentre as quais a régua para o Grau de Aprendiz no REAA\
quando nele, genuinamente a régua pertence ao Grau de Companheiro.
Até
certo ponto poder-se-ia dizer que isso não faz diferença nenhuma, mas em se
tratando da doutrina e das instruções do verdadeiro escocesismo simbólico que é
natural da França, não existe nele nenhuma menção da régua no Primeiro Grau.
Isso pode ser comprovado nas respectivas e clássicas alegorias do Aprendiz onde
ele aparece ajoelhado tendo às mãos apenas o Maço e o Cinzel, enquanto na do
Companheiro ele aparece trazendo apoiada no seu ombro esquerdo uma Régua
graduada – em síntese, no REAA\ a régua só aparece
no Segundo Grau.
É
bom que se diga que toda a liturgia e a distribuição simbólica de um rito compõem
a sua grade doutrinária. As instruções de cada rito devem estar respectivamente
de acordo com os símbolos que se apresentam nos Painéis para o REAA\,
nas Tábuas de Delinear para o Craft, ou ainda no Tapete para o Rito Schröder.
Aliás,
a não observação desse conceito elementar tem sido a razão pelas quais muitas
instruções inseridas nos rituais, às vezes acabem por não fazer nenhum sentido se
comparadas com a verdadeira liturgia e ritualística do próprio rito. No
simbolismo maçônico de um rito, nada existe por acaso. Sem nenhuma
licenciosidade, na Maçonaria os símbolos embasam a doutrina especulativa de
aperfeiçoamento humano.
III.
A RÉGUA LISA E
GRADUADA – ORIGENS E APLICAÇÃO SIMBÓLICA
No
que diz respeito ao REAA\, o Aprendiz durante
o tempo de aprendizado ainda não usa simbolicamente a Régua graduada.
Como
exposto, se faz cogente compreender que as cerimônias especulativas devem estar
impreterivelmente de acordo com a respectiva concepção doutrinária. No caso do
escocesismo, nesse contexto, é o que acontece no final da jornada do Aprendiz às
portas do seu aumento de salário – a Elevação.
Nessa
cerimônia (vide ritual do REAA\) é costume o
aspirante ao Segundo Grau ao ingressar no recinto, ainda como Aprendiz e
conduzido pelo Experto, trazer apoiada no seu ombro esquerdo, primeiro uma régua
sem graduação (lisa).
Explica-se
assim esse procedimento:
Originários
das antigas práticas operativas, naqueles tempos só existiam classes de
trabalhadores, não graus maçônicos especulativos tal como acontece hoje na
Moderna Maçonaria.
À
época existiam propriamente duas classes operárias, a do Aprendiz Admitido e a
do Companheiro do Ofício. Da classe dos Companheiros era escolhido um artífice
experiente para dirigir o canteiro de obras – era então conhecido como o Mestre
da Obra (não era grau de Mestre).
Na
classe dos Aprendizes, aquele que estava ainda na fase primária de aprendizado,
ou o mais recente, era o Aprendiz Junior ou o Rough[1]
Mason, enquanto que o aspirante à classe dos Companheiros, isto é, um
Aprendiz instruído e próximo a concluir os três anos de aprendizado era o Aprendiz
Sênior, ou o Stone Mason.
Em
linhas gerais era comum que no canteiro de ofício o Aprendiz Júnior (Rough Mason) utilizasse uma régua
lisa e não graduada que servia para que o Aprendiz de ofício com ela
conferisse em primeira instância o preparo das pedras que futuramente serviriam
para a elevação das paredes da obra.
Nesse
sentido, a Régua lisa não era graduada por não servir como instrumento de
medição, mas sim como um objeto para verificar a superfície da pedra após o
primeiro desbaste das suas asperezas.
Já
a Régua graduada era um dos objetos de trabalho do Aprendiz Sênior (Stone Mason) sendo admitido como
Companheiro do Ofício, a despeito de que ele, como detentor de mais
conhecimento, poderia agora manusear a Régua com graduação na intenção de
conferir e fazer os ajustes necessários para a elevação dos cantos da obra.
Era
com a um instrumento graduado que o Companheiro do Ofício (Fellow Craft) marcava de modo equidistante os nós do cordel na
razão aritmética de três, quatro e cinco para a obtenção dos cantos esquadrejados
a partir da pedra angular. Era na realidade a medida para a aplicação da 47ª
Proposição de Euclides (Teorema de Pitágoras) na a obtenção do triângulo
retângulo que servia para dar o perfeito esquadrejamento do canto.
Assim,
em linhas gerais a Régua graduada, já em mãos mais experientes dos
Companheiros, servia para auxiliar na aferição de medidas durante a elevação das
construções.
É
essa a razão de existir nos canteiros do passado duas réguas, a lisa e graduada,
cujo costume é revivido na liturgia das cerimônias da Moderna Maçonaria,
especialmente no REAA\.
IV.
OUTROS APONTAMENTOS
NECESSÁRIOS.
Em
se tratando da Maçonaria Especulativa, esses costumes acabaram se constituindo
em alegorias maçônicas que são divulgadas conforme os rituais da Moderna
Maçonaria. Obviamente que cada rito possui a sua particularidade litúrgica e
ritualística, o que faz com que, embora o objetivo da Maçonaria seja um só,
muito das suas práticas se diferenciam entre eles. É o caso da régua que no
arcabouço doutrinário do Craft inglês aparece no Primeiro Grau, enquanto que no
do REAA\ (filho espiritual da França) ela aparece
apenas no Segundo Grau e ainda traz consigo a reminiscência da régua lisa antes
da graduada.
No
que diz respeito à graduação da Régua, lembra-se que ela obedecia aos padrões
de medidas inerentes às regiões onde se concretizavam as construções, em
resumo, onde a Francomaçonaria se fazia presente, podendo ser medidas em
polegadas, pés, sistema métrico decimal e ainda outros.
O
que verdadeiramente não existia na Maçonaria Operativa era o número exato da
medida com “24 polegadas”, pois a dimensão da Régua se dava pela medida
regional e conforme o tamanho do objeto manuseado. O número “24” ingressou somente
na Moderna Maçonaria como símbolo especulativo e relacionado aos catecismos e as
instruções morais e filosóficas pertencentes aos diversos ritos e rituais maçônicos
já no século XVIII.
Não
obstante já ter sido mencionado, é primordial o entendimento de que existia na
Maçonaria Operativa, ou de Ofício, somente duas classes profissionais - a primeira
era a dos Aprendizes, subdivididos em Rough
Mason e Stone Mason e a segunda a
dos Fellows Craft (Companheiros do
Ofício). Lembra-se que não existiam graus especulativos nessa época e que cada
guilda de construtores era dirigida por um Companheiro experimentado e
auxiliado por dois Wardens (zeladores).
Esses três membros diretores são os ancestrais do atual Venerável Mestre,
Primeiro e Segundo Vigilantes, cujos quais seriam adequados paulatinamente à
Maçonaria Especulativa quando em 1813 com a união das duas Grandes Lojas esses
cargos seriam definitivamente fixados em lugar próprio na Sala da Loja e
sacramentados nos Templos Maçônicos.
Dada
essa conjuntura é que o Rito Escocês Antigo e Aceito, rito de origem francesa,
mas com influência anglo-saxônica, revive na sua liturgia a utilização
simbólica das réguas lisa e graduada na cerimônia de Elevação, oportunidade em
que o Aprendiz ingressa no recinto conduzindo Régua lisa, até que a mesma seja
substituída pela Régua graduada nas viagens e perambulações do aspirante ao
Segundo Grau.
No
tocante ao sistema inglês (Craft) onde a Régua graduada é integrante já no
Primeiro Grau, essa tradição é revivida com forte apelo teísta nas preleções (vide
as Lições Prestonianas). Inclusive é dela a concepção especulativa da divisão
da Régua em 24 polegadas, sugerindo, dentre outros, a figuração de medida de
tempo e o seu aproveitamento pelo maçom.
Ainda
no Craft, segundo alguns autores a exemplo do Respeitável Irmão Anatoli Oliynik,
a diferenciação entre os Aprendizes recentes e os mais experientes é também feita,
inclusive numa Loja inglesa que trabalha no Brasil, mantendo a abeta do avental
levantada para os Aprendizes recém-iniciados e abaixada para os mais antigos,
destacando-se que o avental do Companheiro no Craft, diferente do Rito Escocês,
se diferencia do de Aprendiz por trazer nele fixado duas rosetas na cor
azul. Já no Craft norte-americano algumas Grandes Lojas distinguem os aventais
dos seus Aprendizes dos de Companheiros efetuando neles durante o uso dobras
diferenciadas. Enfim, tudo remete às antigas tradições e as duas autênticas
classes de trabalhadores da Maçonaria Operativa.
V.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como
se pode observar, embora existam diferenças, para elas, em se despindo do elemento
imaginativo, sempre há explicação satisfatória e racional. Não há como se
escrever sobre Maçonaria sem que haja por primeira atenção para essas
particularidades.
É
equivocada, principalmente em ritualística maçônica, a ideia de se generalizar
os procedimentos como tem sido o caso da Régua que, aqui no Brasil em um mesmo rito,
aparece em certos rituais no Grau de Aprendiz e em outros no de Companheiro.
Obviamente que tudo isso é mera confusão plantada por compiladores de rituais.
Assim,
continuo a insistir que a Moderna Maçonaria não se constitui de um rito único,
todavia ela se compõe por um sistema de vários ritos e trabalhos que possuem
cada qual um suas particularidades doutrinárias, históricas e culturais.
Por
simples falta de depuração ritualística, não raramente nos deparamos no Brasil
com rituais enxertados e, quando não, com práticas meramente inventadas e
fantasiosas.
Certamente
é por isso que encontramos ritos que são verdadeiras colchas de retalhos. É o
caso, por exemplo, de rituais escoceses que ainda na contramão da história
insistem em mencionar a Régua de 24 Polegadas no Grau de Aprendiz, se negando acintosamente
a observar que na alegoria clássica do Aprendiz, bem como no seu respectivo
Painel do Primeiro Grau a régua nem sequer aparece.
Obviamente
que além da régua, indevida no grau de Aprendiz do REAA\,
há ainda outras inserções que dele não fazem parte e que eu poderia enumerá-los
amiúde, entretanto não é esse o objetivo desse texto, até porque são tantas que
deixariam esse trabalho prolixo.
Dando
esse arrazoado por concluído, ratifico: no Rito Escocês Antigo e Aceito os
instrumentos de trabalho do Aprendiz Maçom são o Maço e o Cinzel, enquanto a
Régua de 24 Polegadas é - acompanhada de outros objetos - do Companheiro Maçom.
Já no Craft, tomando por referência os Trabalhos de Emulação (aqui conhecido
como Rito de York), bem como o Rito alemão Schröder, a Régua é um dos
instrumentos de trabalho do Aprendiz.
P.S.
Além dos ritos aqui abordados e a utilização da régua, ainda outros mais a mencionam
nas suas respectivas ritualísticas. Os ritos comentados no texto serviram como
parâmetro para o seu desenvolvimento.
PEDRO JUK
FEV/2018
[1] Rough
– adjetivo inglês que significa áspero, tosco, escabroso. Como verbo, significa
desbastar. Assim o termo Rough Mason
figuradamente significava o maçom recém-admitido, ou ainda um profissional
tosco. Associado ao verbo desbastar era aquele que iniciava na profissão tendo
como primeira atividade a de melhorar primitivamente a superfície da pedra até
que outro profissional, já mais instruído, o Stone Mason, pudesse ajustá-la melhor e conforme as exigências da
Arte.
Parabéns meu ir.: bela belíssima peça... T.:F.:A.:
ResponderExcluirObrigado pela visita meu Irmão.
ExcluirMagnificante, infelizmente temos muitos irmãos do Rito Escocês que não aceitam a verdade sobre a Régua não ser do Primeiro Grau...
ResponderExcluirE só observar a clássica alegoria do Aprendiz e do Companheiro dos ritos da vertente francesa. Nelas o Aprendiz aparece sem a régua, a apenas com o maço e o cinzel, enquanto que o Companheiro é o personagem que traz a régua graduada, comumente conhecida com Régua de 24 Polegadas. Obrigado pela visita.
ExcluirGostei muito de seu artigo!!! Podias me passar a fonte de pesquisa?, principalmente sobre os dois tipos de aprendizes e as suas reguas?
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