quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

LEITURA E ABERTURA DO LIVRO DA LEI


Em 15/11/2017 o Respeitável Irmão Marcelo Guazzelli, Loja Fraternidade VII, REAA, GORGS (COMAB), Oriente de Caxias do Sul, Estado do Rio Grande do Sul, formula a seguinte questão:

LEITURA E ABERTURA DO LIVRO DA LEI


Prezado Irmão: tenho uma dúvida sobre a origem da leitura do Livro da Lei nos graus simbólicos. Nossa potência (GORGS) em seu ritual determina a leitura de trechos específicos para cada grau, mas questionados não tem embasamento histórico, apenas afirmam que o REAA é de origem católica. E aproveitando, alguns autores afirmam que
a prática da LEITURA só existe no Brasil e que o correto seria tão somente a abertura do livro (Bíblia). Isso procede?

CONSIDERAÇÕES.

No que diz respeito ao verdadeiro Rito Escocês Antigo e Aceito, a leitura de trechos pertinentes nos três graus simbólicos se sacramentaram com a evolução dos rituais franceses no século XIX.
Há que se observar que o primeiro ritual do simbolismo para o REAA\ somente apareceria na França no ano 1804 elaborado por maçons franceses de retorno dos Estados Unidos da América do Norte ao solo francês.
Em linhas gerais, nos primeiros anos de existência dos rituais simbólicos escoceses ainda não existia leitura específica de trechos do Livro da Lei, sendo que essa prática esporádica, copiada de outros poucos sistemas, foi paulatinamente sendo introduzida no Rito Escocês até que a mesma definitivamente se sacramentasse com a leitura universal no Rito de trechos em São João para o Grau de Aprendiz, em Amós para o Companheiro e em Eclesiastes para o Grau de Mestre.
O REAA\ é muito conhecido na Europa como Rito Antigo e Aceito e também Rito dos Maçons Antigos e Aceitos. O termo “escocês” foi adquirido na França como identificação dos maçons jacobitas exilados na França no período pós-revolução puritana de Cromwell que ocorrera na Inglaterra (vide a história verdadeira do escocesismo). Em síntese o Rito Escocês Antigo e Aceito não é um rito oriundo da Escócia, assim como a Grande Loja da Escócia também nada tem a ver com o Rito Escocês.
Embora uma das origens do escocesismo esteja ligada diretamente aos Stuarts, reis católicos jacobitas, a influência religiosa deixada pela Igreja Católica não é apanágio apenas do REAA\, mas de toda a Maçonaria, que nascera nas associações de construtores da Idade Média e eram protegidos pelo clero.
Sem dúvida alguma, foi dessa influência religiosa de origem que surgiu a obrigatoriedade de existir em quase toda a Moderna Maçonaria a presença da Bíblia nos trabalhos das Lojas Maçônicas, independente do rito.
Com o advento da Moderna Maçonaria (sistema obediencial em 1.717) instituiu-se também, além da presença da Bíblia, o do livro religioso pertinente à fé de Irmãos que necessariamente não fossem cristãos, pois para se pertencer à Maçonaria o imprescindível não é a religião, mas a crença em Deus.
Assim, cada rito maçônico possui, nesse sentido, a sua particularidade. No caso do REAA\ o Livro é aberto com a leitura de trechos específicos. Outros ritos, entretanto, apenas abrem o Livro sem nele efetuar qualquer leitura, enquanto que outros ainda, apenas o mantém a vista de todos, mas fechado.
Existe ainda o caso do Grande Oriente da França que não adota nenhum livro religioso, tratando essa questão como particularidade dos seus membros. Obviamente que isso não deve ser confundido como prática de ateísmo, pois o que não é adotado é um livro religioso, contudo a crença em Deus continua sendo um dos seus landmarks. No lugar de livros religiosos, inclusive da Bíblia, o Grande Oriente da França adota o Livro das Constituições.
No que diz respeito ainda ao Rito Escocês Antigo e Aceito e o seu simbolismo, ratifica-se que atualmente em todo o mundo a abertura do Livro da Lei deveria se dar no Evangelho de São João no Primeiro Grau, em Amós no Segundo e em Eclesiastes no Terceiro – diferenças que porventura existam não estão de acordo com as suas origens.
Antes de comentar especificadamente a leitura do Livro da Lei na abertura dos trabalhos do REAA\ aqui no Brasil, seguem alguns comentários alusivos às leituras do Livro da Lei na Maçonaria de modo geral.
Independente de Ritos ou Trabalhos, o costume da leitura nas Lojas durante a abertura do Livro das Sagradas Escrituras são mesmo dignas de apreciação. Por exemplo, em 1.762, época em que não havia ainda o REAA\, em um catecismo inglês do Craft aparece leitura do Livro da Lei mencionando o apóstolo Pedro (tu és pedra) no Grau de Aprendiz, Juízes 12 no de Companheiro e Reis 17 no Grau de Mestre. Ainda, conforme outro catecismo dessa mesma época e utilizado pela Grande Loja dos Modernos, a Bíblia era aberta no Evangelho de São João durante a obrigação prestada pelo Aprendiz. No final desse mesmo século (XVIII) encontram-se aberturas em Crônicas II, 2.
Na edição do Gilkes Ritual inglês no Trabalho de Emulação não era prevista nenhuma leitura em lugar específico, o que persiste na Maçonaria inglesa até o presente, embora tenham existido algumas tentativas, já no século XX, de se incluir a abertura em Crônicas II sob a alegação de que o modo seria mais apropriado para o sistema Inglês – isso não vingou.
No que diz respeito à leitura do Salmo 133 no primeiro Grau, de Amós 7 no Segundo e de Eclesiastes 12 no Terceiro, esse costume surgiria na mesma Inglaterra, no Yorkshire, entretanto seria logo abandonado em definitivo na Grã-Bretanha.
Já a Maçonaria Norte-americana por ser de raiz inglesa e conhecida por alguns Irmãos como Rito de York Americano, nele, mais precisamente nas suas Lojas Azuis (simbolismo), a exemplo do ritual da Grande Loja de Nova York baseado no Ducan’s Ritual, para admissão do Aprendiz consta a leitura do Salmo 133, não propriamente na abertura do Livro da Lei, mas em uma passagem ritualística durante a perambulação do candidato. Há que se destacar nesse sentido que as Lojas Azuis são de raiz inglesas e nada têm a ver com o REAA\ que é como já comentado, genuinamente de origem francesa.
Retomando a apreciação sobre o Livro da Lei e o escocesismo, com base nesses breves comentos, destacamos que aqui no Brasil algumas Obediências para a abertura do Livro da Lei no Grau de Aprendiz do REAA\ equivocadamente e na contramão da história, fazem-na lendo o Salmo 133 ao contrário do tradicional Evangelho de São João que é o correto para o escocesismo.
Na realidade no Brasil a abertura do Livro da Lei no REAA\ até o ano de 1952 era feita por todas as Lojas no Evangelho de São João. Desafortunadamente nesse mesmo ano as Grandes Lojas Estaduais brasileiras introduziram o Salmo 133 no lugar do tradicional evangelho.
A decisão para esse anacronismo deu-se por ocasião da Primeira Mesa Redonda das Grandes Lojas que foi realizada no Estado do Rio de Janeiro no mês de junho de 1.952 sob o patrocínio da Grande Loja daquele Estado. Inexplicavelmente, à moda latina dos que “acham que é mais bonito”, ao longo dos anos de 1950 até 1960 o Salmo 133 também acabou sendo adotado nas Lojas do REAA\ praticado no Grande Oriente do Brasil - o que é lamentável e persiste até os dias atuais.
A explicação para a adoção desse Salmo pelas Grandes Lojas brasileiras teve o seu embrião já em 1927, ano de fundação das Grandes Lojas Estaduais brasileiras por Mário Marinho Béhring, quando posteriormente ele seguiu na busca de reconhecimento para a sua recém-criada Obediência nas Grandes Lojas Norte-americanas, cujas quais trabalhavam (e trabalham até hoje), não no REAA\, mas nas Lojas Azuis do por aqui conhecido Rito de York Americano e que é de origem inglesa.
Lembro que nos Estados Unidos da América do Norte, como aqui já foi comentado, durante a Iniciação é proferido o Salmo 133 por ocasião da perambulação do candidato a Aprendiz do Ofício nas Lojas Azuis.
A busca e a efetivação desse reconhecimento acabaram paulatinamente trazendo inúmeras práticas do Rito de York norte-americano para dentro do escocesismo no Brasil, dentre as quais, a partir de 1952, veio a da leitura do Salmo 133.
Infelizmente esse, e muitos outros enxertos acabariam ingressando na prática do REAA\ aqui no Brasil, inclusive no próprio Grande Oriente do Brasil que hoje adota equivocadamente o Salmo 133 para a abertura das suas Lojas no Primeiro Grau do escocesismo.
Atualmente, se não estou enganado, no Brasil adotam a leitura correta na abertura do Grau de Aprendiz no REAA\ apenas as Lojas pertencentes à COMAB.
Dadas essas explanações, destaco em resposta à sua questão que o REAA\ universalmente adota leitura de trechos do Livro da Lei (Bíblia) e de conformidade com o que fora aqui mencionado.
De fato, existem práticas litúrgicas diferentes entre os Ritos e Trabalhos maçônicos, portando não há como se universalizar determinados procedimentos ritualísticos. Os Ritos maçônicos seguem incontestavelmente a espinha dorsal única da Maçonaria, porém as práticas neles demonstradas nem sempre se assemelham e dependem muitas vezes do arcabouço doutrinário haurido da história e da cultura de cada Rito. Esse é um detalhe dos mais importantes e que deve ser sempre levado em conta nas apreciações acadêmicas relativas à Sublime Instituição – é mister nunca se generalizar os fatos.
São esses os meus comentários pertinentes.


T.F.A.

PEDRO JUK

FEV/2018

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