Em 12.08.2020 o Respeitável Irmão José Ferreira Soares Neto, Loja Manoel dos Santos, 4.424, Rito Francês, ou Moderno, GOB-RJ, Oriente do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, apresenta a seguinte questão:
ORIGEM DOS CARGOS EM LOJA
Fui iniciado no
REAA em 1991 e a partir de 2018, estou filiado a uma Loja do Rito Moderno, a
saber: Loja Major Manoel dos Santos nº 4424 - Oriente do Rio de Janeiro/RJ.
Pergunto: Qual a
Origem ou como foram criados os CARGOS em Loja/Maçonaria.
No aguardo do seu
retorno, agradeço antecipadamente e envio meu.
CONSIDERAÇÕES.
Segue
como resposta um texto instrucional de minha autoria que versa, acredito, sobre
o tema da sua questão.
ENSAIO – ORIGEM DOS CARGOS EM LOJA
Muito dessa história não possui registro, pelo
menos até a presente data.
Em linhas gerais a maioria dos cargos em Loja foram criados conforme a vertente
maçônica e de acordo com a necessidade litúrgica do rito (sua cultura, costumes, estrutura doutrinária, etc.).
Para
o desenvolvimento das considerações que se seguem será utilizado como parâmetro
a Maçonaria Primitiva (de ofício) do século XVII na Escócia e o seu alcance
sobre a Maçonaria Inglesa no século XVIII, seguida da Maçonaria Francesa.
No
princípio a Maçonaria de Ofício em território escocês possuía somente duas
classes de trabalhadores, a dos Aprendizes Admitidos (registrados por aproximadamente
sete anos) e a dos Companheiros do Ofício, sendo que dentre esses últimos eram
escolhidos os Mestres da Loja e o Mestre da Corporação - uma corporação poderia
possuir mais do que uma Loja.
No
tocante ao Mestre dessa época, saliente-se que ele não era ainda o relacionado
ao grau especulativo e conhecido atualmente como Mestre Maçom. No
período do ofício (Maçonaria Operativa) Mestre era apenas um cargo
de dirigente, administrador ou mesmo o proprietário da guilda.
É
na Escócia desse período que aparecem os Wardens, personagens identificados
como guardiões, zeladores ou diretores, podendo ser algumas vezes até o
dirigente maior de uma corporação de construtores.
Somente
por volta de 1730 é que o Warden ficaria genericamente conhecido como
Vigilante, no caso, os dois Vigilantes auxiliares do Venerável Mestre. Vale
mencionar que Vigilante, ou Warden, é um cargo e não um grau
iniciático.
Ainda no que se refere à Maçonaria primitiva, havia
também o Deacon (Diácono), mas não aquele relacionado aos antigos
oficiais de chão a exemplo dos mencionados por Harry Carr em seu
Masons At Work, porém o Diácono que era às vezes até mesmo o dirigente da
guilda - na Escócia o termo Diácono possuía o sentido de “enviado”.
Cabe
aqui outra observação: o Diácono relativo à maçonaria primitiva escocesa também
não possui nenhuma relação com os Diáconos irlandeses da Grande Loja dos
Antigos que mais tarde, no século XVIII, seriam extensivamente adotados como guias
na ritualística dos ritos e rituais da Moderna Maçonaria.
Assim,
para o nosso comentário é possível se dizer que tanto o Warden como o Deacon
eram cargos já existentes na maçonaria primitiva na Escócia.
Também
não há como negar que esse primitivo sistema de cargos do século XVII irá mais
tarde influenciar a Maçonaria Inglesa, nomeadamente nas guildas londrinas, a exemplo
da Companhia dos Maçons de Londres.
Cabe
registrar que já nessa época primitiva também se faziam presentes nas Lojas um
secretário-tesoureiro, ou mesmo um secretário e um tesoureiro que atuavam como
importantes funcionários na vida administrativa da Loja. Os ocupantes desses
cargos eram homens que não exerciam o ofício de pedreiro, isto é, não eram
profissionais da cantaria e nem assentadores e ajustadores.
No
século XVIII, com o aparecimento da Primeira Grande Loja londrina no ano de 1717,
era inaugurado o sistema obediencial, marco da Moderna Maçonaria. Mais
precisamente na sua primeira Constituição, datada de 1723 e conhecida como a
Constituição de Anderson, dela o seu Título IV, aparecem nominados, Mestres, Vigilantes,
Companheiros e Aprendizes, contudo vale repetir que o Mestre ali mencionado
ainda não era o grau especulativo de Mestre Maçom, mas o do cargo
de Mestre da Loja, ou Worshipful Master (Venerável Mestre). Registre-se
que o grau de Mestre Maçom somente seria mencionado oficialmente na segunda
Constituição publicada no ano 1738.
É nesse período que aparecem distribuídos dois Vigilantes (Wardens)
na Loja, agora 1º Vigilante, ou o Senior Warden e o 2º Vigilante, ou Junior
Warden.
Com isso, de certo modo era constituída uma ordem hierárquica entre o grau
de Aprendiz e o de Companheiro, sendo que esse último ainda era qualificação
indispensável para se assumir o cargo de Vigilante e posteriormente o de Mestre
da Loja. Aprendizes e Companheiros como graus, Vigilantes e
Mestre da Loja como cargos.
Vale mencionar que o termo Vigilante como sinônimo de Warden acabaria
consagrado na Moderna Maçonaria.
Ainda em relação aos cargos, há que se separar aqueles relacionados às
Lojas e aqueles relativos à Grande Loja. Essa última trazia no artigo 17 do seu
Regulamento Geral os cargos de um Grão-Mestre, um Grão-Mestre Adjunto, dois Grandes
Vigilantes, um Tesoureiro e um Secretário.
Assim, é preciso separar os cargos de uma Loja e os cargos inerentes às autoridades
que administram a Grande Loja.
No que diz respeito aos estudos e pesquisas sobre o tema, cabe lembrar
que nos primeiros anos de existência da primeira Grande Loja londrina, de 1717
a 1723, não existem registros de documentação. Suas atas somente passam a ser registradas
de 1723 em diante, ano da promulgação da primeira Constituição de Anderson.
Somente em 1738, ano da publicação da segunda Constituição é que são
reconstruídas por James Anderson as atas dos primeiros anos de existência da Grande
Loja. Cabe lembrar que essa é uma reconstrução de atas, portanto não são registros
originais, podendo sobre eles existir a possibilidade de contradição. Conforme menciona
Anderson nos seus registros reconstruídos, havia na Grande Loja em 1717 um Grão-Mestre,
cargo esse ocupado por Anthony Sayer que fora investido pelos mais antigos
Mestres de Loja então presentes. É mencionada também a existência de dois Grandes
Vigilantes.
Com base nesses registros é bastante provável que a utilização de um Venerável
e de dois Vigilantes conduzindo uma Loja seja costume haurido das quatro Lojas
fundadoras da Primeira Grande Loja. Desta maneira, a constituição
administrativa da Loja formada por um Venerável e dois Vigilantes acabou se
conservando em toda a Moderna Maçonaria.
E o Mestre Maçom como grau
iniciático? Quando ele aparece? A bem da verdade, a semente desse grau germinou
em Londres no ano de 1725 dentro de clube profano denominado Philo Musicae
et Architecturae Societas Apollini.
Composto apenas por maçons da Grande Loja, artistas, matemáticos, cientistas,
todos membros da Royal Society, foi nesse clube que o Duque de Richmond,
na intenção de criar um título diferenciado para o dirigente desse clube
composto só por maçons (uma espécie de título distintivo), acabou plantando a
semente do que em um futuro próximo iria se tornar um grau exclusivamente maçônico
– o de Mestre Maçom.
Os primeiros maçons a assumirem o cargo de dirigente da Societas
Apollini foram Charles Cotton e Papilon Bull. Dado a isso é
que ambos são tidos como os dois primeiros Mestres Maçons especulativos da
história.
Com o sucesso da criação de Richmond, a sua ideia logo acabaria na
Primeira Grande Loja – destaque-se que o Duque de Richmond era possuidor de prestígio
por lá por ter sido seu Grão-Mês. Assim, logo a Grande Loja aperfeiçoou e adotou
o novo sistema como o 3º Grau do Franco-Maçônico básico universal, ou Grau de
Mestre Maçom.
Conjugado ao grau de Mestre Maçom aparece a lenda hirâmica, provavelmente
adaptada de uma antiga lenda noaquita (relativa a Noé), comum ao antigo grau de
Companheiro que seria desdobrado dando origem ao terceiro grau.
Consolidado o grau de Mestre Maçom, consagra-se então o currículo iniciático
de Aprendiz, Companheiro e Mestre nas Lojas pertencentes Primeira Grande Loja. Os
Vigilantes são agora escolhidos dentre os Mestres Maçons e aquele que desejar se
tornar um Venerável Mestre (Mestre da Loja) é preciso antes ter sido um
Vigilante.
Vale lembrar que na Moderna Maçonaria o termo “Mestre” designa o grau
iniciático relativo à da plenitude maçônica (Mestre Maçom), assim como se refere
ao maior cargo administrativo da Loja – o Mestre da Loja ou o Venerável
Mestre (Worshipful Master).
Em relação aos Diáconos, oriundos dos “antigos oficiais de chão” da Maçonaria
de Ofício, na Moderna Maçonaria inglesa não existe a respeito deles nenhuma citação
antes de 1740, época em que os irlandeses começam a se manifestar e influenciar
a liturgia maçônica da época.
Na famosa revelação (exposure) de autoria de Samuel Prichard,
datada de 1730 e intitulada Masonry Dissected, por exemplo, é
possível se conferir que os Diáconos não tinham ainda ofício de receber e
conduzir candidatos como aconteceria mais tarde no Craft (Maçonaria Inglesa). Como
nos tempos primitivos, o oficio de receber e instruir candidatos era de
obrigação do 2º Vigilante.
Embora com funções diferenciadas dos da vertente moderna inglesa, no
século XVIII o cargo de Diácono logo não tardaria a aparecer também na vertente
francesa de Maçonaria. Cite-se como exemplo nesse caso o REAA, onde nele os
dois Diáconos (1º e 2º) atuam apenas como os antigos oficiais de chão para relembrar
a velha função dos mensageiros que atuavam nos primitivos canteiros operativos da
Idade Média.
Isso explica no rito em questão o porquê da liturgia da transmissão da Palavra
Sagrada entre as Luzes da Loja e os Diáconos durante a abertura e encerramento
dos trabalhos. Note que ao contrário do Craft, os Diáconos não atuam como guias
e receptores.
Diferente do Warden, ancestral cargo das lojas primitivas escocesas
que facilmente fora implantado na Inglaterra como Vigilante, o cargo de Diácono,
provavelmente por ser estranho às organizações de ofício inglesas, acabou
levando mais tempo para ser recebido e fixado no Craft. Na verdade, deve-se aos
irlandeses da Grande Loja dos Antigos (1751) a propagação e a fixação do cargo
de Diácono na Moderna Maçonaria inglesa.
Em relação ao cargo do Tyler (Telhador ou Cobridor Externo), foi
James Anderson na Constituição de 1723 quem mencionou um cargo cujo ofício era
o de proteger e guardar a porta da Grande Loja. Ainda não há como se afirmar da
existência do Tyler, ou Cobridor Externo, nas Lojas, embora seja provável
ter existido alguém encarregado pela segurança do recinto para preservar o sigilo
dos trabalhos contra os cowans.
Ainda relacionado à proteção da porta, porém agora pelo seu interior, existe
o cargo de Cobridor Interno (Inner Guard). A seu respeito, acredita-se
que, tal como outros cargos, também o de Cobridor Interno tenha sido adotado por
primeiro pela Primeira Grande Loja para só depois se fixar nas Lojas.
Em relação a esse cargo e a Maçonaria Francesa, somente a partir dos meados
do século XVIII é que o ofício de “Tuileur”, que em tradução livre significa Cobridor, seria adotado.
Dentre outros, não há como negar o empenho da primeira Grande Loja londrina
em estruturar os cargos das suas Lojas. Conforme mencionam alguns autores, desde
de 1727 ela adotou para o Venerável Mestre e os Vigilantes das suas Lojas joias
distintivas para os cargos, cujos quais iam pendentes de fitas brancas. Poucos
anos depois, em março de 1731, os aventais decorados e debruados ficavam
reservados ao Venerável Mestre e aos Vigilantes. Tempos depois, a cor branca dos
colares e da seda que ia debruada nos aventais dos Grandes Oficiais passaria a ser
de matiz azul.
Sem embargo do que até aqui fora mencionado, constata-se que a
estrutura da Maçonaria Inglesa nos primórdios da sua primeira Grande Loja se
derivou das estruturas da Maçonaria Escocesa do século XVII.
É inegável que durante transição de toda essa estrutura tenha havido
uma série de mudanças, das quais pelo menos duas merecem destaque, mormente por
atuarem de modo abrangente no sistema especulativo da Moderna Maçonaria.
Nesse sentido, cabe então destacar: 1º) é que a presidência da Loja
passou a não mais ser creditada apenas a um “Warden”
(guardião, vigia, diretor, administrador [manager], principal), mas a um
“Master of Lodge” (Mestre
da Loja); 2º) é que o Mestre da Loja passou a ser auxiliado por dois Vigilantes
– “três governam a Loja”.
Ressalte-se que essa nova estrutura, composta por um Venerável
Mestre e dois Vigilantes, vai se disseminar a tal ponto de ser a única
conhecida já na a partir de 1740.
Um novo acontecimento, contudo, acabaria desenhando novos rumos no
andamento dessa história na Inglaterra. Em 1751, um outro sistema estrutural, com
costumes e tradições próprias e importado por maçons irlandeses iria aparecer. É
quando surge então uma nova Grande Loja em oposição à primeira que fora fundada
em 1717.
Essa Grande Loja, a de 1751, trazia na sua formação maçons que se
auto denominavam “Antigos” porque alegavam possuir uma tradição mais velha do que
os da Grande Loja de 1717. Dado a isso eles atribuíam pejorativamente aos
membros da primeira Grande Loja o adjetivo de “Modernos”.
A bem da verdade, nessa disputa por antiguidade entre as duas Grandes
Lojas rivais existe um paradoxo, pois atribui-se o título de antiga àquela que
nasceu depois, e de moderna àquela que nasceu antes.
Há uma explicação para essa contradição. Em linhas gerais esta
disputa por antiguidade se dá pela defesa do sistema trazido pela Grande Loja
de 1751, e não propriamente pela data de fundação. Nesse contexto então alguns
fatores acabariam arrefecendo as escaramuças entre os Modernos e os Antigos
ingleses.
Numa abordagem superficial sobre o fato poder-se-ia então citar dois
fatores principais nessa altercação:
O primeiro é o que se deu pelas alterações produzidas pelos “Modernos”
na forma de trabalho. Dentre outros, os “Modernos” simplificaram a liturgia maçônica,
inverteram a tradicional posição das Colunas B e J para J e B, omitiram orações,
promoveram a descristianização dos catecismos, etc.
O segundo pode-se dizer que foi pela aristocratização, até certo
ponto imposta à Moderna Maçonaria inglesa, principalmente pela sua estreita
relação com a Royal Society e, por extensão, como a coroa britânica.
Em relação ao primeiro fator, muitas alterações se devem às obras
espúrias que, mediante boa recompensa financeira, revelavam nos jornais londrinos
da época as formas de trabalho e outras particularidades da ritualística maçônica.
Devido a isso os Modernos acabaram promovendo substanciais alterações na
liturgia com o intuito de confundir os bisbilhoteiros que constantemente espiavam
para revelar “segredos” nos semanários londrinos – destaque-se, por exemplo, a exposure
de 1730 escrita por Samuel Prichard e publicada na Inglaterra sob o título de Masonry
Dissected. Essa obra trazia revelações atinentes aos trabalhos maçônicos.
Ainda referente ao primeiro fator, nota-se que a primeira Constituição,
a de 1723, trazia um teísmo abrandado, isto é, com feições deístas ajustadas às
conveniências daquela época, apesar de James Anderson ter sido um pastor
protestante. Com isso muitas orações que ocorriam durante os trabalhos maçônicos
acabaram sendo omitidas, o que resultou numa espécie de descristianização dos catecismos
maçônicos, inclusive com a supressão de muitas festas patronais.
Pertinente ainda ao segundo fator, notadamente a primeira Grande
Loja já se preparava para num breve futuro atuar ligada à coroa inglesa. A sua
estreita relação com os membros da Royal Society dá uma ideia essa
intenção.
Vale a pena mencionar que essa logística de conjuntura
estrutural não agradava a totalidade dos maçons, sobretudo os irlandeses que,
de berço mais humilde, não se sentiam à vontade com a aristocratização da
Grande Loja.
É certo que esses dois fatores contribuíram substancialmente
para o aparecimento em 1751 de outra Grande Loja então fundada pelo irlandês Lawrence
Dermott. Os membros dessa Grande Loja se autodenominavam de “Antigos” por alegarem
ser os guardiões dos “velhos costumes”.
Com severas críticas àqueles que alteraram a forma tradicional
de trabalho, os autodenominados “Antigos”, de modo pejorativo, então taxavam os
integrantes da primeira Grande Loja de “Modernos”.
O aparecimento dessa Grande Loja rival na Inglaterra logo daria
início a uma longa rivalidade entre os “Modernos” e os “Antigos”, rivalidade
essa que duraria até novembro de 1813 quando as duas Grandes Lojas rivais,
através do Ato de União, iriam se unir e criar a Grande Loja Unida da
Inglaterra.
Registre-se que a aproximação, reconciliação e união das duas
Grandes Lojas inglesas é uma história a parte que merece ser cuidadosamente perscrutada.
Estabelecida a Grande Loja dos “Antigos”,
em 1772, procurando demonstrar a sua rivalidade para com a primeira Grande
Loja, ela elaborou uma lista de pontos que estavam em desacordo com os “Modernos”,
dos quais alguns, como se verá a seguir, mostram-se relevantes na evolução dos
cargos em Loja desde os tempos de rivalidade até o Ato de União de novembro de 1813.
Venerável Mestre – Em relação a esse cargo,
os irlandeses da Grande Loja dos Antigos desaprovavam com veemência o fato de que
os “Modernos” ignoravam a prática de instalação do Venerável na cadeira da
Loja, principalmente porque os Antigos tinham nessa cerimônia um meio de acesso
ao Arco Real, uma espécie de extensão do mestrado considerada como tradição para
os irlandeses. Sobre isso, alguns autores até mesmo afirmam que os “Antigos” o
consideravam como um grau relacionado à cúpula da Maçonaria.
Considerações à parte, e segundo respeitáveis tratadistas, o Arco
Real foi inserido nas práticas dos “Antigos” por Lawrence Dermott com o fito de
chamar atenção e cooptar obreiros para a sua Grande Loja que rivalizava com a dos
Modernos.
Sob esse artifício, Dermott adaptou uma lenda que, em linhas gerais,
trazia na sua narrativa o conto sobre uma abóbada que fora encontrada intacta sob
as ruínas do Templo de Jerusalém, etc., etc. Isso sem dúvida causou uma ótima impressão
nos maçons da época que acorreram para ingressar e engrossar as fileiras da Grande
Loja dos Antigos.
Em um aparte sobre esse fato, note-se que a curiosidade e procura
de novidades não é apenas atributo dos latinos.
Sobre a instalação do Venerável Mestre na cadeira da Loja, até
1760 não é encontrado nenhum vestígio dessa cerimônia secreta em solo inglês,
contudo não há dúvida que ela, estruturada como extensão de grau, já era admitida
entre os autodenominados “Antigos”. Assim, pelo interesse que ela já despertava
na comunidade maçônica, a mesma não tardaria a se impor também entre os “Modernos”.
Infelizmente ainda existem maçons na atualidade que “acham” que o Mestre
Instalado é um grau maçônico – confundem, grau com cargo e título distintivo.
Diáconos – Outro ponto conflitante entre as duas Grandes
Lojas era o de que os “Modernos” ignoravam a existência dos Diáconos.
Ressalte-se que os cargos de 1º e 2º Diáconos não são os do
Diácono que aparecia em certas ocasiões nas corporações de pedreiros escocesas do
século XVII. Como aqui já abordado, em algumas corporações de construtores da
Idade Média o Diácono era o líder do canteiro e não um mensageiro ou mesmo um
guia.
A bem da verdade, na Inglaterra os 1º e 2º Diáconos não são mencionados
na primeira constituição dos “Modernos” (1723). Como guias e mensageiros eles
devem o seu aparecimento na Inglaterra à Maçonaria Irlandesa, cuja qual, que
desde 1733 já trazia esses cargos nas suas Lojas. Fala-se na presença dos Diáconos
numa procissão maçônica trazendo às mãos uma vara, ou bastão. Em 1753, entre os
“Antigos”, eles aparecem como oficiais inferiores da Loja, hierarquicamente logo
abaixo dos Vigilantes.
Embora no princípio desconhecidos dos “Modernos”, pouco a pouco,
os Diáconos irão se estabelecer nas suas Lojas, de tal modo que mesmo antes da
união das duas Grandes Lojas rivais eles já são encontrados nas Lojas por volta
de 1810, trazendo cada qual um bastão negro com uma joia prateada no topo. Certamente
As Três Batidas Distintas na Porta da Antiga Maçonaria, revelação atribuída
aos “Antigos” que apareceu por volta de 1760, também contribuiu para a fixação
dos Diáconos entre as Lojas dos “Modernos”.
Cobridor Externo. Dentre os primeiros cargos que
constituíram as Lojas maçônicas especulativas do século XVIII, encontra-se o
cargo do Tyler, ou o Telhador, que ficaria também conhecido por Guarda Externo.
Na Moderna Maçonaria, nascida em 24
junho de 1717 com a fundação da Premier Grand Lodge, o cargo de Telhador
(Guarda Externo) nela aparece inicialmente como uma dignidade que posteriormente
adaptou-se para ser um guarda nas Lojas, não obstante ele ainda possuísse outras
obrigações de ofício, como as de ser o responsável pelo envio pessoal de convocações
aos Irmãos e ainda traçar o Quadro da Loja quando da preparação do recinto para
os trabalhos maçônicos.
Paulatinamente o cargo de Tyler (Telhador ou Cobridor
Externo) foi se fixando nas Lojas inglesas. Em 1813, após a união entre duas
Grandes Lojas rivais que resultou no aparecimento da Grande Loja Unida da
Inglaterra, aparece, ao lado do Tyler, mais um Cobridor, porém este agora
pelo lado interior do recinto e que ficou conhecido como Guarda Interno ou o Inner
Guard (guarda do interior).
Desse modo, após a União de 1813 é inegável que boa parcela dos
principais cargos da Loja foi emprestada dos “Antigos” e logo adaptada nos
trabalhos do Craft. Essa principal estrutura então se fundamenta sobre os cargos
de Venerável Mestre ou Mestre da Loja, Vigilantes ou Wardens, Tesoureiro,
Secretário, Diáconos (ancestrais mensageiros oficiais de chão) e Cobridores.
Não menos importantes, outros cargos também aparecem nas
cerimônias que são demonstradas após 1813, especialmente a partir de 1823 pela Emulation
Lodge of Improvement. Incluem-se nos Trabalhos do Craft, ainda os cargos de
Diretor de Cerimônias, Capelão, Esmoler, Diretor de Caridades, Organista e alguns
assistentes de cargos quando necessários.
Moderna Maçonaria Francesa - No que diz respeito aos
cargos em Loja na vertente francesa de maçonaria, cabe de antemão esclarecer que
a sua Maçonaria Especulativa, ou dos Aceitos, floresceu em meados do século
XVIII.
Sua estrutura de cargos foi em grande parte baseada na maçonaria
inglesa, sobretudo os cargos de Venerável Mestre, Vigilantes, Cobridores, Tesoureiro,
Secretário e Diáconos, não obstante possa existir de acordo com o rito
substanciais diferenças na execução dos seus trabalhos ritualísticos. Nesse
sentido poder-se-ia citar, por exemplo, o REAA (rito de origem francesa) onde os
Diáconos, diferente do costume inglês, atuam exclusivamente como mensageiros e
não portam bastão ou varas (canas).
Visando facilitar a compreensão desse tema, vale a pena antes expor
um breve relato sobre a história da Maçonaria Francesa em meados do século
XVIII.
Nessa época havia em solo francês dois ramos de maçonaria a
saber: um “stuartista”, alusivo ao escocesismo (movimento político que
nascera no norte da França para a retomada do trono inglês), livre e que não se
sujeitava a nenhuma obediência, e o outro, dependente da Primeira Grande Loja inglesa
conhecida como os “Modernos” de 1717.
Ressalte-se que à época a França desconhecia por completo a prática
dos autodenominados “Antigos” ingleses de 1751. Desse modo, se consolidava em
solo francês a divisão entre as Lojas derivadas do “stuartismo” (com maior número)
e as submissas aos ingleses da Premier Grand Lodge, essa com número
substancialmente inferior.
Com o progresso das Lojas “stuartistas” que aumentavam progressivamente
em número - provavelmente por maçons atraídos pelos altos graus - pleiteou-se
em 1735 da necessidade de se eleger um Grão-Mestre para toda a Maçonaria Francesa.
Assim em 24 de junho de 1738, dia de São João Batista, numa assembleia
geral é conferido ao Duque D’Antain o título de “Grão-Mestre Geral e Perpétuo
dos Maçons do Reino da França”.
Com isso era então plantado o germe de uma Grande Loja em solo
francês que seria denominada Grande Loja da França. Destaque-se que essa Grande
Loja somente viria aparecer oficialmente vinte e sete anos depois, em 1765.
Comentários a parte, esse acontecimento libertava definitivamente
a Maçonaria Francesa dos grilhões da Maçonaria Inglesa, o que obviamente descontentou
sobremaneira o egocentrismo inglês que, já naquela época, se auto intitulava o “Vaticano
da Maçonaria” – vide o registro desse descontentamento inglês em anotação da segunda
Constituição de Anderson, a de 1738.
Com a morte do Duque D’Antain em 1743, assume o grão-mestrado na
França o Conde de Clermont – Louis de Bourbon Condé.
A gestão do sucessor D’Antain caracterizou-se pelo desinteresse pela
Ordem, razão pela qual Clermont acabou nomeando prepostos para o seu lugar. Com
cada preposto exercendo a totalidade do seu poder, sobretudo pelas as oposições
que entre si provocavam, o resultado foi o do fraccionamento da Grande Loja.
Desafortunadamente essa atitude trouxe graves consequências para
a Maçonaria Francesa, a tal ponto de ter vários dos seus maçons expulsos e
ainda ter as suas reuniões proibidas pela autoridade real até 1771.
Com a morte do Conde de Clermont em 1771, e com o aval do Duque
de Luxemburgo, assume o grão-mestrado francês o Duque de Chartres, que era primo
do Rei da França.
Chartres, tal como Clermont, também não se interessava muito
pelas coisas da Ordem, contudo, ao contrário de nomear prepostos, deixou a administração
da Grande Loja para Duque de Luxemburgo. Na verdade, a intenção era a de reintegrar
muitos dos maçons expulsos pela crise anteriormente deflagrada, bem como aproveitar
o prestígio do Duque de Chartres, por ser primo do rei, para reerguer a
combalida Maçonaria Francesa.
Então, em agosto de 1771 inicia-se uma reforma administrativa na
Maçonaria Francesa. Para tal é criada uma comissão composta por maçons
reintegrados às fileiras da Ordem e por membros do Conselho dos Imperadores do
Oriente e do Ocidente (escocesismo). O objetivo dessa comissão era promover uma
extensa reforma administrativa elaborando estatutos e reorganizando os altos
graus que surgiam de maneira descontrolada em solo francês. Desse modo, em 24
de dezembro daquele ano, em assembleia administrativa era declarada extinta a
Grande Loja da França.
No ano seguinte, em 1772, essa mesma comissão criava uma nova
Obediência que seria nominada por Grande Loja Nacional da França, contudo, em 22
de outubro daquele mesmo ano, a Grande Loja se reúne em assembleia geral e adota
o nome de Grande Oriente da França.
Objeto dessa reforma, o Grande Oriente da França traz consigo
uma grande inovação administrativa introduzindo na França a chamada “democracia
maçônica”, baseada num Poder Central assessorado por um grupo de deputados de
todas as suas Lojas. A partir daí essa tem sido uma característica de todos os
Grandes Orientes espalhados pelos países.
E assim segue a história da Maçonaria Francesa onde o Grande
Oriente da França, no trajeto da sua existência, passará ainda por muitos acontecimentos
relevantes, a exemplo do da Revolução Francesa no ano de 1789 onde atuaram maçons
nos dois lados da contenda, assim como o do ano de 1877 quando o Grande Oriente
se coloca em contraposição ao teísmo em respeito à liberdade de consciência dos
homens.
Assim conclui-se esse breve relato histórico pertinente à
Maçonaria Francesa no século XVIII e início do XIX.
Ritos Franceses - É nesse contexto da Maçonaria
Francesa que no século XVIII e início do XIX aparecem e se consolidam os seus principais
ritos.
Dos seus primórdios pode-se citar o Rito Francês, ou Moderno - criado
em 1761, constituído em dezembro de 1772 e proclamado pelo Grande Oriente da
França em 09 de março de 1773; o Rito Adonhiramita - criado a partir da
Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita de 1781 e publicada em 1782;
REAA, cujo primeiro ritual simbólico somente apareceria em 1804 e
posteriormente publicado em 1821 no Guia dos Maçons Escoceses.
Cada rito que se consolidava na França trazia, além das características
maçônicas universais, também as suas próprias particularidades litúrgicas, ritualísticas
e de distribuição de cargos. Em síntese, cada qual trazendo o seu próprio ritual
e o seu particular modus operandi.
A despeito da existência dessas diferenças, todos os ritos
sempre trabalham em prol de um mesmo objetivo – o do aprimoramento humano.
Cabe salientar que não só entre as vertentes maçônicas, mas também
entre ritos da mesma origem, alguns cargos podem existir, enquanto em outros
não.
No que diz respeito aos cargos universais, isto é, os comuns em
qualquer vertente (inglesa ou francesa), trabalho ou rito, são o de Venerável
Mestre (ou Mestre da Loja), Vigilantes (ou Wardens), Diáconos (em alguns
casos), Cobridores, Secretário e Tesoureiro.
Além dos cargos universais, os ritos de origem francesa também trazem
os cargos de Orador (fiscal da lei), Mestre de Cerimônias (exerce atividade diferente
da do Diretor de Cerimônias inglês), Expertos, Chanceler, Hospitaleiro e,
dependendo do rito, ainda outros cargos (Mestre de Harmonia, Bibliotecário,
Mestre de Banquetes, Arquiteto, etc.). Reitera-se que na Maçonaria Francesa os
cargos de Loja se constituíram nos séculos XVIII e XIX com a profusão dos ritos
e o aperfeiçoamento dos seus rituais.
Ainda uma das características dos ritos de origem francesa é a de
classificar os seus cargos principais como Luzes da Loja (3), Dignidades da Loja
(5) e os Oficiais – esses últimos em quantidade conforme o rito.
Nessa classificação, o Venerável Mestre e os dois Vigilantes são
as Luzes da Loja. Estas estão somadas ao Orador e ao Secretário perfazem as cinco
Dignidades. Além das Luzes e Dignidades são necessários pelo menos mais dois
Mestres Maçons ocupando cargos para abrir a Loja (três governam a Loja, cinco a
compõe e sete a completam). A Moderna Maçonaria exige o mínimo de sete Mestres
Maçons para se abrir uma Loja, destacando que dentre eles esteja presente o
Cobridor Interno.
Já a vertente inglesa trata o Mestre da Loja (Venerável) e os Wardens
(Vigilantes) como Principais Oficiais (3). Ainda o Cobridor Interno e os
Diáconos como Oficiais Ajudantes (3), mais o Tyler (Cobridor Externo).
Outros cargos se distribuem conforme o working (Secretário, Tesoureiro,
Capelão, Esmoler, Mestre de Caridade, Diretor de Cerimônias, Organista). A
estrutura de cargos de Loja da Moderna Maçonaria Inglesa se consolidaria após o
Ato de União de 1813.
É também um dos apanágios da vertente inglesa possuir uma
cerimônia de Instalação para conduzir o Mestre da Loja ao trono. Quando o
Mestre da Loja deixa o cargo por ter cumprido o mandato ele é o Imediate Past
Master, depois disso é o Past Master.
Indevidamente esse costume - original da Maçonaria Inglesa -
acabou parando nos ritos da vertente francesa de algumas Obediências espalhadas
pelo mundo. Originalmente, na França não existe cerimônia de Instalação e nem a
figura do Mestre Instalado. O Venerável ao deixar o cargo é o Ex-Venerável mais
recente e, posteriormente, o Ex-Venerável.
É bem verdade que nos meados do século XX uma Obediência francesa
(lá existem três), provavelmente para agradar e receber o reconhecimento
inglês, adotou inapropriadamente a Instalação até em ritos que não a possuem. Como
consequência, esse enxerto acabou se espalhado por outras Obediências ao redor
do Terra. É o caso do Brasil, por exemplo, onde o REAA, que é um rito de origem
francesa, receber uma indevida cerimônia de Instalação. Mesmo enxertada essa
prática acabou se tornando consuetudinária, sendo comum no Brasil se tratar os Ex-Veneráveis
como Mestres Instalados - contudo esse não é o mote desse escrito.
Por fim, eram esses os comentários a respeito do ancestral aparecimento
dos cargos em loja na Moderna Maçonaria. Procurou-se tomar por base a Maçonaria
primitiva da Escócia do século XVII, bem como na sequência a Moderna Maçonaria
inglesa e francesa.
Em que pese os primeiros registros ritualísticos para dois graus
se encontrarem datados de 1696 no Manuscrito dos Registros da Casa de Edimburgo
(Edimburg Register Hause), na Escócia, não há dúvida que os ritos maçônicos
se construiram proficuamente nos séculos XVIII e XIX para chegarem até os nossos
dias com as suas riquíssimas formas de trabalho exaradas pelos rituais autênticos.
Ao concluir sugiro para estudos o
roteiro bibliográfico seguinte:
DACHEZ, Roger e BAUDIGNON, Thierry. Cargos em Loja da Maçonaria e
Dignidades Maçônicas na Grã-Bretanha do Século XVII até os nossos dias.
Tradução – José Filardo. Publicado no Blog o Ponto e o Círculo. 2021
CARR, Harry. Seiscentos Anos de Rituais. Conferência. Tradução Paulo
Daniel Monteiro.
CARR, Harry. O Ofício do Maçom, Editora Madras, São Paulo.
CASTELLANI, José. A Maçonaria Moderna. A Gazeta Maçônica.
SP. 1987
JONES, Bernard E. Freemason’ Guide and Compendium.
George G. Harrap & Ltd. London. 1950.
T.F.A.
PEDRO JUK
http://pedro-juk.blogspot.com.br
ABRIL/2021
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