quinta-feira, 2 de maio de 2019

RELAÇÃO ENTRE DISPOSIÇÃO DE CARGOS ENTRE O SIMBOLISMO E OS ALTOS GRAUS NO REAA


Em 07/12/2018 o Respeitável Irmão Olinto Silveira, Loja Templários da Arte Real, 44, MRGLSC (CSMB), Oriente de Blumenau, Estado de Santa Catarina, apresenta a dúvida seguinte:

DISPOSIÇÃO DOS CARGOS EM LOJA – SIMBOLISMO E ALTOS GRAUS.


Sou grau 33 e estou a desenvolver um trabalho sobre os rituais dos altos graus.
Notei que, sem qualquer esclarecimento do por que, a disposição dos cargos em
Loja difere daquela dos graus simbólicos (estes esclarecidos pela astronomia) na Perfeição, que difere do Capítulo, que difere do Kadosh.
Pergunto se o Irmão tem informação que esclareça a razão disso, porque apesar da ampla literatura a que tive acesso, ninguém a esclareceu.
Na Perfeição, por exemplo, coloca-se o Orador e Secretário no mesmo lado Norte, o que me parece equivocado.
Enfim, tens alguma explicação que nos possa ajudar a elucidar esta questão?
Antecipadamente grato pela atenção,

CONSIDERAÇÕES.

Em se tratando do REAA existe um aspecto importante a se considerar nesse particular, sobretudo em se levando em conta que esse Rito formalizou esse nome a partir da fundação do Primeiro Supremo Conselho (Mãe do Mundo), o que se deu em Charleston na Carolina do Sul (EUA) no ano de 1801.
Originário da França (Rito de Héredon com 25 graus) ele recebeu na América do Norte o acréscimo de mais alguns graus o que lhe deu um total de 33 graus, ficando conhecido como Rito Escocês Antigo e Aceito (na Europa conhecido como Rito Antigo e Aceito).
Na realidade é mister se considerar que quando fora ele criado e intitulado por REAA no ano de 1801 e com 33 graus, verdadeiramente ele não possuía graus simbólicos, porém trazia no seu conteúdo uma performance iniciática dita “graus superiores” que vai do 4º grau até o 33º, enquanto que para os três primeiros graus do franco-maçônico básico (simbolismo) o Rito se servia das Lojas Azuis do Craft norte-americano, cujos trabalhos haviam sido organizados por Thomas Smith Webb e baseados nos costumes dos Antigos de 1751 na Inglaterra (vide história dos Antigos e Modernos ingleses). Assim o escocesismo na América do Norte com seus 33 graus possuía, digamos, os três graus simbólicos influenciados pela Maçonaria anglo-saxônica (Blue Lodges), enquanto que os demais, embora acrescidos por uma Constituição “forjada”, eram influenciados pela Maçonaria francesa (Rito de Héredon). É bom que se diga que até nos dias atuais é comum se ver maçons norte-americanos do REAA praticando os três primeiros graus nas Lojas Azuis.
Em 1802, entretanto, apareceria, agora na França, o Segundo Supremo Conselho do REAA. Com a formalização do escocesismo como Rito em solo francês, urgia a necessidade de se criar rituais simbólicos para o Rito, já que distante da América do Norte e das Blue Lodges, a França não conhecia o sistema dos Antigos ingleses de 1751, pois a Maçonaria francesa, diferente da norte-americana, trabalhava nos moldes dos Modernos ingleses de 1717 (vide a história dos Antigos e Modernos na Inglaterra). Em síntese, a Maçonaria francesa desconhecia a forma de trabalhar da Grande Loja dos Antigos de Lawrence Dermott, aquela praticada pelas Lojas Azuis das Grandes Lojas dos Estados Unidos da América do Norte, também falsamente conhecido como York Americano. De pronto não há como não se desconsiderar as substanciais diferenças ritualísticas entre os “antigos e os modernos” ingleses.
Com isso a Grande Loja Mãe Escocesa situada em França começou a se preparar para implantar um simbolismo original para o REAA, já que a liturgia das Lojas Azuis era inapropriada para aquela situação na França que, por sinal, a desconhecia por completo. Assim, em 1804, sob a égide do Grande Oriente da França apareceria para o REAA o seu primeiro ritual simbólico. Contudo, esse ritual ainda sofreria influência da Maçonaria praticada pelas Blue Lodges, isso porque ele surgiu pelas mãos de maçons franceses que retornavam da América do Norte para a França. Esses maçons, como já comentado, quando em solo norte-americano praticavam os três primeiros graus das Lojas Azuis, cujos trabalhos eram fortemente influenciados pelos “antigos” da Maçonaria anglo-saxônica.
Foi por esse motivo que o REAA (rito comprovadamente de origem francesa) naturalmente acabou tendo no seu primeiro ritual simbólico influências trazidas da prática dos “antigos”, o que acabou ficando como uma marca do Rito, ou seja, com um sistema dos altos graus originários da França e um simbolismo que, mesmo nascido em França, trazia em parte costumes da Maçonaria anglo-saxônica. Essa característica fez do REAA um rito de duas vertentes – a vertente francesa e a anglo-saxônica (em parte no seu simbolismo).
A despeito de o próprio nome do Rito trazer em si ascendência dos “antigos”, seguem, dentre outros, dois exemplos práticos relacionados aos “antigos” que perduram até hoje na liturgia e na decoração do Templo no escocesismo. São eles, o lugar do Segundo Vigilante na Loja, e a posição direita-esquerda das Colunas Vestibulares.
No tocante ao Segundo Vigilante, observe-se que nos ritos de origem francesa, sobretudo os mais conhecidos entre nós, como o Adonhiramita e o Moderno, o Segundo Vigilante é colocado no Ocidente em simetria com o lugar do Primeiro Vigilante, enquanto que no REAA, mesmo sendo ele de origem francesa, o Segundo Vigilante, à moda anglo-saxônica, tem lugar no meridiano do Meio-Dia.
No que diz respeito às Colunas Vestibulares, geralmente a Maçonaria francesa traz a Coluna “J” colocada a esquerda de quem entra no Templo e a “B” à direita, entretanto o REAA, mesmo sendo ele de origem francesa, “B” fica à esquerda e “J” à direita de quem entra - como geralmente acontece na Maçonaria anglo-saxônica.
Em síntese, foi a Maçonaria francesa a responsável por colocar os dois Vigilantes no extremo do Ocidente - de modo simétrico, um a noroeste e outro a sudoeste. Aliás, isso pode ser constatado em boa parte dos graus superiores do REAA. Já a Maçonaria inglesa (anglo-saxônica), que não possui graus superiores à moda do escocesismo, coloca um Vigilante ao centro, a Oeste, e outro na porção mediana da sala, ao Sul.
De modo generalizado, essa posição é praticamente adotada em todo o mundo no simbolismo do REAA, onde o Segundo Vigilante fica ao Meio-Dia e o Primeiro Vigilante no extremo do Ocidente, mas um pouco deslocado a noroeste.
Essas então foram algumas colocações necessárias para se entender o desenvolvimento dos rituais, sobretudo a partir do final do século XVIII e início do século XIX.
A despeito de que as suas colocações questionam o porquê das diferenças existentes entre os lugares no simbolismo e nos graus superiores do REAA, de momento eu não teria nenhuma afirmativa laudatória para lhe dar, senão mencionar que a explicação para essas diferenças podem estar relacionadas às mensagens doutrinárias de cada grau, assim como nas suas respectivas lendas e alegorias.
Assim, sem a pretensão de dar uma resposta laudatória, deixo aqui algumas outras considerações que se relacionam com o corolário doutrinário da Maçonaria, em especial ao escocesismo que, no meu entender, poderão trazer subsídios para no futuro esclarecer essa questão.
Não obstante às colocações históricas e as influências dos dois sistemas de Maçonaria (o inglês e o francês), no simbolismo (palavra que só apareceria na França no início do século XIX), o Templo, ou Sala da Loja (título dado conforme a vertente maçônica) representa uma oficina onde os Maçons trabalham buscando seu aperfeiçoamento interior. Essa labuta simbólica segue nos três primeiros graus as três etapas de evolução do pensamento humano – intuição (Aprendiz), análise (Companheiro) e síntese (o Mestre).
De fato, a alegoria e os adereços relativos ao Templo simbólico foram preparados para instigar no Maçom o interesse pela investigação da Natureza. Também é certo que a Astronomia, como uma das Sete Ciências e Artes Liberais da Antiguidade seja matéria de estudo do iniciado, entretanto ela não é propriamente a responsável – como é citado na sua questão - pela distribuição e disposição dos lugares dos cargos nas Lojas simbólicas.
Muito embora alguns respeitáveis autores até associem alguns cargos com os astros no firmamento, essa associação, consoante ao rito praticado, é apenas mística e não a responsável por eleger e distribuir o lugar dos cargos na Loja. Assim, embora sugestivo para o misticismo maçônico, o lugar das Luzes, Dignidades e Oficiais nos Templos do REAA não é propriamente astronômico, mas é o de seguir, em muitos aspectos, parâmetros associados à Lenda do Terceiro Grau.
É também verdade que os cargos e seus respectivos lugares nas Lojas simbólicas da maioria dos ritos maçônicos representam a organização de uma guilda que abriga dirigentes e operários especulativos que trabalham para um bem comum. Especulativamente a Moderna Maçonaria desbasta as asperezas do homem para torna-lo digno de pertencer a uma sociedade virtuosa. Os operários da guilda reunidos na Loja distribuem-se conforme as suas aptidões, portanto pormenores como esse, que nada tem a ver com a Astronomia, também determinam no espaço da Loja o lugar e a função de cada obreiro.
Outra consideração importante nesse sentido é a de que o espaço utilizado pela Loja de há muito fora idealizado e passou por inúmeros processos de aperfeiçoamento. Historicamente isso se deu desde os tempos operativos (Maçonaria de Ofício) até os tempos especulativos (Maçonaria dos Aceitos), desse último ainda, os Templos da Moderna Maçonaria.
Dentro desse contexto é também inegável que a Maçonaria recebeu forte influência da Igreja, tendo na oportunidade o clero como seu principal protetor. Inquestionavelmente essa influência religiosa foi também um dos fatores determinantes para dar forma organizacional aos Templos Maçônicos.
Ainda por esse mesmo viés, houve forte influência da religião hebraica, sobretudo no Rito Escocês Antigo e Aceito.
Além das influências de costumes religiosos, também é inegável que boa parte da disposição do mobiliário de um Templo Maçônico fora herdada do Parlamento Inglês. É bom que se diga que a Maçonaria tem aproximados 800 anos de história e que o primeiro Templo maçônico da Moderna Maçonaria (Freemason’s Hall) somente viria ter a sua pedra fundamental nos meados do século XVIII em Londres.
Dados esses comentários, vamos agora abordar algum aspecto que, nessa linha, diga respeito aos graus ditos “superiores” do Rito Escocês Antigo e Aceito.
Nesse sentido, eu entendo que a acomodação do mobiliário de alguns lugares no espaço da Sala da Loja dos graus superiores, se dê também de conformidade com as propostas dos contos lendários que constituem as alegorias de cada grau da escola inefável, seja ela da Perfeição, do Capítulo ou do Kadosh (muito pouco do Consistório).
Como esse assunto, da minha parte, não possa ser tomado como laudatório, vou então tentar trazer algumas colocações que talvez sirvam a posteriori de “fio de Ariadne” para resolver essa questão.
Partindo do simbolismo, onde o Iniciado deve estar apto a compreender a evolução do pensamento humano - matéria basilar dos três primeiros graus - cabe ainda destacar que o simbolismo também lhe confere a capacidade de controle de si mesmo – das suas emoções e das suas paixões – o que lhe dá o autoconhecimento interior (ego).
A partir daí é que no escocesismo, em particular, se somam os altos graus que vão do 4º até o 18º, cujos mesmos propõem a saída do restrito conhecimento do ser humano, para ingressar no caminho do conhecimento cósmico – em síntese, constitui a identificação do Iniciado com o Universo pela aplicação do amor e da solidariedade.
Seguindo, os graus subsequentes (do 19º ao 30º) têm o caráter de harmonizar os ensinamentos adquiridos até então e, com isso, mostrar o caminho para a realização do Homem com tudo o que existe no Universo. É nesse sentido que o 30º grau se apresenta como uma espécie de síntese iniciática de todos os graus, o que faz dele ser doutrinariamente o mais importante dos altos graus, levando-se em conta de que pela própria denominação, os graus do 31º ao 33º são apenas administrativos (não iniciáticos).
Outra característica dos altos graus do escocesismo é a de evidenciar, até o 18º grau, uma sequência histórica da civilização hebraica. Demonstrada a partir da construção do primeiro Templo de Jerusalém (o de Salomão) até ao aparecimento do cristianismo no ano 70 da era atual (destruição total do terceiro Templo).
Não menos importante é a alegoria que envolve a construção do primeiro Templo (o de Salomão). Desde a morte simbólica de H\ A\, o grau de Mestre e muitos graus posteriores, até o 19º, se desenvolvem em torno desse importante personagem lendário e o seu ambiente de vida. Pertinente ao período da história hebraica, é abordado o final da construção do primeiro Templo, o exílio na Babilônia, a libertação e o retorno à Palestina, a construção do segundo Templo (o de Zorobabel), o cristianismo, a destruição de Jerusalém e do terceiro Templo (o de Herodes). Por fim o aparecimento da alegórica Jerusalém Celeste, dado que a terrestre estava em ruínas pela sua destruição.
Na sequência, os altos graus do escocesismo trazem inspiração templária (cristã), muito embora sem perder, em alguns aspectos, a influência hebraica. Dessa escola atende-se o “dever e a proteção da fé”. Nessas Lojas e/ou Câmaras, se constroem os ambientes de acordo com a alegoria idealizada em cada ritual.
Com isso, acredito que os ambientes e as decorações das Lojas, Câmaras e outros nominados, buscam representar o conteúdo filosófico das lições emanadas dos graus – sejam eles das Lojas Simbólicas, sejam eles dos Graus Superiores. Em todo esse contexto, entendo que cada ambiente adequa a sua decoração e a sua disposição topográfica conforme a proposta – a do conhecimento do Homem e a do conhecimento do Cosmos.
Concluindo, reitero que essas as colocações têm apenas o desiderato de despertar uma possibilidade para esclarecer a sua questão. Cada lugar, cada espaço, cada símbolo, é fruto de uma mensagem oriunda da organização doutrinária. Em Maçonaria nada subsiste por si só. Nela tudo se interliga para fazer sentido.


T.F.A.

PEDRO JUK


MAIO/2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário