domingo, 12 de março de 2017

CÂMARA DO MEIO

ENSAIO


I – INTRODUÇÃO.
Aproveitando a oportunidade pela qual tem se apresentado muitas súplicas a mim dirigidas por Respeitáveis Irmãos que buscam esclarecimento para as suas dúvidas, surgiu um tema relacionado à Loja de Mestre extraído de um pedido de opinião – a Câmara do Meio.
Embora se constitua em um título bastante corriqueiro no Terceiro Grau maçônico, ele é, entretanto, muito pouco racionalmente comentado, razão pela qual resolvi produzir esse modesto arrazoado na configuração de um ensaio que visa despertar uma preparação para instrução disciplinada, embora menos intensa que uma obra literária acabada.

II – DO TÍTULO.
Câmara do Meio é o título dado à Loja de Mestre na Moderna Maçonaria. Essa concepção começou a fazer parte do especulativo maçônico após o aparecimento do Terceiro Grau em 1.724 e sacramentado na segunda Constituição de Anderson em 1.738 relativa à Primeira Grande Loja (dos Modernos) em Londres.
Como uma Loja - exceto quando se relacionar ao título distintivo dado para uma corporação maçônica - só existe em trabalhos abertos, uma sessão maçônica aberta no Terceiro Grau adquire por extensão, o rótulo convencional de Câmara do Meio.

III – DO CONCEITO.
A alegoria da Câmara do Meio já está presente na Tábua de Delinear inglesa[1] (teísta) desde o Grau de Companheiro e se relaciona diretamente com o Livro das Sagradas Escrituras:
“A porta do lado do meio estava na parte direita da casa; e subiam por um caracol ao andar do meio e deste para o terceiro” (todos os grifos são meus) – Reis I, 6, 8.
Ainda em outra versão bíblica:
“A porta que levava à câmara do meio estava no lado sul da casa e por um caracol se subia ao segundo andar e deste para o terceiro (os grifos são meus).
O lado direito da casa, sob o ponto de vista do Átrio, corresponde ao Sul, ou Meio-Dia, enquanto que em relação ao termo “caracol” inserido nos textos bíblicos, evidentemente se refere à Escada em Caracol, cujo emblema possui alto valor simbólico já que essa “escada” de acesso lateral para “câmara” representa a dificuldade e a sinuosidade que o Obreiro tem que passar para atingir a Câmara do Meio (aperfeiçoamento), que nesse caso sugere o Santo dos Santos do Templo de Jerusalém.
À bem da verdade a alegoria “escada-câmara” alude ao elo que existe entre o “meio-dia” (juventude) e o final da jornada à “meia-noite” (maturidade e morte - o Mestre que ingressa no Oriente).
É dessa a relação maçônica existente entre a lenda da construção do Templo de Jerusalém e a Loja, mais especificamente ao Oriente da Oficina, que se explica o porquê de só se permitir o ingresso no Oriente em Loja aberta àquele que já tenha atingido a plenitude no simbolismo universal maçônico – o Mestre.
Graças também a essa alegoria maçônica é que os Companheiros no Templo (Loja) ocupam sempre a Coluna do Sul, já que pelo texto bíblico que dá origem ao apólogo, a porta que leva à Câmara do Meio (Loja de Mestre) simbolicamente está situada no Sul[2].
Diga-se ainda de passagem que na alegoria do Templo o mesmo era um conjunto constituído por três partes – a primeira se denominava Ulam (átrio) onde se formava a assembleia; a segunda chamada Hikal onde os sacerdotes desempenhavam as suas funções e por fim a terceira, nomeada Debir (santuário) onde era depositada a Arca de Aliança.
Com o advento da criação do grau de Mestre e por extensão da Lenda do Terceiro Grau cujo anfiteatro se dá no lendário Templo de Jerusalém é que se desenvolveria o arcabouço doutrinário e filosófico do simbolismo da Moderna Maçonaria que passaria definitivamente a associar especulativamente o aprimoramento do Homem com a construção do Templo interior – a Obra perfeita dedicada a “Deus”. Daí a relação metafísica incondicional e sucessiva entre os três Graus cuja jornada parte do Ocidente em direção à Luz do Oriente – Intuição, Análise e Síntese.
Nesse sentido não se poderia mencionar a Câmara do Meio sem considerar, sob o ponto de vista histórico e iniciático, a sua relação com o grau de Companheiro como penúltimo estágio do aprimoramento – Do pórtico ao Sul em direção à Câmara do Meio onde se situa a Árvore da Vida, local onde o Mestre pode então inquestionavelmente assim afirmar: “A A\M\É C\”.
Vale a pena ainda mencionar que essa alegoria constituída pela tríade Escada em Caracol, Templo de Jerusalém e Câmara do Meio é valida apenas para o simbolismo da Moderna Maçonaria, já que esse conjunto emblemático, bem como a Lenda de Hiran, não corresponde ipsis litteris à completa realidade descrita no texto bíblico.

IV – DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O termo “Câmara do Meio” é em Maçonaria uma espécie de Nec Plus Ultra, cuja característica filosófica envolveu conhecimentos racionais que determinaram regras e fundamentos do pensamento enquanto era urdido o método e a chave destinada para se reencontrar a Palavra Perdida (o conhecimento real, nunca o aparente).
Essa é a razão que pode, na ordem natural dos fatos, explicar o termo “Câmara do Meio” em Maçonaria. Daí pela “ordem natural” que envolve a construção do Templo e a Lenda do Terceiro Grau, os Aprendizes ocupam o Norte, Companheiros o Sul e os Mestres o Oriente donde dali simbolicamente ele (o Mestre) parte para qualquer das latitudes e longitudes terrenas (o Ocidente da Loja entre o Esquadro e o Compasso).
Assim, em se bem compreendendo a Arte, a Câmara do Meio traz a baila e desfaz todas as ilações temerárias produzidas por aqueles que de quando em quando lançam irresponsavelmente sementes ao vento tentando, por exemplo, inverter a circulação e a localização dos Aprendizes e Companheiros na Loja. Para esses incautos poder-se-ia então perguntar: e o pórtico da Câmara do Meio? Invertendo os escritos bíblicos, ele passaria do Sul para o Norte? Como então ficaria a referência feita à construção do Templo mencionada nas Escrituras? Essa menção seria subvertida? Biblicamente o Meio-Dia passaria para o Norte? Contar-se-ia então uma nova Lenda com Hiran tentando fugir do primeiro algoz pelo Norte?
Afinal, se os fatos têm a sua razão de ser, é porque certamente nada fora arquitetado casualmente.




    Pedro Juk

Setembro de 2.014 - Equinócio de outono no hemisfério Norte






[1] Tábua de Delinear é o Painel da vertente inglesa de Maçonaria que não raras vezes muitos rituais que envolvem ritos de origem francesa acabam por misturá-los, quando não, até mesmo substituí-los, ou mesmo inserir os dois painéis justificando a presença dupla com a invenção do título de “Painel Alegórico”. Cada uma das duas principais vertentes maçônicas (inglesa e francesa) possui nos três graus universais características alegóricas e simbólicas próprias. O painel a que se refere o texto é a Tábua de Delinear inglesa (Tracing Board) do Segundo Grau - aquele que mostra uma escada lateral em curva (caracol) que dá acesso no seu topo à Câmara do Meio.
Atenção: independente da vertente maçônica e as suas particularidades próprias, o título de Câmara do Meio é genérico para todo o Terceiro Grau maçônico, seja ele de qual Rito ou Trabalho venha a pertencer. Assim também é a sua relação alegórica com o título que também será sempre aquele baseado na tradição da Tábua de Delinear do Segundo Grau (inglesa).
[2] Lado Sul. Para que não pairem dúvidas em relação ao ponto de vista “direita-sul” do Ocidente para o Oriente, o observador da gravura deve levar em conta que a Tábua de Delinear mencionada representa um compartimento à direita adjacente ao Templo. Obviamente que apesar da perspectiva sofrível da gravura, o importante é a mensagem simbólica contida no quadro. Note na base da escada o Segundo Vigilante pronto para obstar a passagem daquele que porventura não saiba ainda pronunciar a Palavra de Passe (aperfeiçoamento incompleto) – ao fundo a espiga de trigo junto a uma queda d’água sugere a senha inerente a essa Palavra.

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