Em 15/11/2017 o Respeitável Irmão
Marcelo Guazzelli, Loja Fraternidade VII, REAA, GORGS (COMAB), Oriente de
Caxias do Sul, Estado do Rio Grande do Sul, formula a seguinte questão:
LEITURA E ABERTURA DO LIVRO DA LEI
Prezado Irmão: tenho uma dúvida sobre a origem da leitura do Livro da
Lei nos graus simbólicos. Nossa potência (GORGS) em seu ritual determina a
leitura de trechos específicos para cada grau, mas questionados não tem
embasamento histórico, apenas afirmam que o REAA é de origem católica. E
aproveitando, alguns autores afirmam que
a prática da LEITURA só existe no
Brasil e que o correto seria tão somente a abertura do livro (Bíblia). Isso
procede?
CONSIDERAÇÕES.
No que diz respeito
ao verdadeiro Rito Escocês Antigo e Aceito, a leitura de trechos pertinentes
nos três graus simbólicos se sacramentaram com a evolução dos rituais franceses
no século XIX.
Há que se observar
que o primeiro ritual do simbolismo para o REAA\ somente apareceria
na França no ano 1804 elaborado por maçons franceses de retorno dos Estados
Unidos da América do Norte ao solo francês.
Em linhas gerais, nos
primeiros anos de existência dos rituais simbólicos escoceses ainda não existia
leitura específica de trechos do Livro da Lei, sendo que essa prática
esporádica, copiada de outros poucos sistemas, foi paulatinamente sendo
introduzida no Rito Escocês até que a mesma definitivamente se sacramentasse com
a leitura universal no Rito de trechos em São João para o Grau de Aprendiz, em
Amós para o Companheiro e em Eclesiastes para o Grau de Mestre.
O REAA\ é muito conhecido na Europa como
Rito Antigo e Aceito e também Rito dos Maçons Antigos e Aceitos. O termo
“escocês” foi adquirido na França como identificação dos maçons jacobitas
exilados na França no período pós-revolução puritana de Cromwell que ocorrera
na Inglaterra (vide a história verdadeira do escocesismo). Em síntese o Rito
Escocês Antigo e Aceito não é um rito oriundo da Escócia, assim como a Grande
Loja da Escócia também nada tem a ver com o Rito Escocês.
Embora uma das
origens do escocesismo esteja ligada diretamente aos Stuarts, reis católicos jacobitas, a influência religiosa
deixada pela Igreja Católica não é apanágio apenas do REAA\, mas de toda a Maçonaria, que
nascera nas associações de construtores da Idade Média e eram protegidos pelo
clero.
Sem dúvida alguma,
foi dessa influência religiosa de origem que surgiu a obrigatoriedade de
existir em quase toda a Moderna Maçonaria a presença da Bíblia nos trabalhos
das Lojas Maçônicas, independente do rito.
Com o advento da Moderna
Maçonaria (sistema obediencial em 1.717) instituiu-se também, além da presença
da Bíblia, o do livro religioso pertinente à fé de Irmãos que necessariamente não fossem cristãos, pois para se pertencer
à Maçonaria o imprescindível não é a religião, mas a crença em Deus.
Assim, cada rito
maçônico possui, nesse sentido, a sua particularidade. No caso do REAA\ o Livro é aberto com a leitura de
trechos específicos. Outros ritos, entretanto, apenas abrem o Livro sem nele
efetuar qualquer leitura, enquanto que outros ainda, apenas o mantém a vista de
todos, mas fechado.
Existe ainda o caso
do Grande Oriente da França que não adota nenhum livro religioso, tratando essa
questão como particularidade dos seus membros. Obviamente que isso não deve ser
confundido como prática de ateísmo, pois o que não é adotado é um livro
religioso, contudo a crença em Deus continua sendo um dos seus landmarks. No
lugar de livros religiosos, inclusive da Bíblia, o Grande Oriente da França
adota o Livro das Constituições.
No que diz respeito
ainda ao Rito Escocês Antigo e Aceito e o seu simbolismo, ratifica-se que
atualmente em todo o mundo a abertura do Livro da Lei deveria se dar no
Evangelho de São João no Primeiro Grau, em Amós no Segundo e em Eclesiastes no
Terceiro – diferenças que porventura existam não estão de acordo com as suas
origens.
Antes de comentar especificadamente a
leitura do Livro da Lei na abertura dos trabalhos do REAA\ aqui no Brasil, seguem alguns
comentários alusivos às leituras do Livro da Lei na Maçonaria de modo geral.
Independente de
Ritos ou Trabalhos, o costume da leitura nas Lojas durante a abertura do Livro das Sagradas
Escrituras são mesmo dignas de apreciação. Por exemplo, em 1.762, época em que
não havia ainda o REAA\, em um catecismo
inglês do Craft aparece leitura do Livro da Lei mencionando o apóstolo Pedro
(tu és pedra) no Grau de Aprendiz, Juízes 12 no de Companheiro e Reis 17 no
Grau de Mestre. Ainda, conforme outro catecismo dessa mesma época e utilizado
pela Grande Loja dos Modernos, a Bíblia era aberta no Evangelho de São João
durante a obrigação prestada pelo Aprendiz. No final desse mesmo século (XVIII)
encontram-se aberturas em Crônicas II, 2.
Na edição do Gilkes Ritual inglês no Trabalho de Emulação não era prevista nenhuma
leitura em lugar específico, o que persiste na Maçonaria inglesa até o
presente, embora tenham existido algumas tentativas, já no século XX, de se
incluir a abertura em Crônicas II sob a alegação de que o modo seria mais
apropriado para o sistema Inglês – isso não vingou.
No que diz respeito
à leitura do Salmo 133 no primeiro Grau, de Amós 7 no Segundo e de Eclesiastes
12 no Terceiro, esse costume surgiria na mesma Inglaterra, no Yorkshire, entretanto
seria logo abandonado em definitivo na Grã-Bretanha.
Já a Maçonaria Norte-americana por
ser de raiz inglesa e conhecida por alguns Irmãos como Rito de York Americano, nele,
mais precisamente nas suas Lojas Azuis (simbolismo), a exemplo do ritual da Grande
Loja de Nova York baseado no Ducan’s
Ritual, para admissão do Aprendiz consta a leitura do Salmo 133, não
propriamente na abertura do Livro da Lei, mas em uma passagem ritualística durante
a perambulação do candidato. Há que se destacar nesse sentido que as Lojas
Azuis são de raiz inglesas e nada têm a ver com o REAA\ que é como já comentado,
genuinamente de origem francesa.
Retomando a
apreciação sobre o Livro da Lei e o escocesismo, com base nesses breves
comentos, destacamos que aqui no Brasil algumas Obediências para a abertura do Livro
da Lei no Grau de Aprendiz do REAA\ equivocadamente e
na contramão da história, fazem-na lendo o Salmo 133 ao contrário do tradicional
Evangelho de São João que é o correto para o escocesismo.
Na realidade no Brasil a abertura
do Livro da Lei no REAA\ até o ano de 1952 era feita por
todas as Lojas no Evangelho de São João. Desafortunadamente nesse mesmo ano as
Grandes Lojas Estaduais brasileiras introduziram o Salmo 133 no lugar do tradicional
evangelho.
A decisão para esse anacronismo
deu-se por ocasião da Primeira Mesa Redonda das Grandes Lojas que foi realizada
no Estado do Rio de Janeiro no mês de junho de 1.952 sob o patrocínio da Grande
Loja daquele Estado. Inexplicavelmente, à moda latina dos que “acham que é mais
bonito”, ao longo dos anos de 1950 até 1960 o Salmo 133 também acabou sendo
adotado nas Lojas do REAA\ praticado no Grande Oriente do
Brasil - o que é lamentável e persiste até os dias atuais.
A explicação para a adoção desse
Salmo pelas Grandes Lojas brasileiras teve o seu embrião já em 1927, ano de
fundação das Grandes Lojas Estaduais brasileiras por Mário Marinho Béhring, quando
posteriormente ele seguiu na busca de reconhecimento para a sua recém-criada
Obediência nas Grandes Lojas Norte-americanas, cujas quais trabalhavam (e
trabalham até hoje), não no REAA\, mas nas Lojas Azuis do por aqui
conhecido Rito de York Americano e que é de origem inglesa.
Lembro que nos Estados Unidos da
América do Norte, como aqui já foi comentado, durante a Iniciação é proferido o
Salmo 133 por ocasião da perambulação do candidato a Aprendiz do Ofício nas
Lojas Azuis.
A busca e a efetivação desse
reconhecimento acabaram paulatinamente trazendo inúmeras práticas do Rito de
York norte-americano para dentro do escocesismo no Brasil, dentre as quais, a
partir de 1952, veio a da leitura do Salmo 133.
Infelizmente esse, e muitos
outros enxertos acabariam ingressando na prática do REAA\ aqui no
Brasil, inclusive no próprio Grande Oriente do Brasil que hoje adota
equivocadamente o Salmo 133 para a abertura das suas Lojas no Primeiro Grau do
escocesismo.
Atualmente, se não estou enganado, no Brasil adotam
a leitura correta na abertura do Grau de Aprendiz no REAA\ apenas
as Lojas pertencentes à COMAB.
Dadas essas
explanações, destaco em resposta à sua questão que o REAA\ universalmente adota leitura de
trechos do Livro da Lei (Bíblia) e de conformidade com o que fora aqui
mencionado.
De fato, existem
práticas litúrgicas diferentes entre os Ritos e Trabalhos maçônicos, portando
não há como se universalizar determinados procedimentos ritualísticos. Os Ritos
maçônicos seguem incontestavelmente a espinha dorsal única da Maçonaria, porém
as práticas neles demonstradas nem sempre se assemelham e dependem muitas vezes
do arcabouço doutrinário haurido da história e da cultura de cada Rito. Esse é um
detalhe dos mais importantes e que deve ser sempre levado em conta nas apreciações
acadêmicas relativas à Sublime Instituição – é mister nunca se generalizar os
fatos.
São esses os meus comentários
pertinentes.
T.F.A.
PEDRO JUK
FEV/2018