domingo, 30 de abril de 2017

DÚVIDAS RITUALÍSTICAS NO REAA

Em 21/03/2017 o Respeitável Irmão Tristão Antônio Borborema de Carvalho, Loja Obreiros de Abatiá, REAA, Grande Oriente do Paraná (COMAB), Oriente de Abatiá, Estado do Paraná, solicita os seguintes esclarecimentos:

DÚVIDAS SOBRE A LITURGIA DO REAA


Dileto autor, tenho algumas dúvidas sobre ritualística a sanar acerca do REAA, na nossa liturgia, que fomentam debates entre nossos obreiros. São cinco indagações, conquanto imagino que a resposta seja de cunho bem objetivo.
Primeira dúvida. Tema: sinal gutural e seu momento. No início da sessão, quando os obreiros ficam em pé defronte seus assentos e o Mestre de Cerimônias, após anunciar a composição da Loja e seu grau, também tomando seu assento, o Venerável Mestre assim pronuncia: "em loja, meus irmãos (faz uma pausa), sentemo-nos". No momento em que diz "em loja", já seria o momento adequado para fazer o sinal gutural? Ou deve ser feito em outro momento e a partir de quando será lícito fazê-lo?
Segunda dúvida: TEMA: toque e transmissão da palavra sagrada. No REEA, quando o primeiro Diácono recebe a palavra sagrada do Venerável Mestre, antes de levar ao Primeiro Vigilante, ele (Diácono) também dá o toque do grau ao Venerável ou somente recebe dele, antes dessa transmissão (da palavra sagrada)? Do mesmo modo, o Primeiro Diácono ao transmitir a palavra sagrada ao irmão Primeiro Vigilante, somente dá o toque do grau a ele ou também recebe? Em suma, o toque, no momento da transmissão entre as Luzes e os Diáconos é bilateral (recebe e retorna) ou unilateral (somente é dado por quem tem a palavra sagrada, sucessivamente, Venerável em relação ao Primeiro Diácono; Primeiro Diácono em relação ao Primeiro Vigilante; Primeiro Vigilante em relação ao Segundo Diácono e, finalmente, Segundo Diácono em relação ao Segundo Vigilante).
Terceira dúvida: TEMA: forma de transmissão da palavra sagrada no Grau de Aprendiz. Entre os Diáconos e as Luzes, em sessão do primeiro grau, a palavra sagrada é passada com soletração, ou seja, letra por letra? Neste caso, com medeios de cabeça (alternância entre os ouvidos) ou somente no ouvido (direito ou esquerdo) do interlocutor?
Quarta dúvida. Tema - formação do pálio. Na formação do pálio, que no nosso ritual se dá duas vezes, na abertura e fechamento do Livro da Lei, o Mestre de Cerimônias, que se posta atrás do Mestre Instalado encarregado da abertura/fechamento, deve colocar o bastão sempre sob os bastões cruzados dos Diáconos, na abertura do Livro da Lei e sobre tais bastões, no fechamento do Livro da Lei ou, é totalmente indiferente à posição do bastão do Mestre de Cerimônias na formação do pálio?
Quinta dúvida. Tema - desfazimento do sinal de ordem. Qual o momento em que o sinal de ordem não mais será executado em loja? No final do nosso ritual, o Venerável diz, "a mim, pelo sinal, pela bateria, pela aclamação (Huzzé)". Depois disso, ele declara a loja fechada. A questão é, após a aclamação (terceira menção à expressão, "Huzzé"), ainda perdura o sinal, só desfeito quando o Venerável declara a Loja fechada ou após sua execução (terceira aclamação), já se desfaz o Sinal?

CONSIDERAÇÕES

Muitas explicações dependem de muitas observações para que elas façam sentido. Existe a questão do que é real e do que é aparente. Explico: no que diz respeito às minhas ponderações, observo por primeiro respeitar a pureza do Rito e, em segundo, aquilo que está escrito no ritual da Obediência – sabemos que, mesmo de um mesmo Rito, eles se diferem entre as Potências brasileiras.
Assim, devo salientar que quando me expresso em relação à tradição de um sistema ritualístico, não estou levando em consideração apenas esse ou aquele ritual, pois simplesmente dizer que isso ou aquilo está correto ou errado, geralmente não traz solução para a dúvida. Desse modo vou procurar ser o mais objetivo possível, porém sem agredir a lógica dos fatos e o exercício da prudência. Vamos então a eles:

1 – Sinais são feitos apenas em Loja aberta, o que significa que só depois dela ser declarada aberta pelo Venerável é que todos “deveriam” compor o Sinal. Entretanto, só existe um momento no qual os Obreiros se manifestam pelo Sinal antes da Loja ser declarada aberta. Isso acontece na ocasião em que o Primeiro Vigilante em Loja de Aprendiz, atendendo a ordem do Venerável Mestre, verifica simbolicamente se todos os presentes são maçons. Isso acontece apenas para conservar a tradição simbólica que indica que todos os presentes estão prontos, à disposição, à ordem para o trabalho. Obviamente que nos Graus 02 e 03 esses procedimentos se diferem um pouco, embora a sua essência seja a mesma.
Assim, afora essa possibilidade prescrita pela dialética da ritualística de abertura, Sinais somente são compostos a partir do momento em que a Loja esteja devidamente pela liturgia maçônica aberta (exposição das Três Grandes Luzes Emblemáticas).
Sabe-se, entretanto que a realidade não é bem essa, pois muitos rituais desafortunadamente equivocados, ainda preveem o contrário daquilo que é a tradição, todavia estando eles legalmente em vigência, inquestionavelmente cumpre-se o seu inteiro teor.
No que diz respeito à menção “em Loja, meus Irmãos” nada tem a ver com a composição de Sinal de Ordem, senão ser um alerta do Venerável para que dali em diante se siga os procedimentos litúrgicos balizados pelo ritual. É o mesmo que o conhecido: “meus Irmãos, ajudai-me a abrir a Loja”.
2 – Seguindo o que prevê a razão, o Toque somente é dado por aquele que pede a Palavra (significa que ele está pedindo a Palavra). Assim, o outro protagonista não responde com outro Toque, porém revela a Palavra na forma de costume.
É oportuno mencionar que a transmissão da Palavra que ocorre por ocasião da abertura e do encerramento da Loja, se dá entre Mestres Maçons (somente Mestres podem ocupar cargos), assim quem transmite é aquele que é inquirido pelo Toque. Por não ser um ato de telhamento (verificação de qualidade), quem transmite, transmite a Palavra por inteiro (soletrada ou silabada conforme a ocasião).
No que diz respeito à sua questão, o Toque para a transmissão da Palavra é unilateral. Do mesmo modo a transmissão também é unilateral.
3 – Boa parte dessa questão já foi respondida no item número dois. A regra de soletrar ou silabar conforme o Grau permanece no ato, porém por apenas um dos interlocutores nesse caso.
Tradicionalmente a transmissão é feita apenas em um dos ouvidos dos interlocutores (ou só no direito, ou só no esquerdo). É equivocada no REAA a prática exarada por alguns rituais alternando a audição entre os ouvidos (menear com a cabeça) – isso mais parece uma atitude de galo de briga do que prática maçônica.
A propósito, a história e a razão da liturgia da transmissão da Palavra são únicas e deveria ser conhecido o porquê da sua existência.
4 – Embora no REAA a formação de pálio seja enxerto advindo de outro rito (ele não existe no escocesismo original), se algum ritual, mesmo equivocado, prever essa prática, penso que o mais viável então seria que o Mestre de Cerimônias posicionasse o seu bastão por sobre os outros dois bastões cruzados pelos Diáconos.
5 – O correto é que quem fecha a Loja é o Primeiro Vigilante por ordem do Venerável Mestre (Irm\ 1º Vig\, podeis fechar a Loja) – existe uma razão histórica para esse acontecimento. Assim que o Vigilante declarar Loja fechada, fecha-se o Livro da Lei e todos desfazem o Sinal. Desse momento em diante não se faz mais Sinal.
Levando-se em conta que genuinamente no REAA a aclamação ao final dos trabalhos só é feita após esta a Loja fechada pelo Primeiro Vigilante, a Aclamação é então pronunciada sem que haja composição do Sinal.
Agora, no caso do ritual em vigência na sua Obediência, onde, segundo a sua observação, é o Venerável Mestre quem declara a Loja fechada e que isso se dá somente após o Sinal, a Bateria e a Aclamação (pelo menos foi o que eu entendi), sem discutir o mérito desse procedimento, eu penso que, num caso desses, todos ainda devem permanecer com o Sinal após a Aclamação.
O que pode é estar havendo um erro de interpretação no que diz respeito aos termos “encerramento dos trabalhos” e “fechamento da Loja”. Nesse caso, o ideal é sempre tomar por base para “Loja fechada” o fechamento do Livro da Lei, momento em que todos deveriam em seguida desfazer o Sinal. Partindo dessa premissa, ao final da sessão somente existe a Bateria e a Aclamação, não existindo, portanto nessa oportunidade, o ato do “pelo Sinal”.
Outro aspecto para ser observado é o de não se confundir o ato litúrgico de fechar a Loja (trabalhos do canteiro) pelo Primeiro Vigilante que é imediatamente seguido pelo fechamento do Livro da Lei, com o convite do Venerável para que todos se retirem (do recinto) por já estarem liturgicamente encerrados os trabalhos e a Loja fechada.
É fato que muitos ritualistas não se apercebem desses detalhes e deixam os nossos rituais confusos e sujeitos às dúbias interpretações. É devido a isso que não se consegue ser objetivo nas respostas que envolvem a liturgia e a ritualística maçônica. São essas contradições que tem nos levado às intermináveis discussões sem que sejam colhidos bons frutos. Um bom exemplo disso são os temas aqui hoje abordados e que estão muito longe de serem satisfatoriamente explicados na sua origem e razão da sua existência, obviamente pela sua complexidade e pela exiguidade de espaço oferecido.
Concluindo, peço desculpas se abusei da prolixidade, mas eu não entendo meu ofício como um ato de simplesmente dizer “sim ou não” como resposta objetiva. A escola maçônica me ensinou através dos tempos a ser prudente. Portanto sem me atrever a ser laudatório, eu jamais me permitiria a emitir considerações sem expor primeiro as minhas convicções para que o leitor possa a posteriori tirar as suas conclusões.

T.F.A.

PEDRO JUK


ABRIL/2017

sexta-feira, 28 de abril de 2017

TRIÂNGULO DA ESPIRITUALIDADE E DA MATERIALIDADE NA CADEIA DE UNIÃO?

Em 16/03/2017 o Respeitável Irmão Otávio Alvares de Almeida, Loja Deus e Fraternidade, 51, REAA, Grande Loja do Estado da Bahia, Oriente de Cruz das Almas, Estado da Bahia, solicita o seguinte esclarecimento:

TRIÂNGULOS DA ESPIRITUALIDADE E DA MATERIALIDADE NA CADEIA DE UNIÃO?


Ontem, 15/03, em minha Loja foi feita uma Cadeia de União para transmissão da Palavra Semestral e, pela primeira vez, em função do posicionamento do Venerável Mestre ladeado pelo Secretário e Orador no Oriente do Pavimento Mosaico e do Mestre de Cerimonias no Ocidente ladeado pelos Vigilantes nas suas respectivas Colunas, me veio a dúvida e por isso peço a sua ajuda, sobre quem forma o vértice do Triangulo da Materialidade: O Mestre de Cerimonias ou o Guarda do Templo?

CONSIDERAÇÕES.

Antes da questão propriamente dita, primeiro alguns apontamentos pertinentes.
Sem confundir com tríades, associado aos atributos da espiritualidade está o triângulo (isóscele ou equilátero) com um ápice voltado para cima, enquanto que o da materialidade está associado àquele que mantém o ápice voltado para baixo.
Ainda em relação aos triângulos (exceto ao concernente ao Delta Radiante), no REAA também aparecem às figuras triangulares correspondentes aos elementos Terra, Ar, Água e Fogo que se apresentam juntos às Colunas Zodiacais.
A união dos triângulos da materialidade e a espiritualidade formam a Magsen David (Estrela, ou Selo de Davi), ou a Blazing Star, comum principalmente na vertente inglesa de Maçonaria (estrela de seis pontas). Já o simbolismo do REAA\, por ser um rito de vertente francesa, esse não possui nele, como símbolo, nenhuma estrela de seis pontas, sobretudo aquela tão comentada invenção de uma pretensa estrela formada num formidável exercício de imaginação que se diz existir quando da abordagem dos oficiais na circulação da Bolsa de Propostas e Informações e Tronco de Solidariedade. Na verdade a sequência dessa abordagem tem apenas relação com a história e a importância dos cargos na Loja, no mais, fazer ilações associando esse percurso a um trajeto estelar nada mais é do que pura bobagem que não tem compromisso algum com a doutrina simbólica do Rito Escocês. Provavelmente foi dessa inventiva sugestão que surgiu a relação de triângulos de espiritualidade e de materialidade na Cadeia de União.
Ora, isso é mero exercício de imaginação. Primeiro, porque a Cadeia quando formada, assume uma figura circular ou elíptica e não triangular. Segundo é porque a Cadeia, quando constituída no REAA, tem originalmente apenas um único objetivo: o de se transmitir a Palavra Semestral e nada mais, pois nela não existe a prática de preces e orações. Assim, a Cadeia de União é formada sobre o Pavimento Mosaico (que ocupa todo o espaço ocidental da Loja) após o encerramento dos trabalhos tendo, numa das extremidades da elipse (da cadeia) e de costas para o Oriente o Venerável Mestre com o Secretário à sua esquerda e o Orador à sua direita. Na outra extremidade da elipse em frente ao Venerável, de costas para a porta e parede ocidental, vai o Mestre de Cerimônias tendo à sua direita o Segundo Vigilante e à sua esquerda o Primeiro Vigilante. Os demais Irmãos se distribuem de modo que a figura elipsoide ou circular da Cadeia se mantenha com número equilibrado de obreiros no que diz respeito à quantidade de participantes à direita e à esquerda.
Devida à disposição elipsoide ou circular dos integrantes da Cadeia, não há como se imaginar a formação de triângulos imaginários formados pelas cinco Dignidades da Loja e pelo Mestre de Cerimônias. A disposição relativa aos que ladeiam o Venerável e ao Mestre de Cerimônias é porque o Orador e o Secretário tomam assento no Oriente e os Vigilantes, bem como o Mestre de Cerimônias no Ocidente. É simplesmente só isso e nada mais.
No que diz respeito ao Cobridor mencionado na sua questão, ele nada tem a ver com triângulo da materialidade e nem fica na Cadeia posicionado entre os Vigilantes – na extremidade da elipse de frente para o Venerável fica mesmo o Mestre de Cerimônias.
É bem verdade sim que esotericamente o Oriente da Loja corresponde à Luz e a espiritualidade, enquanto que o Ocidente, à materialidade e aquilo que é passível de aprimoramento, porém essa alegoria não se relaciona sob qualquer hipótese à Cadeia de União e nem mesmo à inexistente estrela de seis pontas aqui anteriormente mencionada.
Ainda, em se tratando de triângulo equilátero (três lados iguais), nada do que aqui foi mencionado sugere alguma relação com o Delta Radiante, cujo símbolo fica no Retábulo do Oriente (ao alto, atrás do Venerável) – esse triângulo é outro importantíssimo emblema que em Maçonaria, tanto na concepção deísta como na teísta, exprime os atributos da divindade. É o símbolo da crença na existência de um Ser Supremo.
Concluindo, devo mencionar que as minhas ponderações aqui expressas se prendem unicamente à pureza e tradição do escocesismo simbólico, independe daquilo que possa porventura estar escrito em alguns rituais das nossas Obediências. Assim, se deles derivarem instruções contrárias às minhas convicções, em estando os mesmos em vigência, mesmo que equivocados, por primeiro seguem-se as suas orientações.


T.F.A.

PEDRO JUK


ABRIL/2017.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

ESTANDARTE NO JURAMENTO - REAA

Em 16/03/2017 o Respeitável Irmão João Manoel C. de Almeida, Loja Amor e Justiça 2, REAA, GOB-ES, Oriente de Alegre, Estado do Espírito Santo, solicita o seguinte esclarecimento.

ESTANDARTE NO JURAMENTO


Já tivemos antes um contato, e você se prontificou, quando surgisse duvidas poderia procura-lo.
Surgiu uma duvida na iniciação.
Quando o neófito faz o juramento, algumas Lojas colocam o Estandarte ao lado do Candidato, outras atrás, e algumas nem colocam o Estandarte nestas posições, inclusive o Ritual não fala absolutamente nada a respeito.
Pergunta: Qual procedimento devemos adotar?

CONSIDERAÇÕES.

Em se tratando do ritual em vigência no Grande Oriente do Brasil, essa prática não está prevista. Nesse caso, o Estandarte permanece no seu devido lugar conforme indicado no ritual. Em não estando previsto, não se adotam nenhum dos procedimentos mencionados na sua questão.
Sob o ponto de vista da originalidade, o Estandarte deveria ser arvorado na Loja assim que ela fosse declarada aberta e, recolhido, por ocasião do encerramento. É em razão disso que existe o cargo do oficial denominado Porta-Estandarte.
Infelizmente os “fazedores” de rituais, nem sempre conhecedores da Arte, acabaram por excluir esse importante procedimento ritualístico, provavelmente por copiarem rituais anacrônicos e descompromissados com a tradição.
Assim ratifico: de acordo com o ritual, não se arvora o Estandarte por ocasião do juramento. Não é demais mencionar que ritual em vigência deve ser rigorosamente cumprido.


T.F.A.

PEDRO JUK

 ABRIL/2017

ABREVIATURA MAÇÔNICA

Em 16/03/2017 o Respeitável Irmão Helio Brandão Senra, Loja União, Força e Liberdade, 272, sem mencionar o nome do Rito e do Oriente, Grande Loja Maçônica de Minas Gerais, Estado de Minas Gerais, solicita esclarecimentos.

ORIGEM DA ABREVIATURA MAÇÔNICA


Estou fazendo uma pesquisa sobre a origem da abreviatura das palavras e particularmente sobre o uso dos 3 pontos após assinatura e ou palavras na Maçonaria.
Ficaria muito grato se pudesse me ajudar.

CONSIDERAÇÕES

Primeiramente, esclareça-se que a abreviatura por três pontos com a forma de um delta, não é unânime na Maçonaria. Também, para a vertente maçônica que usa desse subterfúgio, existem critérios, tanto na forma de se abreviar, assim como contra o excesso dessa prática nos textos maçônicos.
Os pontos de abreviação, que hoje perderam a sua originalidade, à moda francesa (três pontos), ou à moda inglesa (um ponto), após determinadas palavras que compõem um texto maçônico, têm apenas a simples finalidade de indicar onde uma palavra sofreu apócope (foi cortada).
Na verdade esse procedimento vem da precaução para que o escrito somente seja compreendido por um maçom na hipótese de que ele venha cair nas mãos de não iniciados (profanos, no jargão maçônico).
A vertente inglesa de Maçonaria, por exemplo, comumente usa a monopontuação em lugar da tripontuação, porém com bastante critério e só por real necessidade. Já na França, segundo Alec Mellor nos informa in Dictionaire de La Franc-Maçonnerie et des Franc-Maçons, Paris, 1978, essa prática é abusivamente usada, o que deu inclusive origem à expressão pejorativa “Irmãos três pontos” aos Franco-Maçons.
Ainda segundo José Castellani, mencionando o mesmo Alec Mellor (autor reconhecidamente fidedigno em todo o mundo maçônico): “no século XVIII, quando foi introduzida a tripontuação, em documentos franceses, eles, algumas vezes, eram dispostos em linha horizontal (...) e até em outras posições, já que não havia padronização”.
Mais tarde, entretanto, o costume de tripontuação em forma de um delta (triângulo) viria se firmar na Maçonaria francesa.
No Brasil, e mesmo na América espanhola, esse costume de abreviação tripontual triangular acompanharia o costume da Maçonaria francesa, já que naquela época, a França, não só na Maçonaria, ditava a moda em quase todo o mundo.
Os três pontos como abreviação, em princípio eram usados apenas para indicar onde havia sido feito o corte nas palavras - na apócope. Somente a posteriori é que eles seriam também colocados após as assinaturas visando identificar o maçom, cujo costume é comum entre nós até os dias de hoje.
Na verdade, em relação à invenção de identificação tripontual após a assinatura, no que diz respeito à data do seu aparecimento, ela é ainda desconhecida.
É certo também que nunca houve entre os antigos maçons a preocupação de se identificar como tal, já que naquela época isso só poderia lhes trazer dissabores, sobretudo após a publicação da bula papal In eminenti apostolatus specula, de Clemente XII de abril de 1738, ao contrário da atualidade onde vemos muitos maçons brasileiros que exageradamente andam enfeitados com penduricalhos maçônicos, só faltando mesmo sobre eles um letreiro em néon anunciando: sou maçom.
Há que se destacar ainda que além das abreviaturas para ocultar escritos maçônicos em épocas de perseguições, era costume entre os maçons o uso de um nome simbólico no intuito de ocultar o seu verdadeiro nome. Essa prática, entretanto caiu em desuso à medida que a liberdade individual e coletiva ia sendo assegurada, só sendo mantida atualmente em alguns círculos maçônicos a exemplo do Rito Adonhiramita.
Assim, genuinamente, a tripontuação, originária da vertente francesa de Maçonaria, surgiu no século XVIII com a finalidade de dificultar a compreensão do texto aos não maçons que porventura viessem ter acesso a documentos maçônicos. A técnica de abreviação consiste em indicar por três pontos, geralmente em forma de um delta, a supressão de um fonema ou sílaba de uma palavra que, em Maçonaria de vertente francesa, ocorre geralmente após uma consoante e dobrando a letra inicial em caso de plural, a despeito que em alguns títulos, a apócope possa ocorrer igualmente logo após a sua primeira, ou primeiras letras, se for o caso.
Como explicado, a tripontuação não é original quando se tratar de identificar a assinatura de um maçom, entretanto já é considerado costume consuetudinário e largamente usado por maçons praticantes de Maçonaria de vertente francesa (conquanto isso seja facilmente imitado por muitos profanos).
Destaque-se por fim que, como já mencionado, a Maçonaria inglesa também se faz valer da apócope em algumas palavras, porém geralmente indicada por unipontuação, embora apenas em situações que sejam extremamente necessárias. Nela também existem outros métodos de abreviação.
Em síntese, no que diz respeito às abreviações na Maçonaria para tornar textos compreensíveis somente aos maçons, existem inúmeras técnicas que não ficam restritas apenas a apócopes por unipontuação ou tripontuação. Muitas práticas nesse particular seguem, às vezes os costumes e a linguagem genuína de uma região onde é praticada a Maçonaria – essa é uma observação importante e deve ser efetivamente considerada.
Dando por concluído, é oportuno então salientar que esses métodos de abreviação na atualidade, na sua grande maioria, somente são mantidos mais para preservar a sua tradição. Não faz sentido na atualidade o abuso desordenado dessa prática. É fantasia também o que alguns autores dissertam em ilações dando significados simbólicos à tripontuação. Isso é pura bobagem. Os três pontos só indicam onde uma palavra foi cortada, não havendo nele nenhum significado místico, oculto ou esotérico.
E.T. – Os vocábulos “unipontuação e tripontuação” são neologismos usados especificamente nesse texto como identificação.


T.F.A.

PEDRO JUK


ABRIL/2017

sábado, 22 de abril de 2017

ALFERES JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER TIRADENTES – MÁRTIR DA INDEPENDÊNCIA

ALFERES JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER
TIRADENTES – MÁRTIR DA INDEPENDÊNCIA

Sem que se lance mão de qualquer prática ufanista, imaginando um Tiradentes iniciado na Maçonaria - o que à Luz da Verdade nunca aconteceu - nada mais justo homenagear o Mártir da Independência com um resumo histórico sobre a sua saga na Conjuração Mineira. A Ordem Maçônica, respeitosamente cultua os ideais libertários, entretanto não faz deles condição de que todos os personagens envolvidos nessas conquistas de liberdade, necessariamente tenham sido iniciados na Sublime Instituição.

É sempre importante lembrar que na nossa História seguramente episódios de caráter pacifista, idealista e mesmo revolucionário muitas vezes foram arquitetados e amadurecidos por aqueles que adquiriram conhecimentos hauridos dos ideais maçônicos. Desta forma não se pode ignorar ou querer dissociar a influência da MAÇONARIA na evolução do contexto social, histórico e político do Brasil e dentre estes o episódio conhecido como a Conjuração Mineira do qual foi comparte o Alferes Joaquim José da silva Xavier.
Nesta iniciativa de promover a lembrança da conduta do mártir e herói Tiradentes e pela magnitude de nossa Pátria, ousamos identificar que a própria História do Brasil, seus heróis e os seus episódios foram condenados a um mórbido desterro injustificável, pois muitas vezes pela desídia ou negligência das autoridades constituídas, nosso povo e, infelizmente, a nossa juventude, palmilha um caminho de ignorância do passado, vivendo apenas o presente sem qualquer preocupação com o futuro.
Citando Brecht, “Infeliz o povo que precisa de heróis. Mais infeliz ainda é o povo que esquece os seus heróis”. É oportuno neste momento lembrar que também é infeliz a nação que esquece o seu passado, ignorando a sua História, os seus costumes e as suas tradições, pois certamente esta forma de agir comprometerá a construção do presente, assim como qualquer projeto para o futuro.

OS ACONTECIMENTOS DA CONJURAÇÃO E O BRASIL DO SÉCULO XVIII


O domínio rígido da Metrópole Portuguesa controlava a economia colonial brasileira por meio de um sistema monopolista, usualmente aplicado naquela época de acordo com o contexto do capitalismo comercial então em vigor, fazendo com que a economia do Brasil-Colônia viesse a completar o sistema econômico português exportando com exclusividade para Portugal matérias-primas e gêneros tropicais, enquanto importava produtos manufaturados. Resumindo: O Brasil nada podia produzir em detrimento a qualquer concorrência com a Metrópole Portuguesa. A exceção da produção açucareira, o algodão, o couro do gado abatido, as folhas de tabaco, nada poderia ser manufaturado no Brasil, fato que levou à época uma relação de exclusividade denominada “Pacto Colonial” que a bem da verdade travava o desenvolvimento econômico da Colônia, não só pelo abuso dos monopólios, mas, sobretudo o rigor fiscal da Metrópole que buscava uma solução à crise financeira que se instalara em Portugal no decorrer do Século XVIII pelo fato de que a Coroa Portuguesa não possuía um lastro de capital suficiente para concorrer com o processo de industrialização, já em franco desenvolvimento na Inglaterra.
Nesse sentido, incapaz de implantar o “Capitalismo Comercial” em oposição ao “Capitalismo Industrial”, Portugal continuava ligado ao mercantilismo e por conseqüência ao regime absolutista.
Em meados do Século XVIII na Capitania das Minas Gerais a mineração – grande fonte que sustentava a Metrópole – já se encontrava em franca decadência, tornando-se, portanto, um alvo da voracidade fiscal e tributária de Portugal.
É oportuno lembrar que a aversão do povo brasileiro ao colonizador português e o rigor do fisco imposto pela Corte já se manifestava nas primeiras décadas do Século em questão por movimentos rebeldes de caráter nativista a exemplo da Guerra dos Mascates, em Pernambuco (1.710) e a insurreição de Vila Rica produzida por Filipe dos Santos em 1.720.
As absurdas exigências ditadas no Alvará Real de janeiro de 1.785 em prejuízo aos brasileiros despertavam mais uma vez a idéia de Independência, principalmente na Capitania das Minas Gerais.
Dentre outras, o Alvará Real determinava a proibição do uso das estradas do interior para o litoral visando evitar o contrabando e o extravio do ouro; A proibição da entrada de livros estrangeiros visando à propagação de ideais liberais no território brasileiro e a DERRAMA, destinada a cobrança de impostos atrasados devidos pelos mineiros à Coroa Portuguesa.
Embora o esgotamento do fastígio do ouro, a ambição desmedida do fisco ignorava o quadro e onerava cada vez mais com pesados tributos tornando a situação praticamente insustentável à população da Capitania das Minas Gerais.
Estando o Brasil fechado para outras nações do mundo, tanto no aspecto comercial por força dos monopólios, bem como no campo cultural, pois até mesmo os livros estavam proibidos, julgava Portugal que nos rincões brasileiros não soariam os acordes de liberdade que ameaçavam as monarquias absolutistas européias, abaladas pelos filósofos iluministas franceses como RUSSEAU, VOLTAIRE E MONTESQUIEU, cujas idéias falavam de liberdade, igualdade e fraternidade.
Estes ideais tomavam força e vigor pelo exemplo da independência dos Estados Unidos da América alcançada em 1.776, não tardando a encantar a juventude intelectual, sonhadora e visionária que nas Minas Gerais e, mais precisamente em Vila Rica, decidia-se em conquistar a liberdade do Brasil do jugo da Coroa Portuguesa.
Os primeiros passos para esse movimento libertário foram dados na distante Europa, quando o entusiasmo de brasileiros, filhos de famílias abastadas estudavam nas Universidades européias de Coimbra, Montpellier e Bordeaux, justamente nos calor das idéias liberais que mais tarde inflamariam a Revolução Francesa.
Há que se destacarem os maçons iniciados nas terras européias como José Joaquim Maia e Barbalho e José Álvares Maciel, cujo entusiasmo pela causa levou a José Joaquim da Maia a se encontrar com Thomaz Jefferson, o redator da declaração da Independência dos Estados Unidos e na época, embaixador na França. Em Nimes, Maia não titubeou a pedir apoio dos Estados Unidos para os planos de um Brasil Independente.
José Joaquim Maia e Barbalho viria a falecer em Portugal quando se preparava para regressar ao Brasil. Entretanto, seus companheiros José Álvares Maciel e Domingos Vidal Barbosa de regresso ao Brasil viriam a se instalar em Vila Rica e a partir de 1.788 passavam a arrebanhar adeptos no sentido de impulsionar a idéia de um Brasil independente.
Das idéias liberais trazidas da Europa pelos estudantes brasileiros, a voracidade do fisco português e o temor pela cobrança dos impostos atrasados, reuniram às sombras dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, homens cujo objetivo era a conquista da Independência do Brasil.
É dentre este grupo que surge a figura do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, alcunha de Tiradentes que viria a se constituir mais tarde como figura principal e Mártir da Independência.


A CONJURAÇÃO.

As reuniões de objetivo libertário eram realizadas de forma alternada nas casas de Cláudio Manoel da Costa e do Ten. Cel. Freire de Andrade, todavia nem sempre cautelosas levando-se em conta a conspiração e os assuntos revolucionários. Devaneadores de um Brasil independente, os bravos conjurados de forma até utópica, anteviam um Brasil como República Democrática, sem escravos, onde haveria escolas e universidades para o povo, justiça tributária, incentivo para instalação de indústrias, etc. Seria também concedida uma anistia fiscal, a mineração e o comércio seriam livres e a capital seria transferida para São João Del Rey.
Dentre outros planos dos visionários conjurados, estes tinham convicção do apoio popular, não se preocupando em preparar o povo para a rebelião. Para os conjurados, pois estes eram reconhecidamente influenciados pela independência dos Estados Unidos da América do Norte, o povo daria incontestável apoio tal qual ocorrera no continente norte-americano, onde os colonos americanos pela criação de impostos sobre o chá, vidro, etc., rebelaram-se em busca da independência que foi alcançada. A DERRAMA, aqui no Brasil seria suficiente para provocar reação popular nas Minas Gerais. Neste sentido, os conjurados decidiram que a revolução romperia quando fosse lançada a DERRAMA.
Talvez pela ação conspiratória um tanto quanto visionária e o ato covarde de Joaquim Silvério dos Reis – integrante do grupo dos conjurados – denunciando a conjura ao governador da Capitania, Visconde de Barbacena, levou ao malogro o projeto libertário do Brasil, sepultando os anseios daqueles conjurados.
Com o ato traiçoeiro, é então suspendida a DERRAMA e ordenada à prisão dos Conjurados residentes em Vila Rica e em outras localidades da Capitania, sendo comunicado ao vice-rei D. Luiz de Vasconcelos o movimento conspiratório quando então fora ordenada a prisão de TIRADENTES que se encontrava em atividade conspiratória no Rio de Janeiro.
Inicia-se então – em 1.789 – um longo e penoso procedimento investigatório denominado de Autos da Devassa que durariam três anos, submetendo os conjurados a exaustivos interrogatórios, seguidos de violência e invasão de domicílio em busca de provas e materiais documentais que pudessem comprometer os conjurados.
Ao longo deste período inquisitorial, surpreendentemente muitos dos conjurados mostraram uma fraqueza de caráter, acusando-se mutuamente no sentido de dar provas de arrependimento, o que acarretaria em um turbilhão de acusações a Tiradentes. Entretanto, para toda regra existe uma exceção, o comportamento do Alferes Joaquim José da Silva Xavier durante todo o período interrogatório foi o de nunca ter acusado os companheiros, nem mesmo demonstrando arrependimento e fraqueza de caráter, pautando-se firme na convicção do propósito de libertar o Brasil de Portugal.
Disse o alferes: “Se mil vidas tivesse, mil vidas daria”. Estas palavras encontram-se registradas nos Autos da Devassa e são prova inconteste do seu firme propósito em lutar e morrer pela soberania da Pátria Brasileira.
Concluída a “Devassa”, no dia 18 de abril de 1.792 exarou-se a sentença que no dia seguinte era lida aos conjurados, donde onze foram condenados à morte na forca, cinco condenados ao degredo perpétuo e os demais ao degredo temporário. Entretanto no dia 20 de abril daquele ano nova sentença era lida, comutando a pena de morte pelo degredo perpétuo para dez conjurados, mantendo-a apenas para Tiradentes, cuja sentença determinava por ser “o único que se fez indigno da real piedade”.
Na manhã de sábado, 21 de abril de 1.792, na forca levantada no Campo de São Domingos, ou Larga da Lâmpadosa, consumava-se o martírio de TIRADENTES.

A SAGA DE TIRADENTES.

Joaquim José da Silva Xavier nasceu a 12 de novembro de 1.746 na Fazenda do Pombal, Freguesia de Santa Rita do Rio Abaixo, em Minas Gerais, de pai português e de mãe brasileira.
Cedo aprendeu com o seu padrinho, Sebastião Pereira Leitão, o ofício de dentista prático, no qual se tornou perito e que lhe rendeu a alcunha de “Tiradentes”. Aos 25 anos começa a realizar viagens com fins comerciais e profissionais entre Minas Novas e o Rio de Janeiro, as quais durariam aproximadamente cinco anos. Aos vinte e nove anos assenta praça na cavalaria da Companhia dos Dragões de Vila Rica com o posto de alferes. Alferes (do árabe: al-farc=cavaleiro) é um antigo posto do exército brasileiro correspondente ao atual segundo-tenente.
De perfil muito expansivo e falante, tornou-se bastante conhecido entre Vila Rica e o Rio de Janeiro, nas estalagens, nas fazendas, nas casas comerciais e nos destacamentos militares. Em 1781, comandava o posto de vigilância no caminho do Rio, com a missão de reprimir o contrabando na serra da Mantiqueira. Dedicou-se também a construção de estradas, como a ligação de Sete Lagoas a Paracatu e o melhoramento de variante do Caminho Novo do Rio de Janeiro. Interessou-se pela descoberta de novas lavras e teve uma fracassada experiência agrícola.
Nunca se casou, porém teve uma filha de nome Joaquina, de sua ligação com Antonia Maria do Espírito Santo.
Em face as suas permanentes movimentações, fizeram-no, além de conhecido, estimado, ainda mais em consideração ao seu temperamento simpático e expansivo, à sua língua solta e à sua personalidade pitoresca. Sendo recebido em todos os meios, logo iria se associar àqueles que se queixavam da opressão fiscal, dos impostos extorsivos, dos peculatos, da corrupção e dos desmandos das autoridades.
O ano de 1.788 marcou seus decisivos contatos no Rio de Janeiro com homens que iriam marcar a sua vida e a sua atuação daí em diante. Em março ele se aproxima do padre Rolim que era acusado de contrabando e expulso das Minas Gerais. A 23 de julho ocorre o famoso e importante encontro dele com José Álvares Maciel que acabara de retornar da Europa. Este lhe dá conta da correspondência entre José Joaquim Maia e Barbalhos e Thomas Jefferson. Deste encontro Maia entrega a Tiradentes um exemplar do “Recueil”, coletânea dos princípios políticos básicos do sistema constitucional norte-americano.
A partir daí, ele começou sua pregação, participando de conventículos e da importante reunião dos principais ativistas do movimento, em 26 de dezembro de 1.788, na casa de Freire de Andrade, para formalizar os planos de um levante armado contra a Coroa portuguesa.
Essa pregação do alferes, todavia, ao invés de se limitar ao segredo de recintos fechados, como convém a revoltosos, acabou atingindo reuniões em locais públicos, nas ruas, nas praças, nos quartéis, nas tabernas, ou seja, em qualquer lugar em que pudessem existir ouvintes que poderiam aderir ao movimento. Suas fala sobre corrupção dos governadores, a exploração da colônia pela metrópole, as riquezas da Capitania e a perfeição do regime republicano, que faria emergir essas riquezas em benefício dos brasileiros, passavam de boca a boca e iam comprometendo o futuro da revolta que, evidentemente, teria que ser absolutamente secreta para ter êxito.
Era um entusiasta que expunha suas idéias com fervor e que ia articulando os planos para o movimento, garantindo a todos que o levante seria apoiado por gente do Rio de Janeiro, do Pará, da Bahia, de Pernambuco e até da França, que haveria de mandar naus de Bordéus. Graças a isto, muitos dos seus companheiros o consideravam um visionário.
Quando parecia delineado o movimento, o Tiradentes volta ao Rio de Janeiro, a 11 de março, depois de ter recebido licença no dia 10. A 14 do mesmo mês é suspensa a Derrama – conforme carta enviada por Barbacena à Câmara de Vila Rica – e no dia seguinte, dia 15, o delator do movimento Silvério dos Reis, apresentava verbalmente a sua denúncia, conforme atestado do visconde de Barbacena, incluindo no Vol. I dos Autos da Devassa.
Denunciado o motim, ou o que restava dele, o Tiradentes passou a ser vigiado no Rio de Janeiro, sendo preso no dia 10 de maio, três dias depois de instalada a Devassa do Rio de Janeiro. Encarcerado na ilha das Cobras passou por vários interrogatórios entre 1789 e 1791. Em 18 de janeiro de 1790 ele confessa ter sido cabeça do motim, justificando o fato de nada ter dito antes por não querer perder ninguém, mas que, diante das evidências contra ele apresentadas, reconhece que tramou tudo, sem que sofresse a influência de ninguém.
O espetáculo desta tragicomédia chegaria ao fim com o enforcamento do Alferes Joaquim José na manhã de 21 de abril de 1.792, ao redor das 11 horas, numa ensolarada manhã de sábado. Morria o homem que sonhou com a liberdade do Brasil, nascendo concomitantemente o mito que estimularia a Independência de 1.822.
Cita Calógeras, “antes mesmo de nascer, a Inconfidência tinha morrido. Resumiam-se em planos, projetos e conferências vagas. Nada fora feito para transformá-la em realidade. Sua importância, entretanto, manifestou-se com o decorrer do tempo, não em execução, mas como sintoma. Dera a medida da opinião pública, índice de hostilidade generalizada contra a administração lusitana e seus métodos. Nela despontava a Independência”.

CONCLUSÃO.

Antes mesmo de nascer esse movimento sedicioso de Vila Rica tinha morrido. Talvez lhe tenha faltado consistência ideológica, não sendo fácil a abordagem desta questão, pois tão escassas e vagas são as idéias que transparecem nos registros que também eram raros.
Tiradentes, proclamado herói nacional quando foi implantada a república, e patrono do Brasil em época mais recente, merece na realidade estas honrarias póstumas, pois foi um entusiasta de uma causa de que outros se aproveitavam, assumiu todos os riscos, com o estoicismo dos predestinados e enfrentou a morte com a serenidade e a dignidade que os demais conjurados não souberam manter nos momentos mais cruciais.
Graças ao fato de ter sido levado ao degrau mais alto do altar da Pátria como mártir da liberdade, a sua figura sempre seduziu a todas as camadas sociais e a todos os pesquisadores da História nacional.
Neste momento de homenagem ao mártir da liberdade da nossa Pátria, é oportuno uma reflexão sobre os dias atuais tão conturbados e abarrotados de péssimos exemplos por parte de alguns partícipes de segmentos da política nacional.
Ao lembrarmos Tiradentes e o seu calvário na forca tendo o seu corpo esquartejado e espalhado a servir de um tétrico exemplo, tão grave quanto esta execução sumária é o exemplo deixado por aqueles que eleitos para representar os anseios do povo brasileiro, trocam este objetivo por atos de corrupção e enriquecimento ilícito, roubando a nação e se escondendo sobre o manto secreto do corporativismo onde acertos e acordos tomam o lugar da justiça e da equidade.
Se o mártir fora sacrificado por lutar por justos ideais, quando a Derrama extorquia os brasileiros com impostos descomunais, o que se poderia dizer atualmente com a pesada carga de impostos auferidos pelos poderes constituídos, sacrificando uma nação cansada de lutar pelo seu engrandecimento, mas sem a devida recompensa.
Num afã de neologismos criam-se adjetivos para qualificar as vias da corrupção. Propinodudos, valeriodutos, mensalão são adágios do dia a dia de uma nação que tem um povo simples, humilde e trabalhador, entretanto, extorquido.
A liberdade ainda que tardia desperta o povo, ergue a nação e exalta as sãs consciências. A palavra liberdade inspira poetas, encoraja soldados, arma patriotas e produz heróis.
O corpo repartido de Tiradentes arde até hoje exposto nas estradas do tempo da nossa História, sangrando para que a liberdade seja lembrada todos os dias e todas às horas, convidando-nos ao testemunho, à vigilância e ao exemplo.
Tomara que o exemplo do mártir na luta pela liberdade possa assegurar a cada brasileiro as condições mínimas de subsistência como alimentação, educação, habitação e a saúde. Que assegure o direito de não ser discriminado pela cor, pela condição social, pela idade e pelas convicções políticas e religiosas. Que o suplício de Tiradentes lembre às autoridades que o homem tem o direito a felicidade, ao trabalho e, sobretudo, a viver com dignidade.


E.T. No resumo histórico deste texto, em grande parte, tiveram por base apontamentos do saudoso Irmão José Castellani, assim como bibliografia pertinente ao tema.


PEDRO JUK.
ABRIL/2006.

Revisado em abril de 2.014