domingo, 4 de fevereiro de 2018

A RÉGUA DE 24 POLEGADAS OU A RÉGUA GRADUADA E A RÉGUA LISA

SÍMBOLOS MAÇÔNICOS

A RÉGUA DE 24 POLEGADAS OU RÉGUA GRADUADA
E A RÉGUA LISA

I.                 INTRODUÇÃO

Tenho recebido muitas questões relativas à Régua como instrumento de trabalho simbólico na Maçonaria. Para alguns ela se apresenta já no grau de Aprendiz, para outros no de Companheiro.
A questão é de rito ou ritual e a sua grade de instrução, portanto não há como confundir a sua aplicação pura e simplesmente.
Particularmente no Brasil existe uma miscelânea de procedimentos ritualísticos, cujos quais são inseridos às vezes aleatoriamente na liturgia sem uma análise mais acurada, sobretudo em se observando se a história doutrinária de um costume se adequa à mensagem propiciada pelo objeto simbólico.
Como no Brasil o rito majoritário adotado pelas nossas três Obediências regulares é o Rito Escocês Antigo e Aceito, criou-se a falsa cultura de que as suas práticas são universais na Maçonaria, independentes dos ritos praticados - o que não é verdade. É ilusória a ideia de se imaginar que a liturgia maçônica seja exatamente igual por toda a parte do nosso Planeta. Embora de objetivo único, entre os ritos maçônicos existem diferenças.
Nesse contexto, as questões que envolvem práticas litúrgicas distintas são inúmeras, como é o caso, por exemplo, da aplicação da Régua na ritualística maçônica.
Ainda nesse interim, lembra-se que no Brasil, particularmente, os nossos rituais estão repletos de enxertos e invencionices, sobretudo com a inserção de práticas ritualísticas de um em outro rito, o que tem gerado contradições e explicações desprovidas de nenhum fundamento.
Na intenção de trazer um pouco de esclarecimento para o caso, segue texto abaixo, cujo qual foi adaptado de uma resposta minha dada há tempos atrás abordando a utilização da Régua no simbolismo dos dois primeiros graus do REAA\ assim como a sua aplicação em outros ritos.

II.               A RÉGUA – DO APRENDIZ OU DO COMPANHEIRO?
No Rito Escocês Antigo e Aceito, rito de origem francesa, a Régua de 24 Polegadas é um dos instrumentos de trabalho inerente ao Grau de Companheiro. Já no Craft (Ofício) inglês, no Brasil comumente conhecido como Rito de York da Inglaterra, a régua é um dos objetos pertences ao Grau de Aprendiz. Do mesmo modo no Rito Schröder, rito de origem alemã, mais depurado da Maçonaria inglesa, a Régua Graduada também é um dos instrumentos de trabalho do Primeiro Grau, o que pode ser comprovado no catecismo de Aprendiz do rito.
No Brasil, devida à equivocada mistura de procedimentos de uns em outros ritos, a régua aparece em alguns rituais do REAA\ também no Grau de Aprendiz, o que é um erro crasso, tanto pelo aspecto doutrinário como pelo histórico.
Aqui no Brasil o pormenor que envolve a régua se dá porque alguns rituais do escocesismo estão enxertados com práticas do Craft. Essa indevida inserção se deu quando as Grandes Lojas Estaduais brasileiras fundadas em 1927 pelo Irmão Mário Marinho Béhring buscaram o reconhecimento das Grandes Lojas Norte-americanas. Para o caso, é sabido que as Lojas Azuis (simbolismo) das Grandes Lojas dos Estados Unidos da América do Norte tiveram a sua ritualística fundamentada no Craft inglês que é oriundo da Grande Loja dos Antigos de 1751. Assim, em se tratando do Craft e da Régua como instrumento de trabalho, a mesma nele pertence ao grau de Aprendiz.
Com o reconhecimento adquirido, as Grandes Lojas brasileiras, provavelmente para angariar simpatia dos seus reconhecedores, acabaram enxertando nos rituais escoceses no Brasil inúmeras práticas oriundas das Lojas Azuis do Craft norte-americano, dentre as quais a régua para o Grau de Aprendiz no REAA\ quando nele, genuinamente a régua pertence ao Grau de Companheiro.
Até certo ponto poder-se-ia dizer que isso não faz diferença nenhuma, mas em se tratando da doutrina e das instruções do verdadeiro escocesismo simbólico que é natural da França, não existe nele nenhuma menção da régua no Primeiro Grau. Isso pode ser comprovado nas respectivas e clássicas alegorias do Aprendiz onde ele aparece ajoelhado tendo às mãos apenas o Maço e o Cinzel, enquanto na do Companheiro ele aparece trazendo apoiada no seu ombro esquerdo uma Régua graduada – em síntese, no REAA\ a régua só aparece no Segundo Grau.
É bom que se diga que toda a liturgia e a distribuição simbólica de um rito compõem a sua grade doutrinária. As instruções de cada rito devem estar respectivamente de acordo com os símbolos que se apresentam nos Painéis para o REAA\, nas Tábuas de Delinear para o Craft, ou ainda no Tapete para o Rito Schröder.
Aliás, a não observação desse conceito elementar tem sido a razão pelas quais muitas instruções inseridas nos rituais, às vezes acabem por não fazer nenhum sentido se comparadas com a verdadeira liturgia e ritualística do próprio rito. No simbolismo maçônico de um rito, nada existe por acaso. Sem nenhuma licenciosidade, na Maçonaria os símbolos embasam a doutrina especulativa de aperfeiçoamento humano.

III.             A RÉGUA LISA E GRADUADA – ORIGENS E APLICAÇÃO SIMBÓLICA
No que diz respeito ao REAA\, o Aprendiz durante o tempo de aprendizado ainda não usa simbolicamente a Régua graduada.
Como exposto, se faz cogente compreender que as cerimônias especulativas devem estar impreterivelmente de acordo com a respectiva concepção doutrinária. No caso do escocesismo, nesse contexto, é o que acontece no final da jornada do Aprendiz às portas do seu aumento de salário – a Elevação.
Nessa cerimônia (vide ritual do REAA\) é costume o aspirante ao Segundo Grau ao ingressar no recinto, ainda como Aprendiz e conduzido pelo Experto, trazer apoiada no seu ombro esquerdo, primeiro uma régua sem graduação (lisa).
Explica-se assim esse procedimento:
Originários das antigas práticas operativas, naqueles tempos só existiam classes de trabalhadores, não graus maçônicos especulativos tal como acontece hoje na Moderna Maçonaria.
À época existiam propriamente duas classes operárias, a do Aprendiz Admitido e a do Companheiro do Ofício. Da classe dos Companheiros era escolhido um artífice experiente para dirigir o canteiro de obras – era então conhecido como o Mestre da Obra (não era grau de Mestre).
Na classe dos Aprendizes, aquele que estava ainda na fase primária de aprendizado, ou o mais recente, era o Aprendiz Junior ou o Rough[1] Mason, enquanto que o aspirante à classe dos Companheiros, isto é, um Aprendiz instruído e próximo a concluir os três anos de aprendizado era o Aprendiz Sênior, ou o Stone Mason.
Em linhas gerais era comum que no canteiro de ofício o Aprendiz Júnior (Rough Mason) utilizasse uma régua lisa e não graduada que servia para que o Aprendiz de ofício com ela conferisse em primeira instância o preparo das pedras que futuramente serviriam para a elevação das paredes da obra.
Nesse sentido, a Régua lisa não era graduada por não servir como instrumento de medição, mas sim como um objeto para verificar a superfície da pedra após o primeiro desbaste das suas asperezas.
Já a Régua graduada era um dos objetos de trabalho do Aprendiz Sênior (Stone Mason) sendo admitido como Companheiro do Ofício, a despeito de que ele, como detentor de mais conhecimento, poderia agora manusear a Régua com graduação na intenção de conferir e fazer os ajustes necessários para a elevação dos cantos da obra.
Era com a um instrumento graduado que o Companheiro do Ofício (Fellow Craft) marcava de modo equidistante os nós do cordel na razão aritmética de três, quatro e cinco para a obtenção dos cantos esquadrejados a partir da pedra angular. Era na realidade a medida para a aplicação da 47ª Proposição de Euclides (Teorema de Pitágoras) na a obtenção do triângulo retângulo que servia para dar o perfeito esquadrejamento do canto.
Assim, em linhas gerais a Régua graduada, já em mãos mais experientes dos Companheiros, servia para auxiliar na aferição de medidas durante a elevação das construções.
É essa a razão de existir nos canteiros do passado duas réguas, a lisa e graduada, cujo costume é revivido na liturgia das cerimônias da Moderna Maçonaria, especialmente no REAA\.

IV.            OUTROS APONTAMENTOS NECESSÁRIOS.
Em se tratando da Maçonaria Especulativa, esses costumes acabaram se constituindo em alegorias maçônicas que são divulgadas conforme os rituais da Moderna Maçonaria. Obviamente que cada rito possui a sua particularidade litúrgica e ritualística, o que faz com que, embora o objetivo da Maçonaria seja um só, muito das suas práticas se diferenciam entre eles. É o caso da régua que no arcabouço doutrinário do Craft inglês aparece no Primeiro Grau, enquanto que no do REAA\ (filho espiritual da França) ela aparece apenas no Segundo Grau e ainda traz consigo a reminiscência da régua lisa antes da graduada.
No que diz respeito à graduação da Régua, lembra-se que ela obedecia aos padrões de medidas inerentes às regiões onde se concretizavam as construções, em resumo, onde a Francomaçonaria se fazia presente, podendo ser medidas em polegadas, pés, sistema métrico decimal e ainda outros.
O que verdadeiramente não existia na Maçonaria Operativa era o número exato da medida com “24 polegadas”, pois a dimensão da Régua se dava pela medida regional e conforme o tamanho do objeto manuseado. O número “24” ingressou somente na Moderna Maçonaria como símbolo especulativo e relacionado aos catecismos e as instruções morais e filosóficas pertencentes aos diversos ritos e rituais maçônicos já no século XVIII.
Não obstante já ter sido mencionado, é primordial o entendimento de que existia na Maçonaria Operativa, ou de Ofício, somente duas classes profissionais - a primeira era a dos Aprendizes, subdivididos em Rough Mason e Stone Mason e a segunda a dos Fellows Craft (Companheiros do Ofício). Lembra-se que não existiam graus especulativos nessa época e que cada guilda de construtores era dirigida por um Companheiro experimentado e auxiliado por dois Wardens (zeladores). Esses três membros diretores são os ancestrais do atual Venerável Mestre, Primeiro e Segundo Vigilantes, cujos quais seriam adequados paulatinamente à Maçonaria Especulativa quando em 1813 com a união das duas Grandes Lojas esses cargos seriam definitivamente fixados em lugar próprio na Sala da Loja e sacramentados nos Templos Maçônicos.
Dada essa conjuntura é que o Rito Escocês Antigo e Aceito, rito de origem francesa, mas com influência anglo-saxônica, revive na sua liturgia a utilização simbólica das réguas lisa e graduada na cerimônia de Elevação, oportunidade em que o Aprendiz ingressa no recinto conduzindo Régua lisa, até que a mesma seja substituída pela Régua graduada nas viagens e perambulações do aspirante ao Segundo Grau.
No tocante ao sistema inglês (Craft) onde a Régua graduada é integrante já no Primeiro Grau, essa tradição é revivida com forte apelo teísta nas preleções (vide as Lições Prestonianas). Inclusive é dela a concepção especulativa da divisão da Régua em 24 polegadas, sugerindo, dentre outros, a figuração de medida de tempo e o seu aproveitamento pelo maçom.
Ainda no Craft, segundo alguns autores a exemplo do Respeitável Irmão Anatoli Oliynik, a diferenciação entre os Aprendizes recentes e os mais experientes é também feita, inclusive numa Loja inglesa que trabalha no Brasil, mantendo a abeta do avental levantada para os Aprendizes recém-iniciados e abaixada para os mais antigos, destacando-se que o avental do Companheiro no Craft, diferente do Rito Escocês, se diferencia do de Aprendiz por trazer nele fixado duas rosetas na cor azul. Já no Craft norte-americano algumas Grandes Lojas distinguem os aventais dos seus Aprendizes dos de Companheiros efetuando neles durante o uso dobras diferenciadas. Enfim, tudo remete às antigas tradições e as duas autênticas classes de trabalhadores da Maçonaria Operativa.

V.              CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se pode observar, embora existam diferenças, para elas, em se despindo do elemento imaginativo, sempre há explicação satisfatória e racional. Não há como se escrever sobre Maçonaria sem que haja por primeira atenção para essas particularidades.
É equivocada, principalmente em ritualística maçônica, a ideia de se generalizar os procedimentos como tem sido o caso da Régua que, aqui no Brasil em um mesmo rito, aparece em certos rituais no Grau de Aprendiz e em outros no de Companheiro. Obviamente que tudo isso é mera confusão plantada por compiladores de rituais.
Assim, continuo a insistir que a Moderna Maçonaria não se constitui de um rito único, todavia ela se compõe por um sistema de vários ritos e trabalhos que possuem cada qual um suas particularidades doutrinárias, históricas e culturais.
Por simples falta de depuração ritualística, não raramente nos deparamos no Brasil com rituais enxertados e, quando não, com práticas meramente inventadas e fantasiosas.
Certamente é por isso que encontramos ritos que são verdadeiras colchas de retalhos. É o caso, por exemplo, de rituais escoceses que ainda na contramão da história insistem em mencionar a Régua de 24 Polegadas no Grau de Aprendiz, se negando acintosamente a observar que na alegoria clássica do Aprendiz, bem como no seu respectivo Painel do Primeiro Grau a régua nem sequer aparece.
Obviamente que além da régua, indevida no grau de Aprendiz do REAA\, há ainda outras inserções que dele não fazem parte e que eu poderia enumerá-los amiúde, entretanto não é esse o objetivo desse texto, até porque são tantas que deixariam esse trabalho prolixo.
Dando esse arrazoado por concluído, ratifico: no Rito Escocês Antigo e Aceito os instrumentos de trabalho do Aprendiz Maçom são o Maço e o Cinzel, enquanto a Régua de 24 Polegadas é - acompanhada de outros objetos - do Companheiro Maçom. Já no Craft, tomando por referência os Trabalhos de Emulação (aqui conhecido como Rito de York), bem como o Rito alemão Schröder, a Régua é um dos instrumentos de trabalho do Aprendiz.

P.S. Além dos ritos aqui abordados e a utilização da régua, ainda outros mais a mencionam nas suas respectivas ritualísticas. Os ritos comentados no texto serviram como parâmetro para o seu desenvolvimento.


                                                                     PEDRO JUK
                                                               jukirm@hotmail.com
                                                      http://pedro-juk.blogspot.com.br

                                                                                                   FEV/2018





[1] Rough – adjetivo inglês que significa áspero, tosco, escabroso. Como verbo, significa desbastar. Assim o termo Rough Mason figuradamente significava o maçom recém-admitido, ou ainda um profissional tosco. Associado ao verbo desbastar era aquele que iniciava na profissão tendo como primeira atividade a de melhorar primitivamente a superfície da pedra até que outro profissional, já mais instruído, o Stone Mason, pudesse ajustá-la melhor e conforme as exigências da Arte.

5 comentários:

  1. Parabéns meu ir.: bela belíssima peça... T.:F.:A.:

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  2. Magnificante, infelizmente temos muitos irmãos do Rito Escocês que não aceitam a verdade sobre a Régua não ser do Primeiro Grau...

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    1. E só observar a clássica alegoria do Aprendiz e do Companheiro dos ritos da vertente francesa. Nelas o Aprendiz aparece sem a régua, a apenas com o maço e o cinzel, enquanto que o Companheiro é o personagem que traz a régua graduada, comumente conhecida com Régua de 24 Polegadas. Obrigado pela visita.

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  3. Gostei muito de seu artigo!!! Podias me passar a fonte de pesquisa?, principalmente sobre os dois tipos de aprendizes e as suas reguas?

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