Em 20.02.2019 o
Respeitável Irmão Francisco Kennedy C. de Souza, Loja Estrela da Fronteira,
2.024, REAA, GOB-MS, Oriente de Mundo Novo, Estado do Mato Grosso do Sul,
apresente a seguinte questão.
DO NÍVEL À PERPENDICULAR
Estimado Ir Pedro
Juk, novamente recorro aos teus conhecimentos para esclarecer uma dúvida. No
início pág. 93 do ritual do REAA, grau de Comp∴ lê-se que o Aprendiz ao ser elevado, vai do Nível à Perpendicular
(prumo), assim sendo não consigo compreender essa parte, pois se o 2º Vigilante
porta a joia do prumo (perpendicular) e o Companheiro passou a esse instrumento,
não seria o 2ºVig∴ que deveria ser o
responsável pelas suas instruções?
Por favor, me diga
se o equívoco está no texto, naquele que é o indicado para ser o responsável
pelo Comp∴ ou se é minha
interpretação?
CONSIDERAÇÕES.
Uma coisa nada tem
a ver com a outra. Já expliquei bastante isso. Na questão dos Instrutores dos
Aprendizes e dos Companheiros no REAA leva-se em conta a hierarquia das Luzes e
o seu contexto histórico.
Segue assim um
breve resumo sobre esse fato: como somos herdeiros espirituais dos canteiros (cortadores
da pedra calcária) medievais, época em que somente existia a Maçonaria Operativa,
ou de Ofício, era o 2º Warden (diretor, zelador) o responsável por
receber um Aprendiz do Ofício e instruí-lo nas regras do trabalho. Nos
canteiros de obras medievais os Vigilantes ocupavam pequenas vivendas (abrigos).
O 1º se colocava no Ocidente e o 2º ao Meio-Dia, ou Sul da imensa oficina de
trabalho que era, nada mais do que o canteiro de obras de uma grande edificação
(catedral, igreja, abadia, etc.).
Cabe então entender
que no período operativo da Maçonaria não existiam Lojas especulativas, porém
guildas de construtores protegidos pela Igreja-Estado, cujas corporações de
artesãos (pedreiros) atuavam na profissão dentro do canteiro. Destaque-se que
as atuais Lojas especulativas são simbolicamente modelos estilizados de um
canteiro de obras onde operavam aquelas corporações de ofício. É daí que
atualmente também se conhecem as nossas Lojas Simbólicas como Oficinas.
Com a queda do
Ofício e a chegada da Maçonaria dos aceitos, ou especulativos, os ritos então
criados, principalmente a partir do século XVIII, respeitando muitas tradições extraídas
das old charges e dos puros landmarks, construíram as suas
liturgias.
Uma dessas práticas
foi a de posicionar a classe dos Aprendizes ao Norte e a dos Companheiros ao
Sul – isso para os ritos natos no hemisfério Norte.
Alguns ritos, como
é o caso do REAA, especulativamente instituíram o caminho iniciático (escalada)
pelo topo das Colunas do Norte e do Sul (paredes norte e sul do Templo onde se
colocam as Colunas Zodiacais). Com isso os Aprendizes passaram a ocupar a banda
setentrional (boreal) da Coluna do Norte e os Companheiros a meridional
(austral) da Coluna do Sul.
Buscando preservar
a herança cultural adquirida dos maçons operativos, mesmo estando os Aprendizes
posicionados ao Norte, quem os instrui é o 2º Vigilante. Desse mesmo modo, mas
de maneira inversa, isso acontece também com os Companheiros que, posicionados ao
Sul, são instruídos pelo 1º Vigilante. Entenda-se então que instrução nada tem
a ver com o lugar onde sentam os Aprendizes, os Companheiros e os Vigilantes, e
nem mesmo com o lugar em que se localizam as pedras, Bruta e Cúbica. A questão
aqui é apenas de hierarquia. O instrutor não carece ser nativo da mesma Coluna
que os instruídos.
Na verdade, pelas
entrelinhas o ritual segue essas tradições, lembrando ainda que os Vigilantes, que
eram os antigos Wardens, são auxiliares do Mestre da Obra (atual
Venerável Mestre) e não os "donos" das Colunas. Eles, os Vigilantes,
as dirigem em auxílio ao Venerável, porém seguem as regras que o Rito dita através
do seu ritual.
Cabe ainda
salientar que na Moderna Maçonaria, além dos Vigilantes, outros Mestres, independente
do lugar que ocupem em Loja, também podem agregar mais ensinamentos ministrando
instruções. Obviamente, desde que devidamente autorizados ou mesmo escalados
para essa missão. Em linhas gerais, instruções em Loja não são exclusividade
dos Vigilantes
Uma prova que não é
uma questão de lugar na Loja, veja, por exemplo, as práticas dos trabalhos
ingleses do Craft, por aqui muito conhecidas como Rito de York. Nele a Pedra
Bruta fica com o Segundo Vigilante ao Sul enquanto que os Aprendizes ficam ao Norte
(mais propriamente à nordeste). Assim, nota-se que nesse caso não é preciso existir
coincidência de lados, regiões, bandas e lugares na sala da Loja.
Cabe mencionar que não
há nenhuma regra obrigando que o Vigilante, como instrutor, ocupe a mesma
Coluna (ou região da Loja) do instruído. Isso é ideia ultrapassada e não condiz
com a pureza das tradições, usos e costumes.
No que diz respeito
à questão de o Companheiro passar "para" a perpendicular ao Nível
é de viés iniciático, pois o Aprendiz, agora elevado, terá a missão de simbolicamente
erguer as paredes à Prumo.
Quanto às respectivas
joias dos Vigilantes, essas também se relacionam com as antigas características
operativas, pois eram eles que, como principais homens de confiança do Mestre
da Obra, nivelavam (1º Vigilante) e aprumavam (2º Vigilante) os "cantos"
da construção para que os trabalhos se realizassem "justos e
perfeitos". Da mesma maneira, ao final da jornada de trabalho, quando do
encerramento, conferissem a aprumada e o nivelamento daquilo que fora executado.
Se "justos e perfeitos" os operários eram então pagos e despedidos
contentes e satisfeitos. Observe que o andamento ritualístico de abertura e de encerramento
previsto no ritual seguem essas regras. Na Moderna Maçonaria as velhas
aprumadas e nivelamentos especulativamente foram substituídas por um a palavra
que, para estar "justa e perfeita", deve antes ser transmitida de acordo
com as exigências do ofício.
Concluído, concernente à sua questão, nesse caso não há nenhum equívoco
no ritual. O mote é o de compreender aquilo que é preservado por tradição e
aquilo que possui significado iniciático. Ambas se fundem como produto da Arte
Real.
P. S. – O Ritual de
Aprendiz do REAA e o Sistema de Orientação Ritualística do GOB RITUALÍSTICA também
trazem mais colocações sobre quem são os instrutores oficiais dos Aprendizes e
dos Companheiros do REAA.
T.F.A.
PEDRO JUK
JULHO/2020
Respeitável irmão Pedro Juk, talvez ofuscado pela falta de informação, me permita por favor o risco de uma réplica.
ResponderExcluirEm todos os rituais do século XIX a que tive acesso, notadamente do GOB, ao final da iniciação o VM ordena ao MCCer que conduza o neófito ao topo da coluna do SUL. E no ritual de elevação, no qual consta a frase "um aprendiz que deseja passar da perpendicular ao nível", o VM questiona o segundo vigilante a respeito da condição do candidato, perguntando "Ir. 2 Vig., que regeis a coluna dos aprendizes, dizei-me se o Ir. que deseja passar da perpendicular ao nível, preencheu seu tempo..."
Posto isso, e considerando que a joia do 2 Vig. sempre foi o nível (perpendicular) e do 1 Vig. sempre foi o nível. Me parece bastante claro que passar da perpendicular ao nivel refere-se exatamente ao ato em si, ou seja a elevação ao grau de companheiro.
A frase "passar da perpendicular ao nível" perde o sentido e passa a gerar confusão porque na atualidade as lojas do REAA posicionam aprendizes e companheiros nas colunas invertidas.
Faz algum sentido minha ponderarão?
TFA
Pierre Rodrigues (Phoenix 55 - GOSC)
O problema está nesse ritual anacrônico. Não se pode dar mais valor ao molho do que à carne. Me baseio sempre na originalidade do rito que, no caso nasceu no hemisfério norte onde, no respectivo topo (parede norte) sentam os Aprendizes, enquanto que no Sul, em seu respectivo topo (parede Sul) sentam os Companheiros. Então, é inadmissível iniciáticamente que os Companheiros ocupem o Norte e os Aprendizes o Sul. O correto, no REAA, é exatamente ao contrário. Vale mencionar que o GOB no passado indevidamente invertia os Aprendizes e os Companheiros porque no Rito Moderno as Colunas Solsticiais são invertidas em relação ao REAA. No Rito Moderno e Adonhiramita, primeiros ritos praticados no Brasil, as Colunas são invertidas, contudo, os Aprendizes sentam no Norte e os Companheiros no Sul. O rituais equivocados do GOB copiavam as Colunas invertidas e ainda por cima invertiam os Aprendizes e os Companheiros. Não dá para se basear nesses rituais anacrônicos. REAA teve seu primeiro ritual na França, em 1804 e ele é baseado nos antigos de 1751 cujos Aprendizes e Companheiros ocupam o Norte e o Sul respectivamente. Também o 1º Vigilante no extremo do Ocidente e o Segundo ao Meio Dia. No REAA a joia do 1º Vigilante sempre foi o Nível e do Segundo a perpendicular, ou o Prumo (este pende perpendicularmente ao Nível). Por isso é que o Aprendiz passa para a perpendicular, ou seja, passa para o prumo que é perpendicular ao nível. Sugiro que não faça desses rituais antigos do GOB uma fonte de pesquisa fidedigna, pois há outros aspectos a ser considerados e não simplesmente porque trazem algo errado escrito. Não façamos do equívoco uma referência. No Brasil, originariamente o único rito que inverte os Aprendizes e os Companheiros é o Rito Brasileiro, simplesmente porque esse rito nasceu no Hemisfério Sul. T.F.A.
ExcluirMeu irmão, agradeço muito sua atenção.
ExcluirTenho a mesma linha de entendmento e pesquisa. Reconheço que o berço dos primeiros 3 graus do rito situa-se na França de 1804, hemisfério norte, e que tem raizes nos "antigos" de 1751, do qual se tem a exposure TDK. Reconheço também que do ponto de vista iniciático e/ou esotérico, considerando o caminho de evolução rumo à iluminação, posicionar os aprendizes ao sul é um contrasenso. Mas percebo e tomo o primeiro ritual impresso pelo GOB em 1834 como uma tradução literal do primeiro ritual francês de 1804. Não recoheço no ritual de 1834 nenhuma adaptação ou mudança em relação ao francês de 1804. Nos trechos que antes citei, o ritual francês contém, na iniciação, "Prenez place à la tête de la colonne du sud; elle est celle que vous occuperez dans ce grade." e na elevação "Frère second surv. qui commandez la col. des app., celui qui demande à passer de la perpendiculaire au niveau a-t-il fait son temps, et les frères de sa col. sont-il contens de lui?". Resta claro que neste ritual inaugural do grau de aprendiz no REAA, o lugar de assento dos aprendizes era a coluna do sul. Infelizmente, o TDK não nos traz detalhes suficientes para agregar luz ao tema.
Enfim, as informações que dispopnho me fazem crer que, mesmo sendo um contracenso em relação ao que se aceita como lógica do caminho iniciático, os primeiros rituais do REAA, tanto em França quanto aqui no Brasil, posicionavam os aprendizes no sul. O ritual inaugural da Grande Loja (1928), notadamente influenciado pelos escritos de Albert Pike (vide The Poch and the Middle Chamber - 1872) trouxe a mudança de posicionamento de aprendizes e companheiros (e muitas outras...).
Mais uma vez agradeço a preciosa contribuição do irmão.
TFA
Pierre