Em 04.06.2021 o Respeitável Irmão Ronaldo Fernandes, Loja Jacques DeMolay, 33, GLMES, REAA, Oriente de Vitória, Estado do Espírito Santo, apresenta a seguinte questão.
VENERÁVEIS VITALÍCIOS
Tenho buscado informações, como você nos ensina, fidedignas, sobre os
Veneráveis vitalícios que existiu século XVIII em França.
Tenho curiosidade de conhecer como se dava, como era eleito, como era
substituído, etc., o que se rotulou "donos de loja".
CONSIDERAÇÕES.
Essa não é uma história que se possa contar em poucas linhas, pois ela é
construída sofre fatos e acontecimentos pertinentes ao desenvolvimento da Maçonaria
Francesa nos séculos XVIII e XIX.
Em resumo, os episódios se alinharam pelo aparecimento de dois ramos de
Maçonaria em solo francês: um “stuartista” (escocesismo), livre, que não se
sujeitava a nenhuma Obediência e a outra dependente da Primeira Grande Loja que
fora fundada no ano de 1727 em Londres.
havia se expandido pelo continente europeu na época. Segundo alguns autores, na França a Maçonaria foi introduzida em Paris por volta de 1725 em uma Loja instalada por iniciativa de Charles Radclyffe, o Conde de Derwentwater e teria sido frequentada principalmente por maçons de origem irlandesa e jacobitas (católicos) exilados.
Desse modo, no curso da história as Lojas francesas ficariam então
divididas em dois grupos – as Lojas derivadas do “stuartismo” e as derivadas da
Grande Loja inglesa de 1717. Essas últimas que eram em menor número.
Embora sem existir ainda uma Obediência genuinamente francesa, em 1728 o
Duque de Wharton, Ex-Grão-Mestre da Primeira Grande Loja londrina (1722 e
1723), foi reconhecido como o 1º Grão-Mestre dos maçons franceses, sendo
sucedido por outros dois Grão-Mestres que eram também ingleses – James H.
MacLean e Charles Radclyffe (todos ingleses).
Em 1735, pelo grande número de Lojas stuartistas (tronco do escocesismo)
então surgidas, pleiteou-se a necessidade de se designar um Grão-Mestre para
uma Obediência genuinamente francesa, com isso as poucas Lojas de Paris ligadas
à 1ª Grande Loja em Londres acabariam fundando uma Loja Provincial Na França,
mesmo que a contragosto dos ingleses.
Assim, a 24 de junho de 1738 era instalado Louis de Pardaillan de Gondrin,
o Duque d’Antin como “Grão-Mestre Geral e Perpétuo dos Maçons do Reino da
França”. A bem da verdade, esse acontecimento estancava a subserviência da
Maçonaria francesa à Primeira Grande Loja londrina.
Mais tarde, no curso dos acontecimentos e com o falecimento do Duque
d’Antin em 1743, assume o grão-mestrado francês o personagem Louis de Bourbon
Condé, o Conde de Clermont.
Esse grão-mestrado, contudo, trouxe consequências graves para a Maçonaria
francesa, sobretudo pelo seu desinteresse pelas práticas maçônicas, o que fez
com que fossem nomeados prepostos para dirigir a Grande Loja, cujos quais exercendo
todo o seu poder, acabariam por fraccionar a recém criada Obediência francesa, principalmente
pelas oposições que entre si eles mesmo provocavam.
Nesse contexto, pode-se citar como exemplo, o extraordinário tumulto
ocorrido na festa dedicada a São João Evangelista em 27 de dezembro de 1766,
quando maçons excluídos por motivos de rixas internas invadiram o local onde se
realizavam os trabalhos. Houve necessidade de intervenção policial para que a
ordem pudesse ser restabelecida.
O resultado desse tumulto foi a proibição das atividades maçônicas que
durariam até 1771 (cinco anos de paralização).
Em 1771, com o falecimento do Conde de Clermont, muitos maçons que
haviam sido excluídos, conseguem o aval do Duque de Luxemburgo para conduzir Louis
Philippe Joseph d’Orléans, o Duque de Chartres, primo do rei, para ser o
Grão-Mestre da França, contudo esse Grão-Mestre deixa toda a administração da
Grande Loja francesa para o Duque de Luxemburgo. A bem da verdade, era essa a
intenção, pois visava-se aproveitar o prestígio do Duque de Chartres, que era primo
do Rei, para ajudar a reerguer a então combalida Maçonaria francesa –
proliferação e descontrole de Altos Graus e a fundação de centenas de Lojas com
veneráveis vitalícios que ficariam conhecidos como “donos de loja”.
Ainda em 1771, um grupo de maçons, então reintegrados e consorciados com
o Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente que havia sido criado em
1758 por Pirlet, formam uma comissão com a finalidade de organizar uma reforma
administrativa na Maçonaria francesa, elaborando assim novos estatutos para
fazer uma reorganização na desordem que prevalecia no ambiente dos Altos Graus,
dentre outros.
Destaca-se nessa reforma administrativa a introdução de eleições
periódicas para Venerável Mestre, o que desagradou de imediato os tais
“veneráveis vitalícios”, também conhecidos como donos de Lojas, comuns nas lojas
parisienses como já comentado.
Esses veneráveis vitalícios nada mais eram, de fato, do que donos das
suas Lojas já que na conturbada organização da Maçonaria francesa, muitos
criavam suas próprias Lojas e assumiam seus mandatos pela vida toda, isso
quando não criavam ainda Altos Graus para se promover perante a aristocracia
francesa.
Esses Veneráveis com mandatos para a vida inteira acabariam resistindo
contra essa reforma e por isso se ligaram a outra Grande Loja que ficaria
conhecida como a Grande Loja de Clermont ou o Capítulo de Clermont. Esse
Capítulo, que fora criado em 1754 pelo Cavaleiro de Bonneville, objetivava sacramentar
definitivamente uma classe especial de maçons com os seus Altos Graus,
dando-lhes, principalmente, uma conotação aristocrática. Teve vida efêmera e
acabou se extinguiu-se em 1789.
Por conta das reformas, no final do ano de 1771, uma assembleia
especialmente convocada para esse fim, declarava extinta a Grande Loja da
França e, em 1772 era criada uma nova Obediência denominada Grande Loja
Nacional da França. Ainda nesse mesmo ano, a 22 de outubro, a Grande Loja
Nacional da França se reunia em assembleia geral e adota para si no nome de Grande
Oriente da França.
Nesse sentido, a grande inovação promovida, agora pelo Grande Oriente da
França, foi a chamada “democracia maçônica” que é baseada num poder central
assessorado por um grupo de deputados de todas as Lojas. Enfim, esse tem sido,
desde então, uma característica dos Grandes Orientes.
Vale mencionar que já ano de 1758 era criado por Pirlet o Conselho dos
Imperadores do Oriente e do Ocidente. Desse Conselho se originaria em solo
francês o Rito de Perfeição, ou Heredom, com 25 graus. A bem da verdade uma
concepção organizada para organizar o caos que vivia o sistema de Altos Graus
na França.
É bom que se diga que boa parte desses Altos Graus foram criados aleatoriamente
por “donos de lojas” e serviam mais para explorar as vaidades e satisfazer egos
do que trazer crescimento iniciático.
Assim, em 1778 o Grande Oriente da França nomeia uma comissão de maçons
esclarecidos para realizar um profundo estudo do sistema de graus vigente,
visando com isso eliminar doutrinas estranhas ao pensamento maçônico,
principalmente.
Na realidade, o que se buscava era um Rito com menor número possível de
graus em contraposição ao emaranhado de graus existentes no contexto francês de
Maçonaria.
Depois de três anos essa comissão concluiu que o melhor para o Rito era
trabalhar apenas no franco-maçônico básico – Aprendiz, Companheiro e Mestre (o
termo simbolismo ainda não era conhecido). Mas, infelizmente, para não fugir à
regra latina, o Grande Oriente “achou” que isso poderia gerar descontentamentos
e até mesmo cisão, tendo em vista o grande número de maçons existentes já
condecorados com os Altos Graus. Com isso, mesmo antes de um parecer oficial, a
comissão achou por bem renunciar.
Refletindo melhor sobre a situação, o Grande Oriente acabou acatando o
parecer da comissão e expediu uma circular em 03 de agosto de 1777 na qual
declarava que só reconheceria os 3 primeiros graus.
Foi o que bastou para que aflorassem enormes ressentimentos no seio da
Maçonaria Francesa, pois a contaminação pelo amor a esses graus de paramentos
vistosos estava por demais radicado. Para muitos maçons do Grande Oriente,
sobretudo aqueles que tinham perdido o cargo de venerável vitalício, a redução
de graus os levaria ainda mais a um caráter de inferioridade.
Assim, mais uma vez, diante dos descontentamentos aflorados, é que em
1782 o Grande Oriente instituiu uma Câmara dos Graus, sob a liderança de
Alexandre Roëttiers de Montaleau, para formatar o Rito dando-lhe Altos Graus,
porém apenas os essenciais. Com isso, em 1784 sete Lojas Capitulares Rosa-Cruz constituem
o Grande Capítulo Geral da França para trabalhar nessa nova formatação
capitular. Em 1786, um projeto de um Rito com apenas 7 Graus seria aprovado
pela assembleia e posto em prática.
A título de ilustração, é somente em 1801, época pós Revolução Francesa,
com a publicação do Le Régulateur du Maçon, é que o Rito Francês passa a
ter os seus rituais e fica conhecido com sistema dos 7 graus do Grande Oriente
da França.
Em 1804 a vertente maçônica francesa do escocesismo passa a ter em Paris
o 2º Supremo Conselho do REAA, cujo Rito, herdado do Rito de Perfeição, ou de Héredon,
com seus 25 Graus que passa para 33 Graus nos EE. UU. da América do Norte, passa
a ser chamado de Escocês, Antigo e Aceito.
Aí começa um segundo capítulo da Maçonaria Francesa com uma Loja Mãe
Escocesa, Lojas Capitulares em 1816 e o ingresso do 1º ritual para o simbolismo
do REAA no Grande Oriente da França.
Desse modo o simbolismo do REAA constrói a sua história na Europa a
partir do seu primeiro ritual para o franco-maçônico básico datado de 1804 e já
deturpado em 1821 por imposição do Grande Oriente da França ao adaptá-lo para Loja
Capitular, mas essa é outra história.
Ainda sobre o Rito Moderno, o mesmo passaria ainda por revisões no curso
da sua história, principalmente entre os séculos XIX e XX a exemplo da de Murat,
em 1858; Amiable, em 1887; Blatin, em 1907; Gérard em 1922; Groussier, em 1946.
Foi então do ambiente conturbado da Maçonaria francesa do século XVIII,
principalmente antes da Revolução Francesa, que os Veneráveis vitalícios – que criavam
suas próprias Lojas – se desenvolveram e desapareceram após a reforma e a
criação do Grande Oriente da França, oportunidade na qual Veneráveis Mestres
passavam a ser eleitos pelos membros das Lojas.
Graças a esses acontecimentos, onde a depuração fez com que muitos maçons
perdessem seu irregular status simbolizado por aventais vistosos e títulos hauridos
de graus aristocráticos e cavalheirescos é que surgiu, em 1777, a Palavra Semestral como penhor
de regularidade na Maçonaria francesa.
A história, mesmo que contada de modo superficial, carece muitas vezes de
abordagem em tópicos que construíram as causas dessa mesma história. Assim,
peço perdão pela prolixidade, mas foi o modo mais abreviado que pude encontrar
para dissertar um pouco sobre a existência no passado dos então chamados “donos
de loja” e os seus “mandatos vitalícios”. Na academia da história, muitas vezes
os fatos somente se explicam quando lhes revelamos a sua causa.
T.F.A.
PEDRO JUK
http://pedro-juk.blogspot.com.br
DEZ/2021
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