Em 06.10.2022 o Respeitável Irmão Reynaldo Calaza, Loja Comércio, 0058, REAA, GOB-RJ, Oriente do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, faz a seguinte pergunta:
REAA, RITUAIS DE 1972 E 1988
Recentemente ganhei alguns Rituais antigos do REAA
Comecei a ler os Rituais que ganhei e vi que no Ritual de 1972 não havia as colunas Zodiacais, os Aprendizes se sentavam na Coluna do Sul, a Pedra Bruta também na Coluna do Sul, a Coluna Sul como "B" e claro que na Coluna do Norte o oposto, Companheiros, "J" e a Pedra Cúbica.
No Ritual de 1988 8º edição, já tem a atual formatação, por ter passado
pela função de 2º
Vigilante e atualmente como 1º Vigilante me perguntam
(Aprendizes e Companheiros) o porquê desta diferença/mudança para os outros
Ritos.
O Irmão poderia explicar o porquê desta mudança do REAA ou indicar uma
literatura?
CONSIDERAÇÕES.
Lamentavelmente esse ritual de 1972 do GOB é um verdadeiro atentado
contra a liturgia e a ritualística original do REAA. O de 1988 melhorou um
pouco, mas deixou muito a desejar.
Para que se possa compreender essa indevida inversão de colunas vestibulares
no escocesismo, é preciso antes entender que nos ritos Moderno e Adonhiramita essas
colunas de fato são invertidas em relação ao que é usado no escocesismo.
Originalmente no REAA a Coluna B∴ fica à esquerda de quem entra e a Coluna J∴ à direita (como descrito em Reis). Já
nos Ritos Moderno e Adonhiramita, J∴ fica à esquerda e B∴ à direita.
A explicação para essa inversão é porque na França esses dois ritos,
através do Grande Oriente da França seguiam a forma com que os Modernos
ingleses da Premier Grand Lodge (1717) de Londres
dispunham as colunas vestibulares (J e B). É notório que os Modernos da
Primeira Grande Loja londrina fizeram alterações drásticas na forma antiga de
trabalho para fugir das exposures (revelações) que apareciam cada vez
dos jornais londrinos da época e revelavam como os maçons trabalhavam em suas lojas.
Essa forma alterada de trabalho fez com que surgisse mais tarde na
Inglaterra uma Grande Loja rival que combateria essas alterações e assim se
autodenominaria como “Antiga” por preservar, segundo eles, os costumes
originais, enquanto que pejorativamente, chamava a primeira Grande Loja de “Moderna”
por ter alterado a antiga forma de trabalho.
Isso é um detalhe importante na história, até porque na época existiam na
França duas vertentes de Maçonaria, a do Grande Oriente da França que era ligado
aos “Modernos” da Inglaterra (daí o nome de rito Moderno) e a outra, que era livre
e não se submetia às influências da Primeira Grande Loja inglesa. Essa vertente
livre nascera no Norte da França no século XVII e esteve ligada ao séquito dos Stuarts
(Reis Católicos da Inglaterra), cuja viúva de Carlos I, Henriqueta de France,
recebera do rei Luís XIV exílio em Saint-Germain-en-Laye. Vertente maçônica ligada
aos Antigos que faziam oposição aos Modernos, ela acabaria dando origem ao
escocesismo, sistema de altos graus que mais tarde culminaria no Rito de
Perfeição (Heredon) e por fim no rito Antigo e Aceito que ficaria universalmente
conhecido como Rito Escocês Antigo e Aceito.
O adjetivo “escocês” ocorreu porque a família dos Stuarts, era
natural da Escócia. Essa família, conhecida no contexto como Reis Católicos, esteve
no trono da Inglaterra por diversas vezes. A rainha Henriqueta era a esposa de
Carlos I, então decapitado em 1649 durante a revolução puritana de Cromwell. Foi
por esse motivo que a rainha acabou se exilando na França - esses são conhecimentos
básicos para se entender o que é o escocesismo na Maçonaria.
No que diz respeito às Lojas rivais, Antigos e Modernos, para melhor entendimento
sobre o assunto, sugiro perscrutar a história da Maçonaria Inglesa e a sua influência
na França. Esses pormenores são importantes porque eles ajudam, no final e em
muitos casos, explicar a liturgia e a ritualística particular de cada rito dessas
vertentes, aqui em especial a do REAA.
É bom que se diga que os ritos maçônicos trazem muitas diferenças entre
eles quando se trata de liturgia e ritualística. É o caso, por exemplo, das
Colunas B∴ e J∴ que aparecem dispostas de uma maneira em alguns ritos e de outra em
outros ritos. Do mesmo modo, invertem-se também a posição dos Vigilantes
conforme o rito, e por aí vai.
No que diz respeito à disposição das Colunas Vestibulares, tomando-se
por base três ritos de origem francesa, como o REAA, o Moderno e o
Adonhiramita, logo percebe-se que em relação a posição esquerda e direita de
quem ingressa no templo, no REAA a Coluna B∴ fica à esquerda e a J∴ à direita, enquanto que nos outros dois ritos as colunas se encontram
dispostas de modo invertido, ou seja, J∴ à esquerda e B∴ à direita.
Observe-se também que a disposição J∴ (esquerda) e B∴ (direita) ocorre na vertente francesa dos chamados “Modernos”, enquanto
que B∴ (esquerda) e J∴ (direita) ocorre na vertente francesa,
mas do escocesismo, onde muitos costumes se relacionam com os “antigos”, livres
e aceitos.
Comentados esses aspectos relacionados à inversão das duas Colunas Vestibulares,
outro detalhe importante a ser ressaltado é que o REAA, o Moderno e o
Adonhiramita são todos ritos nascidos no hemisfério Norte. Esse é um
importante detalhe que serve para explicar que independentemente de como estejam
dispostas as Colunas Vestibulares e os Vigilantes no templo, os Aprendizes sempre
ocuparão a Coluna do Norte e os Companheiros a do Sul. Nesse caso, a observação
do Sol na sua eclíptica é necessariamente feita do hemisfério Norte da Terra e
é ela que define e explica muitas das disposições de elementos na Loja.
O que de fato regula a posição dos Aprendizes e Companheiros na Loja não
são as Colunas B∴ e J∴, mas o hemisfério em que o rito correspondente nasceu. As colunas podem
até se inverter conforme a vertente maçônica, mas os Aprendizes e Companheiros
nunca quando se tratar de rito originário do Hemisfério Norte.
O porquê dos Aprendizes no Norte e Companheiros no Sul – Do ponto de
vista do hemisfério Norte, quanto mais ao Norte alguém estiver, mais afastado ele
estará do Equador, isso quer dizer que devido a esse afastamento o topo do Norte
acaba recebendo menos luz do Sol.
Assim, os ritos maçônicos nascidos no Norte se valem dessa alegoria solar
- haurida dos cultos solares da Antiguidade - para iniciáticamente definir o lugar
dos Aprendizes e dos Companheiros no templo. Desse modo, os Aprendizes,
representando a infância e por estarem no início da jornada, portanto com menos
conhecimento, ocupam o Norte do templo onde simbolicamente há menos luz. Já os
Companheiros, representando a juventude, portanto mais instruídos, ocupam o Sul
do templo onde simbolicamente há mais luz. Nesse contexto, a luz simboliza conhecimento,
esclarecimento, aperfeiçoamento, etc.
Vale mencionar que a banda Sul é aparentemente mais iluminada devido ao movimento
aparente do Sol na sua eclíptica. Isso pode ser facilmente constatado nos Painéis
do 1º e 2º do Grau quando observamos que nele há três janelas que indicam a
passagem da luz, uma situada no Oriente, outra ao Sul e ainda outra no Ocidente.
O detalhe é o de que no Norte não há janela porque no seu movimento aparente,
quem estiver no Norte vê o Sol passra pelo Sul. Graças a essa distribuição solar,
do ponto de vista do setentrião, é que o Sul, desde os tempos bíblicos ficou
também conhecido como Meio-Dia (hora mais iluminada).
Desse modo é possível explicar do porquê que em qualquer circunstância,
em se tratando dos Ritos Moderno, Adonhiramita e Escocês Antigo e Aceito, os
Aprendizes sempre ocuparão o Norte e os Companheiros o Sul, mesmo que
haja inversão de Colunas Vestibulares e de Vigilantes nos dois primeiros
mencionados.
Nesse contexto cabe mencionar que a Maçonaria Brasileira é filha
espiritual da França. Isso porque os dois primeiros ritos regulares por aqui
praticados foram o Rito Francês (Moderno), e o Rito Adonhiramita, em 1801. O REAA,
que também é de origem francesa, somente chegaria oficialmente ao Brasil no ano
de 1832.
Em relação à ritualística primitiva do REAA, cabe registrar que ele somente
teve o seu primeiro ritual para o simbolismo em 1804 na França. Esse ritual, embora
ainda de construção rudimentar, já em 1816 teria que se adaptar ao sistema capitular
de Lojas, formato então criado pelo Grande Oriente da França onde o Athersata,
dirigente do Capítulo Rosa Cruz (Grau 18 do REAA) era também o Venerável Mestre
do simbolismo. Na realidade, tudo ocorria em Loja Capitular, razão pela qual criou-se
o Oriente elevado e dividido no REAA para acomodar o santuário Rosa Cruz. Nessa
época só ingressavam no Oriente os portadores do 18º Grau. Quando tudo isso
acabou, o Oriente permaneceu elevado e separando, ficando reservado apenas aos
Mestres Maçons e aos ex-Veneráveis.
Esses acontecimentos - que merecem ser estudados amiúde - colaboraram para
o aparecimento logo em 1820/21 de um guia denominado Guia dos Maçons Escoceses,
cujo qual já alterava em muitos pontos a estrutura do primeiro ritual nascido
em 1804.
Na verdade, esse guia romperia com a originalidade, ainda que incipiente,
do primeiro ritual, principalmente para se adaptar à liturgia capitular, pelo menos
enquanto ela durasse.
Mais tarde, após a definitiva extinção das Lojas Capitulares, desafortunadamente
muitos costumes do Capítulo acabariam ficando enraizados nos rituais do simbolismo
do REAA. Assim, iniciava-se a sofrida trajetória de enxertos e acomodações nos
rituais do simbolismo do REAA.
Alerto que para se entender o trajeto da paulatina construção dos
rituais do simbolismo do REAA é necessário antes estudar (em fonte de água
limpa) a história do primeiro ritual e os elementos que influenciaram a sua
construção na França. Fica aqui a dica (muito a respeito pode ser encontrado no
Blog do Pedro Juk em http://pedro-juk.blogspot.com.br).
Não obstante as alterações que ocorreriam por conta do que foi comentado,
também no Brasil, por ocorrências históricas, os rituais simbólicos do escocesismo
acabariam sofrendo ao longo dos séculos XIX e parte do XX toda a sorte de
enxertos oriundos de outros ritos, principalmente dos ritos Moderno e Adonhiramita
que por aqui já vinham sido praticados desde 1801 sob os auspícios do Grande
Oriente da Ilhe de France, e do Grande Oriente Lusitano – o GOB somente
apareceria em 1822.
Esses registros ritualísticos desencontrados podem até parecer compreensíveis
em se levando em conta as dificuldades naturais advindas dos primórdios da Maçonaria
brasileira, sobretudo pela falta de comunicação em uma época ainda distante das
evoluções tecnológicas da comunicação. Nessa época os rituais eram compilados
em simples folhas avulsas de papel e traziam um conteúdo bastante reprovável em
termos de originalidade. Fazer o quê? Era o que tinha.
Além disso, ainda outros fatores no decorrer dos tempos iriam colaborar
para a proliferação de muitos textos ritualísticos anacrônicos e suspeitos na
sua originalidade.
Além do sistema capitular que também ingressaria no Brasil, a partir de
1854 a Maçonaria Brasileira passaria a ser comandada por um Soberano Grande
Comentador do Grau 33 do REAA. Isto é, o Soberano Grande Comentador era também o
Grão-Mestre Geral da Maçonaria Brasileira. Isso duraria aproximadamente até
1954 quando o GOB voltaria a essencialmente uma obediência simbólica.
Essa ingerência do Supremo Conselho do REAA no simbolismo não agradou os
demais ritos aqui praticados, sobretudo pelo trato desprezível que era dado à
liturgia e a ritualística dos três primeiros graus.
Em resumo, mais rituais contraditórios à originalidade de cada rito
apareceriam. Entenda-se que o Rito Moderno possuía 7 graus e tinha sua Oficina
Chefe, assim como o Adonhiramita com seus 13 graus. Todos comandados por um
Soberano do REAA com 33 graus. Por certo que isso nunca daria certo. Por
oportuno, é bom lembrar que também já transitava por aqui o Rito de York.
Assim, sem nenhum critério a maioria dos rituais eram elaborados
misturando práticas e costumes que se somavam ainda às invencionices e aos
achismos.
No início do segundo quartel do século XX viria, em 1927, a primeira
grande cisão da Maçonaria no Brasil. Diante desses fatos, mais rituais seriam
então elaborados e cada um deles geralmente construídos com práticas estranhas a
originalidade do rito.
Agora com duas Obediências constituídas, o REAA no Brasil teria rituais para
as Grandes Lojas e outros para o GOB. Infelizmente, entre eles persistiam
diferenças, muitas delas hauridas por conta de reconhecimento. Por exemplo,
muitas práticas das Blue Lodges norte-americanas acabariam indevidamente
enxertadas nos rituais do REAA.
Muitas dessas indevidas inserções perduram até hoje e são visíveis pelas
diferenças encontradas entre alguns rituais de um mesmo rito, mas de
Obediências distintas.
Em 1972/73 aparece então a segunda grande cisão na Maçonaria brasileira,
oportunidade em que vem a luz uma nova obediência maçônica, esta então composta
por Orientes Independentes. Com isso, a obediência que acabara de florescer passava
a elaborar os seus próprios rituais.
A Maçonaria Brasileira, agora com três Obediências regulares, o GOB, a
CMSB, e a COMAB, passava a se servir de mais rituais editados para um mesmo
rito, mas ainda com muitos procedimentos ritualísticos diferenciados.
Há que se destacar que essa profusão de rituais de um mesmo rito, mas
com visíveis diferenças de procedimentos conforme a Obediência, acabaria
produzindo mais elementos contraditórios nos trabalhos das Lojas, sobretudo
quando Irmãos mudam de Obediência e levam consigo costumes muitas vezes contraditórios
ao ritual da Obediência que os recebeu e insistem indevidamente a alterar o
previsto no ritual. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura, muitas dessas
inserções acabam sendo adaptadas quando da impressão de novos rituais.
Assim, a Maçonaria regular brasileira acabou produzindo uma enorme
quantidade de rituais, contudo na sua grande maioria de originalidade suspeita.
Um exemplo disso são esses dois rituais citados na questão. Sem medo de errar,
eles são produtos dessa situação criada principalmente no modo latino de fazer
Maçonaria, onde graças aos carimbos e convenções, para muitos somente vale o
que está escrito, não importando se o que está escrito esteja certo ou errado.
Enfim, cada rito foi construído sobre uma base doutrinária, portanto, muitos
elementos simbólicos e alegóricos têm nele finalidade única. É preciso
perscrutar a chave dessa construção para compreender seus propósitos
doutrinários. Boa parte dos ritos maçônicos são solares. Alguns possuem caráter
ou deísta, ou teísta ou ainda agnósticos. Desse modo os elementos simbólicos e
topográficos se distribuem na decoração do Templo de tal modo que eles façam
sentido na mensagem proposta.
O Rito de York, rito de origem anglo-saxônica, por exemplo, é teísta por
excelência. Nele a Pedra Bruta fica junto ao 2º Vigilante no Sul, no entanto,
os seus Aprendizes ocupam o lado nordeste da Loja. Já nos ritos Moderno,
Adonhiramita e REAA, a Pedra Bruta fica do mesmo lado em que os Aprendizes
sentam, ou seja, no Norte. As Colunas Zodiacais, marcam as constelações do Zodíaco
na base da abóbada do REAA. Elas marcam a senda do iniciado em busca de
aperfeiçoamento. No princípio, o Zodíaco era representado apenas na base da abóbada.
Não haviam Colunas Zodiacais. Elas só apareceriam mais tarde como opção de representar
os ciclos iniciáticos comparados aos ciclos da Natureza. A propósito no Blog do
Pedro Juk poderão ser encontradas muitas referências sobre as Colunas Zodiacais
e os topos das Colunas do Norte e do Sul.
Então, antes de tentar identificar o que é certo ou errado nesse oceano
de rituais brasileiros, recomento antes compreender a proposta do Rito, sua
história, sua cultura, sua formatação iniciática, etc. Compreendido esse
particular o caminho certamente se tornará mais claro para que se possa separar
o joio do trigo.
Ao concluir posso lhe assegurar que o GOB em 1996 deu um grande passo na
purificação dos seus rituais do REAA, conseguindo extirpar grande parte dos
enxertos e invenções que os descaracterizavam. Assim, o ritual de 2009 em
vigência, orientado pelo SOR, Sistema de Orientação Ritualística criado pelo
Decreto 1784/2019 do Grão-Mestre Geral é o que se tem de melhor no momento para
o escocesismo no GOB. Ao contrário do que muitos pensam, não houve mudanças, porém,
correções e volta à originalidade. É verdade que muito ainda precisa ser feito.
Foi com esse propósito que o SOR foi elaborado, ou seja, para ser aplicado
sobre os atuais rituais em vigência.
T.F.A.
PEDRO JUK
http://pedro-juk.blogspot.com.br
FEV/2023
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