terça-feira, 1 de maio de 2018

RITUAL DE EMULAÇÃO E RITO DE YORK - O CRAFT INGLÊS E O NORTE-AMERICANO


Em 12/02/2018 o Respeitável Irmão Ivan Barbosa Teixeira, Loja Tiradentes, 65, Rito de York, sem mencionar a Obediência e a Cidade, Estado do Rio de Janeiro formula a seguinte questão:

RITUAL DE EMULAÇÃO E RITO YORK


Vejo muitos Irmãos confundirem os Trabalhos de Emulação com o Rito de York (também chamado de Rito Americano das Blue Lodges.). Embora eu tenha lido que, a bem da verdade, devemos ter em mente que o termo “Rito de York” se refere apenas aos Altos Graus (de Mestre da Marca a Cavaleiro Templário e outras ordens anexas), assim como o R.E.A.A. referem-se apenas aos graus compreendidos entre o 4 ao 33. Sendo as l
ojas simbólicas chamadas de Blue Lodges e seus Rituais de “Monitores de Webb”
O Irmão poderia dissertar sobre o assunto?

CONSIDERAÇÕES.

Esse é um assunto que tem sido muito explorado por alguns escritores maçônicos, autênticos e tendenciosos, sobretudo aqui no Brasil.
Na realidade o título Rito de York, amiúde não cabe na Maçonaria Inglesa, sobretudo porque os ingleses não reconhecem “rito”, mas “Trabalhos” (Workings). Nela também não se admitem os “graus superiores”; esses muito conhecidos da Maçonaria latina.
A rigor, na Inglaterra se admitem apenas os graus laterais, distinguidos como side degrees, ou então como Ordens de Aperfeiçoamento, porém nunca reconhecidos como um grau acima do terceiro no Francomaçônico Básico.
A questão “além do terceiro grau” começou na Inglaterra com o Irmão Lawrence Dermott e a fundação da Grande Loja dos Antigos (1751) para fazer oposição aos Modernos de 1717. Alegava esse Irmão que a sua Grande Loja possuía uma pretensa antiguidade, e assim instituiu o Santo Real Arco como uma espécie de extensão do mestrado sob a justificativa de que se precisava dar desfecho à Lenda do Terceiro Grau para se encontrar a Palavra perdida. Na realidade esse foi um artifício inteligente criado por Dermott para atrair, antes da União, maçons da Primeira Grande Loja para a sua Grande Loja - a dos Antigos[1].
No que diz respeito ao Rito de York, afirmava Dermott sempre para justificar a declarada e pretensa antiguidade, ter existido uma “convenção de maçons” no século X (926) na cidade medieval de York, em cuja qual, coordenada por Edwin, filho do Rei Athelstan, houvera a criação de normas, condutas ritualísticas e outros afins para a Fraternidade.
Na realidade, Edwin nem mesmo era filho do Rei, mas seu sobrinho, e essa provável convenção somente aconteceu entre as Guildas Construtoras do norte como uma reunião para avaliar os prejuízos sofridos pelas invasões dos povos bárbaros - entenda-se que naquela época não existiam rituais especulativos e nem mesmo Lojas à moda como hoje conhecemos.
Foi graças a isso que a pequena cidade medieval de York, situada na Inglaterra, se consagrou fantasiadamente - na visão de Dermott - como uma espécie de “Meca” da Maçonaria e o título “York” como rótulo para um rito maçônico.
Despindo-se dessas fantasias, ao contrário de Rito, o termo mais apropriado para a Maçonaria inglesa é simplesmente “Craft” que, no sentido da palavra designa o grêmio, ou o ofício - referindo-se àquele dos antigos construtores da pedra calcária, ancestrais da Maçonaria.
Nesse sentido, outro aspecto não menos importante que envolve a Maçonaria Inglesa após o Ato de União entre os Antigos e os Modernos foi o de que apareceu a Loja Especial de Reconciliação com a intenção de fazer os acertos litúrgicos e ritualísticos ensaiando de modo decorado as cerimônias do Working inglês e que deu, de certo modo, a espinha dorsal para o cerimonial do Craft aprovado pela Grande Loja em 1816 (vide também a Loja Especial de Conciliação - 1809 a 1811, antes da União).
Assim, em 1823 seria então instalada a Loja de Aperfeiçoamento (Improvement) que daria formato definitivo preservando os trabalhos (workings) do Craft. Esse processo de ensaio, preservação e melhoramento ficou conhecido como Ritual de Emulação, ou Os Trabalhos de Emulação, mas não como um Rito propriamente dito, entretanto como uma maneira ordenada, decorada e disciplinada de se trabalhar nas Lojas. Um dos principais expoentes dessa Loja foi o Irmão Peter Gilkes, falecido em 1833.
Destaque-se mais uma vez que essa prática não é um Rito, pois os ingleses não adotam esse termo na sua Maçonaria. Os ingleses têm sim por hábito respeitar as diversas manifestações culturais das regiões do seu país, não obstante exista uma rigorosa observação dos Preceptores para que ninguém se afaste da conduta ritualística básica determinada pela Grande Loja - trocando em miúdos, é proibido inventar.
Nesse sentido na Inglaterra existem, além dos Trabalhos de Emulação e Aperfeiçoamento, outras práticas no Craft, como por exemplo, a do Humber, do Taylor’s, do Sussex, do West-End, do Bristol, etc. Note que na Inglaterra a Grande Loja não adota o nome Rito de York, talvez não pela sua estrutura em si, mas porque ela não utiliza a palavra “rito”.
Quanto a Maçonaria nos Estados Unidos da América do Norte a história é um pouco diferente, entretanto é inegável a influência inglesa nessa Maçonaria.
Na América do Norte a Ordem Maçônica seguiu os passos dos Antigos de Dermott, porquanto o termo “York” acabaria por se consolidar nos EUA.
Seguindo o curso da história, os maçons norte-americanos visando à sua independência do reinado inglês, ficariam afastados da Primeira Grande Loja (a dos Modernos) já que essa Grande Loja mantinha relação bastante aproximada com a Coroa inglesa por influência da Royal Society Londrina.
Assim sendo, o maçom Thomas Smith Webb acabou organizando a estrutura ritualística da Maçonaria norte-americana dando-lhe característica baseada nos “Antigos de York” (irlandeses sem muita afinidade com a Coroa).
Desse modo, o Craft norte-americano (simbolismo) ficou sendo conhecido como Lojas Azuis (semelhante ao simbolismo), enquanto que as suas extensões de aperfeiçoamento – da Marca aos Cavaleiros Templários - diferente dos ingleses, ficariam conhecidos como os altos graus de um conjunto denominado York Rite.
Ainda em relação ao Craft (Blue Lodges) da Maçonaria norte-americana, a sua estrutura simbólica se desenvolve baseada principalmente no Ducan’s Ritual, embora cada Grande Loja dos estados norte-americanos possa ter também a sua característica, mas sem muito se afastar espinha dorsal ritualística do Craft.
É oportuno mencionar que no país norte-americano os membros das Lojas Azuis, ao seu desejo, praticam a extensão dos Altos Graus do Rito de York (Americano), assim como também os do REAA.
Curiosamente a prática maçônica norte-americana acabou influenciando alguns rituais escoceses aqui no Brasil. Essa “yorkização” acabou se dando por conta da busca de reconhecimento nas Grandes Lojas dos EUA por Mário Béhring para as suas Grandes Lojas brasileiras fundadas por ele em 1927. No afã de ser reconhecido, dentre outros, muitas práticas do Craft norte-americano acabaram, provavelmente para angariar simpatia, aportando nos rituais do REAA por aqui – veja, por exemplo, o que acontece em alguns rituais brasileiros onde o Altar dos Juramentos foi colocado centro ao Ocidente, a cor azul foi inserida na os aventais escoceses, a utilização do Salmo 133 na abertura da Loja, os Diáconos portando bastão, etc.(nada disso é autêntico no REAA\).
No que diz respeito ao uso equivocado do nome Rito de York utilizado no Brasil, sobretudo no GOB onde esses rituais são oriundos do Craft inglês, essa anomalia advém de um erro de grafia como se verá logo adiante.
Infelizmente, apesar de já ter sido incansavelmente apontado esse erro, encontramos ainda Irmãos que ferozmente defendem o título de York no lugar do Craft que é praticado na Inglaterra, mesmo que o título York nem mesmo seja por lá mencionado.
Esse erro teve origem por aqui em dezembro de 1912 quando o Grande Oriente do Brasil assinou um tratado com a Grande Loja Unida da Inglaterra. Nessa oportunidade esse tratado fora composto por textos impressos, um em português e o outro em inglês. No inglês, o título era descrito como “Grand Council of Craft Masonry in Brazil” o que significa em livre tradução do idioma inglês como “Grande Conselho do Ofício Maçônico no Brasil”. Já no texto em português o título fora traduzido equivocadamente como “Grande Capítulo do Rito de York”. Como se pode observar o erro é absolutamente gritante.
As sete primeiras Lojas desse Conselho (administrativo), que inexplicavelmente fora traduzido por Capítulo, eram a Eureka Lodge, 440 do Rio de Janeiro; a Duke of Clearence, 443 de Salvador, BA, a Morro Velho Lodge, 648 de Nova Lima, MG, a Lodge of Unity,792 de São Paulo, SP, a St. George’s Lodge, 8l7 de Recife, PE, a Lodge of Wanders, 856, de Santos, SP e a Eduardo VII Lodge, 903 de Belém, PA.
Além dessas, outras Lojas inglesas ainda apareceriam e, no ano de 1935, com anuência do Grande Oriente do Brasil, elas seriam incorporadas por aqui a uma Grande Loja Distrital subordinada à Grande Loja Unida da Inglaterra. É bom que se diga que esse reconhecimento inglês era de interesse do GOB, pois Béhring já houvera antes obtido para as suas Grandes Lojas Estaduais o reconhecimento das Grandes Lojas dos Estados Unidos da América do Norte. Com o acordo e o aparecimento da Grande Loja Distrital, o Grande Conselho, ou Grande Capítulo (mal traduzido) deixaria de existir.
Comprovadamente, um bom exemplo de como o título de Rito de York não condiz com a realidade histórica, nem por aqui e nem na Inglaterra, está na tradução da língua inglesa para a portuguesa feita em 1920 por Joseph T. Wilson Sadler, membro do quadro da Lodge of Unity, de uma edição de um ritual de 1918 denominado The Perfect Cerimonies of Craft Masonry. Nessa tradução Sadler traduziu corretamente o título - As Cerimônias Exatas da Arte Maçônica. Note-se novamente que aqui também não aparece esse “suposto” Rito de York.
Mas, como já comentado, mesmo que comprovada a inexistência desse Rito de York, infelizmente essa denominação ainda continua aparecendo por aqui quando alguém se refere aos trabalhos ingleses. Um exemplo disso está num ritual impresso em 1976 que utilizou a tradução de Sadler, mas fez nele reaparecer inconveniente o título de Rito de York.
Como uma mentira contada muitas vezes acaba sendo confundida com a verdade, a maioria dos rituais brasileiros que praticam o Craft Inglês seguem baseados nessa edição de 1976 a utilizar inconvenientemente o título incorreto de Rito de York. E assim segue a caravana com o inominado Rito de York.
Concluindo, espero que esse breve resumo tenha suprido a sua súplica.



T.F.A.

PEDRO JUK

MAIO/2018


[1] É perfeitamente conhecido pela história autêntica que a “Antiga Maçonaria”, aquela do período Operativo, nem era constituída por graus, porém por duas classes de operários profissionais – a dos Aprendizes do Ofício e a dos Companheiros da Arte, quando, desses últimos era então escolhido o que melhor se sobressaísse profissionalmente para dirigir a Guilda de Construtores. Esse profissional ficou conhecido como o Mestre do Ofício, ou da Obra e não era um grau especulativo. O grau de Mestre, como conhecido atualmente, apareceria somente na Moderna Maçonaria - especulativa por excelência - em 1725 e seria incluído como Terceiro Grau apenas a partir de 1738 quando da Segunda Constituição da Grande Loja. Concomitante a termo “tempos imemoriais” Dermott se utilizou do Mestre do Ofício (Operativo) para caracterizá-lo, mais tarde, como uma espécie de extensão especulativa do 3º Grau. É daí a expressão “(...) incluindo o Santo Arco Real” que foi utilizado na Inglaterra ao se mencionar que a pura Maçonaria era constituída por apenas três graus.

5 comentários:

  1. Agradeço as considerações sempre respeitosas e embasadas. Muito esclarecedor, como sempre, Ir.'..
    T.'.F.'.A.'..
    Marcelo, Ap.'. M.'., Loj.'. Montsalvat, GLMG, REAA, Or.'. de Belo Horizonte/MG.

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  2. Bom dia Irl.'. Uma curiosidade me atenta há algum tempo, sou do Rito Escoces ,porém ingressei nos altos graus do rito de York pelo Real Arco e sempre acontece em roda de conversas entre irll.'. Que a palavra perdida só é encontrada no Real Arco no grau de MRA do qual já sou Cavaleiro de Malta, a minha duvida seria esta mesma palavra Perdida também é dita o REAA ?

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    1. A priori, a Palava perdida está dentro de você. É preciso compreender a Arte para poder decifrá-la. No fundo, o caminho é dado. Cabe ao pedreiro livre resgatar a sua essência. A conclusão da grande iniciação está no 3º Grau. O resto é aperfeiçoamento. Essa história de que o segredo está na sequência, em outro grau, é mera "estória" feita para justificar alguma coisa que na realidade muitos não compreendem.

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  3. "Esse erro teve origem por aqui em dezembro de 1912 quando o Grande Oriente do Brasil assinou um tratado com a Grande Loja Unida da Inglaterra. Nessa oportunidade esse tratado fora...".
    A Constituição do Grande Oriente do Brasil de 1907 estabelecia no seu Artigo 22:
    "Às Officinas adoptarão para seus trabalhos um dos Ritos reconhecidos, e como taes se consideram o escossez antigo e acceito, o adonhiramita, o francez ou moderno, o de York e o Schroeder, podendo de futuro ser ainda qualquer outro adoptado pelo Poder competente."
    Imagino que a Constituição estava errada, e todas as citações ao "Rito de York" contidas nos Boletins Oficiais do GOB deste 1872 també.

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    1. Essa é uma questão para registro da história. Há fatos que se tornam consagrados e por si só consuetudinários. Aqui no Brasil, nesse sentido, acredito o nome York vai predominar.

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