Em 21/09/2019 o
Respeitável Irmão Warley P. Marques, Loja Major Adolfo Pereira Dourado, 1.632,
REAA, GOB-PA, Oriente de Belém, Estado do Pará, solicita opinião para o
seguinte:
EVOLUÇÃO DOS RITUAIS
Como a Evolução dos
Rituais ou seria Des-evolução, pelo fato de a maioria dos Rituais Simbólicos em
vigência não respeitarem o Simbolismo e o arcabouço doutrinário do Rito
(Origem, Filosofia, Proposta, Circunstancias e Tempo Histórico de
Surgimento...). O que o dileto Irmão, com seu vasto conhecimento poderia nos
nomear como Prática Autêntica em relação ao R.E.A.A. (Regresso as Suas
Origens)? Em tempo, lhe agradeço de antemão por sua grande contribuição aos
Irmão que o solicitam... em especial a este que vos escreve!
COMENTÁRIOS.
Depende
sob qual ponto de vista se vê essa evolução. Aqui no Brasil, em se tratando do
Grande Oriente do Brasil, um grande passo foi dado nos meados dos anos 90 do
século passado.
Por
aqui, de há muito o Rito Escocês virou uma verdadeira colcha de retalhos, isso
porque desde os primeiros rituais editados em solo brasileiro os mesmos sofreram
muitos enxertos de práticas de outros ritos, por exemplo, inverteram Colunas copiando
o Rito Moderno e do Rito Adoniramita, azularam o Rito, colocaram Aprendizes no
Sul e Companheiros no Norte, copiaram a prova da Taça Sagrada, inventaram pálio
com espadas, etc., etc., etc.
A
cisão de 1927 ocorrida no GOB e a fundação das Grandes Loas Estaduais
brasileiras ainda trouxe mais enxertos, sobretudo aqueles baseados no Craft
norte-americano e utilizados para reconhecimento da recém fundada Obediência no
Brasil. Delas podem-se citar o Altar dos Juramentos no centro, Diáconos com
bastões formando pálio com o Mestre de Cerimônias, aventais azuis, etc. – nada disso
é original no REAA.
Compreende-se
que tudo se deu pelas circunstâncias do tempo, mas mesmo assim muitas práticas alienígenas
ainda continuam presentes e acabaram virando hábitos consuetudinários. Uma
delas, por exemplo, e a Instalação esotérica do Venerável Mestre (originalmente
isso não existe no REAA).
Somado
a tudo isso ainda vem as incensações, preces, acendimentos de velas, minutos de
silêncio e outros costumes completamente alheios à originalidade do Rito e
contrários ao seu arcabouço doutrinário.
Há
ainda as interferências creditadas à Legislação Maçônica, sobretudo numa
Obediência que possui pluralidade de Ritos – vide, por exemplo, as disputas para
ocupação do Oriente e, particularmente das cadeiras que ficam ao lado do
Venerável – essas cadeiras só deveriam existir quando o Grão-Mestre estivesse
presente, no entanto, constam dos rituais. Páginas e mais páginas do Ritual com
procedimentos para ingressos formais, o que não é parte essencial para a
disciplina do Rito.
Assim,
aqui no Brasil, desde os meados do século XIX muitos rituais apareceriam repletos
de enxertos e invenções sendo no decorrer do tempo editados e adotados o que
acabou proliferando no Rito costumes e práticas inadequadas e contrárias à proposta
doutrinária. Aliás, até hoje esse detalhe tem sido completamente ignorado, fazendo
com que muitas práticas ritualísticas sejam exercidas de modo equivocado e
defendida por ferozes ritualistas que colecionam rituais e "acham"
que os seus são os certos – esses geralmente procuram só pelo que está escrito,
deixando de lado os propósitos velados nas entrelinhas dos símbolos e das alegorias
(ou talvez não saibam mesmo).
Destaco
com isso a enorme quantidade de rituais errados que foram, e continuam sendo, por
aqui editados, o que tem servido de combustível para arautos da verdade (não
importa o que esteja escrito, mas se está escrito é o certo). Isso tem dificultado
a verdadeira prática porque, segundo os tais colecionadores, importa que "naquele
ritual" as coisas eram assim, ou até o ano tal "era assim que se
fazia". Na verdade, essas atitudes perpetuam erros porque os "apaixonados"
pelo anacronismo só entendem as velhas ilações achando-os como elementos
verdadeiros. Sob essa égide está a complexidade do assunto.
É
bem verdade que não é só na Maçonaria tupiniquim que as coisas assim acontecem.
A França, berço do REAA, desde o aparecimento do seu primeiro ritual, em 1804,
também não ficaria distante das anomalias. Para tal pode-se citar como exemplo
o que ocorreu no primeiro quartel do século XIX no Grande Oriente da França
oportunidade que essa Obediência arrogou para si o governo, além do simbolismo,
também o dos graus capitulares, até o 18º, deixando para o Supremo Conselho apenas
os demais graus acima do 18º. Isso então proporcionou o aparecimento das já
extintas Lojas Capitulares que à época trouxera práticas do capítulo que pelas
circunstâncias seriam adaptadas no simbolismo. É o caso, por exemplo, do
Oriente elevado e dividido por balaustrada (originalmente isso não existia no
simbolismo do rito). Adaptado esse costume, mais tarde, quando da extinção das
Lojas Capitulares, ainda que não original, o Oriente permaneceu elevado e
dividido tal qual se apresenta até os dias atuais, isto é, virou
consuetudinário pela sua prática sistemática.
Há que
se compreender também o desenvolvimento da Maçonaria Francesa que, nos meados
do século XVIII, nada conhecia do sistema dos Antigos de 1751, sendo com isso
influenciada pelos Modernos ingleses de 1717. Nesse palco da história na França
florescia à parte o sistema do "escocesismo" e os seus altos graus
sem a existência dos graus simbólicos, tanto que o REAA somente teria o seu
primeiro ritual em 1804 e baseado nos costumes dos antigos, herdado das Lojas
Azuis norte-americanas. Até então os três primeiros graus na França eram
praticados conforme o Rito Francês (Regulateur du Maçon) com algumas
tradições das Lojas Mães Escocesas.
Esse,
sem dúvida é um elemento importante para que se possa entender amiúde a
liturgia e a ritualística do simbolismo do REAA, pois isso é que daria formato
e corpo aos rituais verdadeiros, mesclando-se a isso as concepções deístas da
Maçonaria Francesa que influenciaria diretamente na organização da topografia
do Templo, bem como dos símbolos e alegorias pertinente à escola simbólica –
sem essa percepção não há como entender os propósitos doutrinários do Rito em
questão.
Ainda
aqui no Brasil é oportuno salientar que por muitos anos o GOB foi uma potência
mista, isto é, congregava junto aos graus simbólicos do REAA também a escola
dos graus superiores. Devido a isso é que por um bom tempo o Grão-Mestre Geral dera
também o Soberano Grande Comendador. Esclarecimentos à parte, o tratamento de
Soberano dado ao Grão-Mestre Geral ainda hoje fora herdado dessa época.
Essas
características aqui no Brasil afetariam o simbolismo do REAA, já um tanto quanto
misturado com o Rito Moderno, ou Francês, e Adoniramita (Colunas B e J invertidas
e interiorizadas, Vigilantes dispostos simetricamente no Ocidente, prova da
taça sagrada, etc.). Assim, por influência dos altos graus atrelados aos costumes
capitulares mencionados, também outras práticas às vezes eram indevidamente utilizadas
no simbolismo. Por exemplo o de algumas perambulações e circulações contrárias
ao sentido horário utilizado no simbolismo do Rito – muitos desses rituais defendidos
ferozmente por "colecionadores de rituais" traziam essas incongruências
hauridas dos altos graus.
Por
certo, isso é coisa do passado, entretanto como fantasmas não se pode negar
ainda a existência dessas interferências, sobretudo por força de "tratados
de reconhecimento" entre a Obediência Simbólica e os Altos Corpos dos
Ritos. Isso pode ser constatado em alguns rituais que trazem inclusive no seu
conteúdo previsões para receber autoridades dos Altos Corpos, até mesmo dando-lhes
direito de se apresentarem nos trabalhos da Loja sem os paramentos do
simbolismo, isto é, paramentados conforme o previsto nos "altos
graus". É bom que se diga que isso está em total desacordo com o simbolismo,
sobretudo porque vivemos sob a égide de uma Obediência Simbólica que é composta
universalmente por apenas e tão somente de três graus.
A parte
a isso, também entra em análise o desenvolvimento da Maçonaria francesa já nos
séculos XIX e pelo menos até os meados do século XX. Isso é importante porque o
aprimoramento e a consolidação dos rituais do REAA na França se dão
concomitantemente aos acontecimentos desse período, destacando as questões
políticas de reconhecimento pela Grande Loja Unida da Inglaterra e consolidação
das três principais Obediências, o Grande Oriente da França, a Grande Loja da
França e da Grande Loja Nacional Francesa. Vale a pena entender esse processo,
pois mesmo na França, cada uma dessas Obediências, não raras vezes, apresenta
rituais do REAA diferenciados entre si. Inclusive a Grande Loja Nacional
Francesa, prevê até Instalação do Venerável Mestre, mesmo se sabendo que originalmente
ela não existe no escocesismo.
Assim,
sob esses parâmetros o verdadeiro simbolismo do REAA se desenvolveu e se consolidou,
não só pelas nocivas influências externas, mas também para se adequar àquilo
que doutrinariamente o Rito emprega, ou seja, embora com influências teístas da
Maçonaria anglo-saxônica que fora haurida das Lojas Azuis norte-americanas
quando da execução do ritual de 1804, sabe-se que a sua essência é incontestavelmente
deísta ao trabalhar no aperfeiçoamento humano tendo como pano de fundo a
investigação da Natureza. É sob essa óptica que verdadeiramente o REAA trabalha
no seu simbolismo. Vem daí a divisão topográfica dos seus Templos, a decoração
da abóbada sob o ponto de vista do hemisfério Norte, as nove luzes litúrgicas
acesas conforme o Grau, as doze constelações do Zodíaco e os alinhamentos que
se associam no espaço e no tempo com os ciclos da Natureza (comparando a vida
do iniciado a esses ciclos); o movimento diário do Sol, a revolução anual do Sol
na sua eclíptica, a Marcha do Mestre conexa ao movimento aparente do Sol
(solstícios e equinócios), as dimensões do Templo conferidas simbolicamente a
um segmento da superfície terrestre, precisamente sobre o equador, razão pela
qual do 2º Vigilante fica ao Meio-Dia; as Colunas B e J designadas como Colunas
Solsticiais por representarem a passagem dos trópicos de Câncer e Capricórnio
no espaço da Loja, etc.
Tudo
isso veio paulatinamente sendo desenvolvido e colocado junto aos símbolos
tradicionais herdados da Maçonaria de Ofício. Assim, muitos rituais antigos podem
até não trazer a decoração tradicional que hoje conhecemos, mas a ideia
embrionária já estava colocada pelo perfil de aprimoramento desenvolvido no
Rito. Essa é a questão mais importante, pois nem tudo aparece, mas é parte
importante do contexto. É mister que o maçom compreenda isso e não fique
procurando só o que está pronto, já que nem tudo que está pronto é fruto da
verdade.
Sabe-se,
por exemplo que o Pavimento Mosaico é uma a alegoria importantíssima no contexto
simbólico, entretanto ele não fazia parte dos primeiros rituais. A Estrela
Flamejante é a mesma coisa, foi inclusive trazida de outro rito, não como
enxerto, mas como elemento alegórico (ornamento da Loja) para servir ao Segundo
Grau. No caso da abóbada, por exemplo, muitos rituais falam apenas em uma
abóbada azulada, outros a mencionam "salpicada de astros estrelas e nuvens",
porém hoje sabemos a importância da sua decoração como fator de localização do
zênite, do setentrião e do meridião, sobretudo quando os relacionamos com a
posição do Sol no canteiro de trabalho (Templo). As Colunas Zodiacais são outro
exemplo, elas não constam em todos os rituais, apareceriam para indicar sobre os
seus capitéis, em relação à base da abóbada, a existência de cada constelação
zodiacal a ela correspondente. Muitos templos trazem na abóbada apenas a
marcação das constelações, ou os símbolos do Zodíaco, outros, ao contrário,
trazem as Colunas como indicação sem nada aparecer marcado na base da abóbada. Tanto
um quanto o outro é aceitável, pois o importante é saber que o caminho do
iniciado, sob a abóbada celeste (na Terra) é marcado e projetado sobre o
Pavimento – caminhos coincidentes aos topos das Colunas do Norte e do Sul
(paredes Norte e Sul). Outros tantos mais poderiam ser mencionados, mas não é o
caso para essa ocasião. O importante é saber interpretar o porquê da existência
desses símbolos e alegorias, seus significas e a sua leitura esotérica –
estando eles como matéria aparente ou abstrata.
Assim,
por hora é isso que superficialmente se pode falar sobre as formatações dos
rituais do REAA. Esse campo é por deveras vasto e precisa ser compreendido por
dois aspectos: um deles é o da história e evolução do rito no seu ambiente
cultural, político e social, o outro é compreender a mensagem que traz cada símbolo
e cada conjunto simbólico no contexto doutrinário do Rito. Assim, é bom que por
primeiro se compreenda qual é o propósito do seu arcabouço doutrinário.
Considerar alguma coisa contrária ao que significa evolução, tratando-a como
"involução" creio que isso pode se dar quando aparecem, por exemplo,
descabidas propostas para reviver práticas fantasiosas que já foram extirpadas.
De tudo, é bom saber nada está pronto e muito ainda há para se pesquisar e
descobrir.
Por
fim, é imperativo se compreender que uma mudança, nas atuais circunstâncias,
não significa necessariamente uma novidade, entretanto muitas vezes é o retorno
àquilo que é tradicional e verdadeiro. Às vezes, de tanto consumirmos água impura,
fica difícil compreender quando ela nos é apresentada limpa e livre das
impurezas.
T.F.A.
PEDRO JUK
DEZ/2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário